Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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ESTRATÉGIAS DOS AGENTES COMUNITÁRIOS DE SAÚDE PARA CUMPRIMENTO DAS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA EM DUAS UNIDADES DE SAÚDE DA FAMÍLIA
Thaís Fernandes Amorim, Raylane Marques de Barros Cruz, Renata Matos e Matos, Adriano Maia dos Santos

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


INTRODUÇÃO: A incorporação da alimentação como direito social foi um dos grandes avanços nas políticas públicas brasileira. Nesse sentido, a nutrição e alimentação devem ser compreendidas como constituintes de requisitos básicos para a promoção e proteção da saúde (BRASIL, 2012). Contudo, a insegurança alimentar e nutricional que decorre da falta de qualidade e/ou de quantidadeadequada dos alimentos ainda é comum provocando manifestações biológicas como a fome e má alimentação que vai além de uma questão fisiológica. (CORRÊA, 2007). Segundo Castro (2001), a fome e a má alimentação e nutrição por serem fenômenos sociais somente por meio de ações sociais e coletivas, como a implantação progressiva de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, poder-se-ia transformar em realidade o direito humano universal à alimentação. Nesta perspectiva, o Programa Bolsa Família (PBF) tornou-se o principal programa de transferência de renda do país (BRASIL, 2010). O PBF foi criado, em 2003, como medida provisória de distribuição de renda (Decreto nº 132/2003) e transformado em Lei, em 2004 (nº 10.836/2004).  Para atingir seus objetivos, o PBF possui três eixos: 1) alívio imediato da pobreza pela transferência de renda; 2) direitos sociais básicos na área da saúde, educação e assistência social; 3) ações e programas que objetivam o desenvolvimento da família saindo da situação de vulnerabilidade (BRASIL, 2004). O PBF prevê contrapartidas ao recebimento do benefício ao exigir das famílias participantes o cumprimento de um conjunto de condicionalidades, que se expressam em compromissos na área de educação e saúde (BRASIL, 2006). Para tal cumprimento, os profissionais de saúde são fundamentais, sobretudo os Agentes Comunitários de Saúde (ACS) que possuem contato regular com os usuários da Estratégia de Saúde da Família e os serviços de saúde, de modo a contribuir para cumprimento das condicionalidades relacionadas à saúde, bem como sinalizar às famílias que estão em condições de vulnerabilidade (CARVALHO, ALMEIDA, LAIME, 2014). Essa pesquisa teve como objetivo analisar as estratégias desenvolvidas por Agentes Comunitários de Saúde para que as famílias beneficiárias do Programa Bolsa Família cumpram as condicionalidades relacionadas aos serviços de saúde e discutir as transformações operadas pelo PBF na realidade social das famílias assistidas. METODOLOGIA: O estudo é de caráter qualitativo, pois busca firmar conceitos e dar maior profundidade ao objeto de estudo. A pesquisa foi realizada em duas Unidades de Saúde da Família (USF) de um município da Bahia. O critério para escolha foram as USF que possuíssem maior número de famílias cadastradas ao PBF; USF da zona urbana; equipes completas. Para conformar os sujeitos, utilizou-se quatro grupos de representação selecionados intencionalmente: 1) gestores do PBF; 2) profissionais de saúde de nível superior; 3) ACS; 4) beneficiários do PBF. Com os grupos 1, 2 e 4 foram realizadas entrevistas semiestruturadas e para o grupo 3 foi feito um grupo focal. A análise de dados foi orientada pela análise de “conteúdo temática”, que para Minayo (2007) é constituída pelas seguintes etapas: 1 – Ordenação dos dados; 2 – Classificação dos dados; 3 – Análise final dos dados. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal da Bahia, Instituto Multidisciplinar em Saúde, Campus Anísio Teixeira (Parecer: nº 1.001.227). RESULTADO E DISCUSSÃO: A fome ainda é uma realidade na população brasileira mesmo com todos os programas sociais criados pelos governos para tentar mudar esse panorama (FAO, 2014). Dentre as ações governamentais, o Programa Bolsa Família, que visa o alívio imediato da pobreza com a distribuição de renda e a tentativa de mudar a vida das famílias beneficiárias, tornando-as aptas para o mercado de trabalho (BRASIL, 2004). O município estudado possui muitas famílias beneficiárias e nas entrevistas com os gestores percebemos que o programa mudou a realidade dessas famílias cadastradas proporcionando melhores condições de vida, como constatado na fala do gestor 2: “o PBF é de extrema importância para as famílias trazendo uma melhora na sua qualidade de vida e proporcionando que elas tenham acesso aos direitos básicos como saúde, educação e assistência social. São ações como essas que a gente percebe o quão é importante um programa de transferência de renda nesse porte, nesse nível com essas dimensões”. Os territórios das USF apresentam um cenário socioeconômico muito desfavorável. Ainda assim, as falas dos profissionais da USF convergiram com os gestores quando se referem às mudanças positivas operadas pelo PBF no cotidiano das famílias assistidas: “[...] muitas famílias têm apenas a renda do programa para sobreviver. [...] no geral, o programa trouxe um mínimo de dignidade, mudando a realidade das famílias desse bairro” (Profissional de Saúde 2). Corroborando as falas anteriores, os relatos dos beneficiários revelam que PBF mudou a realidade de suas famílias, uma vez que garante, ao menos, as refeições. As pessoas que recebem o benefício têm livre arbítrio de como gastá-lo, mas percebe-se, no discurso, que o dinheiro é mais destinado para alimentação das famílias: “o dinheiro ajuda muito, não falta mais comida, pelo menos o básico arroz e feijão e, também, já consegui comprar cama, armário aqui pra casa com esse dinheiro” (Beneficiário 2). O PBF ao criar condicionalidades para as famílias cumprirem induz o acesso à saúde, com isso, os profissionais de saúde utilizam essa ferramenta para assistir o máximo de famílias: “Algumas vezes, a gente utiliza o PBF como moeda de troca com as famílias. A gente tem que manter o cartão de vacina em dia, aí a gente fala: - se você não vier, eu vou mandar cortar seu bolsa família, mesmo a gente sabendo que a unidade não tem esse poder de mandar cortar o benefício, cessar o benefício, mas a gente falando isso, ela acaba trazendo, então a gente consegue acompanhar essas famílias por conta do bolsa família” (Profissional 1). Nas falas dos gestores e profissionais da saúde é comum a compreensão das condicionantes, mas na fala dos beneficiários, parecem entender como tendo que cumprir para não configurar na perda do benefício: “a gente sabe que tem esses deveres, então a gente cumpri pra não perder o dinheiro senão vai fazer falta” (Beneficiário 7). Talvez essa compreensão deva-se a condição de miséria em que vivem a baixa escolaridade e por toda uma vida de exclusão dos direitos sociais. O ACS é visto como protagonista no âmbito da saúde, uma vez que têm acesso às casas das famílias e são moradores do bairro. Assim, vivenciam, também, toda a dificuldade enfrentada pelos beneficiários do PBF. Tal evidência apareceu em todos os grupos de entrevistas: “o ACS que é, em minha opinião, um personagem principal dentro da área da saúde, ele é o principal mobilizador, principalmente pra essa função da condicionalidade da saúde” (Gestor 2). CONCLUSÃO: O estudo sinaliza que as famílias beneficiadas passaram a ter condições mínimas de dignidade e cidadania e mesmo o benefício sendo um valor relativamente baixo, tornou-se um complemento de ajuda ou mesmo a única renda mensal para muitas famílias. Mas como todo programa, precisa ocorrer uma melhora na fiscalização das famílias que possuem ou não o perfil para o cadastramento, assim como capacitações aos ACS para um acompanhamento mais qualificado.  

Palavras-chave


Agentes Comunitários de Saúde; Pobreza; Política Social.

Referências


BRASIL. Lei nº 10.836, de 9 de Janeiro de 2004. Cria o Programa Bolsa Família e dá outras providências. Presidência da república. 2004.

BRASIL. Lei nº 11.346, de 15 de Setembro de 2006. Cria o Sistema nacional de Segurança e Nutricional – SISAN com vistas em assegurar o direito humano à alimentação adequada e dá outras providências. Presidência da República. 2006.

CARVALHO, M. C. V. S.; LUZ, M. T.; PRADO, S. D. Comer, alimentar e nutrir: categorias analíticas instrumentais no campo da pesquisa científica. Ciência & Saúde Coletiva, 16(1):155-163, 2011.

CARVALHO, A. T., ALMEIDA, E. R., JAIME, P. C. Condicionalidades em saúde do programa Bolsa Família – Brasil: uma análise a partir de profissionais da saúde. Saúde Soc. São Paulo, v.23, n.4, p.1370-1382, 2014

CORRÊA, A. M. S. Insegurança alimentar medida a partir da percepção das pessoas. Estudos Avançados 21 (60), 2007.

CASTRO, J. Homens e caranguejos. São Paulo: Brasiliense, 2001.

KEPPLE. A W. O Estado da Segurança Alimentar e Nutricional no Brasil: Um retrato multidimensional, RELATÓRIO 2014.