Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Observatório de políticas públicas que vê e transvê
RAFAEL CARDOSO CHAGAS, Emerson Merhy, Polyana Esteves

Última alteração: 2015-10-30

Resumo


INTRODUÇÃO: Este trabalho é parte das análises iniciais realizadas pela pesquisa “Observatório Microvetorial de Políticas Públicas em Saúde e Educação em Saúde”, financiada pelo CNPQ e ainda em andamento. Desenvolvida pelo coletivo de pesquisadores da linha Micropolítica do trabalho e o cuidado em saúde durante o ano de 2014. Neste trabalho, apresentaremos questões e ferramentas teóricas e metodológicas produzidas no fazer inicial da pesquisa. A pesquisa tem por finalidade produzir ferramentas de análise de políticas no setor saúde, envolvendo uma rede de pesquisadores em diversas instituições de ensino superior por todo Brasil. A pesquisa foi dividida inicialmente em 6 eixos de acordo com as leis a serem pesquisadas, contando com a instalação de observatórios locais nas diversas regiões do país. A proposta da criação de um Observatório Microvetorial de Políticas Públicas em Saúde e Educação em Saúde procura atenderem ao desafio de analisar as formas em que se dá a constituição de um arcabouço legal, desde a formulação de uma política específica até suas implicações no cotidiano da produção do cuidado em saúde. Assim, apostamos na análise de múltiplos níveis, com a utilização de ferramentas quantitativas e qualitativas, propondo como um dos elementos centrais da produção da análise a conversação entre os diversos atores envolvidos na política proposta. Assim, diferentemente do campo da filosofia política tradicional, entende-se o Estado e as políticas públicas como uma construção social e histórica, inseridos nas práticas sociais dos sujeitos concretos, permeadas por relações de poder e saber. O que interessa neste estudo de políticas públicas é abandonar os universais e analisar os mecanismos que permitiram a racionalização de certas práticas de governo que, ao se constituírem enquanto um regime de verdade possibilita a emergência de uma política pública ou de um programa. METODOLOGIA: Esta pesquisa utilizou como metodologia o que chamamos de análise microvetorial. Na análise microvetorial, muitos aspectos são abordados: seus discursos manifestos, suas ações concretas, seus planos e programas de trabalho com suas metas e objetivos declarados. Nas políticas públicas em geral, um ator (pessoa física ou instituição) normalmente estrutura um programa de ação que visa induzir comportamentos específicos em diversos atores do sistema com resultados declarados esperados. Esta ação estruturada pode tomar múltiplas formas: normas, resoluções, políticas, decretos-lei, lei, contratos de gestão, entre outros. Os resultados esperados podem ter diversas métricas em nível dos serviços e aspectos qualitativos. No entanto, muitas vezes, desde a formulação de uma política até a produção dos resultados esperados, uma cadeia muito longa de atores é percorrida. Estes atores, como parte integrante do processo de produção do cuidado, funcionam sempre como potências que podem ou não contribuir para alcançar a meta pretendida, ou como criadores de inovações que modificam o sentido e transformam completamente a noção de resultado da política. Nesse sentido, a análise microvetorial coloca em conversação a longa cadeia de atores evocados a partir da formulação da política, suas ações, os efeitos na produção cotidiana do cuidado e, em destaque, na trajetória de vida do usuário final do sistema, que em princípio deveria auferir os benefícios diretos do que estava sendo proposto.Com esse entendimento, as frentes de pesquisas constituíram-se por meio de coletivos de pesquisadores. Estes coletivos são formados pelos diversos atores das políticas e os pesquisadores externos, diluindo a dicotomia entre sujeito e objeto da pesquisa. Isso significa que a pesquisa é entendida como um acontecimento, que se produz no encontro com o outro e não previamente definida pelo arcabouço teórico e metodológico elaborado pelos pesquisadores a ser aplicado no campo da pesquisa. RESULTADOS: No primeiro ano da pesquisa foram criados doze observatórios locais e atualmente, para além dos seis eixos inicias, outras linhas de pesquisa foram abertas, como a lei dos mais médicos, os sinais que vem da relação ensino e serviço e os sinais que vem da rua. Ademais, produzimos um conjunto de questões no fazer inicial da pesquisa. A análise da constituição de uma política, levando em consideração as rupturas, as descontinuidades e as lutas pelo exercício do poder que nunca cessam, mesmo com a institucionalização em forma legal de uma política, quetem por objetivo colocar no campo do visível certas práticas cotidianas de relações de poder que atravessam as políticas públicas. Nesse sentido, as ferramentas de análise e as questões de pesquisa não são formuladas anteriormente, mas no próprio campo. A avaliação da política e a construção das ferramentas fazem parte de um mesmo movimento de pesquisa. Assim, se apresenta aqui algumas ferramentas e noções produzidas. 1 - O encontro como uma ferramenta que coloca as maneiras de se viver no centro da pesquisa e do cuidado em saúde. Posiciona-se, dessa forma, o pensamento enquanto produção de processos de subjetivação, não sendo apenas formas de reafirmação de saberes anteriormente formulados. A vida é, nesse sentido, um elemento importante de orientação da produção de conhecimento, entendido como um processo vivo, irredutível aos saberes que transcendem a experiência, constituídos por fora do viver. Nesse sentido, deve-se estar aberto, na investigação, a esse conhecimento que é produzido no encontro, seja nos atos de cuidado e/ou no fazer da pesquisa. 2 – Utiliza-se a noção de pesquisa-interferência como contraponto a noção de pesquisa-intervenção. Na pesquisa-interferência, o pesquisador se apresenta como uma força fraca, que, ao estar menos protegido pelas verdades instituídas, se abre para o mundo e para o objeto como forma de produzir conhecimento. Não fazendo isso, o pesquisador não lida com as interferências, pois não suporta seus efeitos. 3 – O pesquisador que se contamina pelo mundo, enlameia-se de realidade para produzir conhecimento, denominado de pesquisador-inmundo. Ao mesmo tempo em que esse pesquisador está se produzindo em ato e na relação com o mundo e com o outro, também pode produzir novos mundos e conhecimentos possíveis. 4– Ao pesquisar o plano micropolítico da constituição de uma lei, percebemos a política como um dispositivo, na medida em que se configura como reveladora de regimes de verdade, enunciações já dadas, ao mesmo tempo em que apresentam fissuras nesses regimes, mediante práticas cotidianas, que se colocam como um devir. 5 – A pesquisa aposta fortemente na produção de redes vivas de cuidado. A produção do cuidado em saúde não é totalmente capturada pelas políticas, normas e regras da gestão e pelos saberes científicos previamente estabelecidos. Não obstante a presença destes saberes e normas, operando intensamente, verifica-se que os sujeitos no seu caminhar cotidiano também atuam com seus interesses nessa produção, inventando redes de cuidado que não estão previamente estabelecidas. Pesquisar essas redes e o conhecimento que elas produzem pode permitir inventar novas formas de análise e de configuração de uma política 6 - A ideia de usuário-guia é utilizada em várias frentes da pesquisa como ferramenta que permite explorar as redes e suas complexidades a partir de seu itinerário. Assim, pode-se revelar tanto caminhos, que não estão dados pela gestão em saúde, que o usuário produz, bem como os incômodos que a equipe sente e que, também, a coloca em análise com finalidade de pensar formas de superá-los. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Em suma, este trabalho teve por objetivo fazer emergir ferramentas e questões de pesquisa não capturadas por certa epistemologia, capazes não apenas de ver, mas, fundamentalmente, de transver uma política pública em saúde.

Palavras-chave


Observatório de política em saúde; cuidado; Micropolítica

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