Tamanho da fonte:
OS DESAFIOS DO PSICOLOGO INSERIDO NA REDE PÚBLICA DE SAÚDE MENTAL: UM RELATO DE EXPERIÊNCIA
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
APRESENTAÇÃO: O Serviço em Saúde Mental de Mário Campos-SSAM, teve início no ano de 2013, em espaço físico exclusivo, com o principal objetivo de atender uma crescente demanda da área psicológica e psiquiátrica dos postos de saúde. Com o surgimento do serviço de psicologia no município em 2010, a população pôde ser atendida sem a necessidade de se deslocar para cidades vizinhas. Contudo, ao se oferecer o serviço criou-se uma demanda que o SSAM não estava preparado para atender. Justifica-se a premissa de que na necessidade de assistir a demanda continuamente crescente, inaugurou-se uma responsabilidade, a fim de arcar com acolhimento da demanda por saúde mental. É necessário destacar que a prática psicológica, atualmente, deve acatar uma lógica de funcionamento do meio comunitário, para então, adaptar a sua proposta de intervenção no que se pretende. Muitas vezes, estes profissionais constroem um plano de intervenção, mas atua de outra forma. Trata-se, assim, de um serviço de imprevistos, e por isso mesmo, um desafio constante. É importante equiparar o trabalho do Serviço em Saúde Mental – SSAM, aos Centros de Especialidades. É um trabalho integrado à Unidade de Saúde Básica (UBS) e numa rede maior com outros serviços, como o Conselho Tutelar e a Assistência Social. Portanto, há muitos acolhimentos em plantão psicológico de urgência de vítimas de violência física e sexual, tentativas de autoextermínio, crises psicóticas, etc. Geralmente, o que se tem percebido, são pacientes com condições socioculturais e financeiras deficitados. É preciso levar em consideração o fato de a realidade municipal ser um tanto quanto comprometedora em alguns aspectos. Isso significa que há um grande público que carece do serviço e, tem-se percebido que trata-se de um público com perfil sociocultural e financeiro menos favorecido. É uma realidade que corrobora com outras pesquisas e levantamentos, que apontam para a intrínseca relação entre as psicopatologias e as precariedades culturais e financeiras da população. De fato, uma condição de vulnerabilidade social é predisposição para o adoecimento mental. É comprovado que a pobreza trata-se de um fator de risco para a depressão, por exemplo. Isso deve ser levado em pauta para um plano de trabalho eficaz. Se o profissional psicólogo adotar uma postura rigidamente ortodoxa, se fechando em sua sala de atendimento achando estar fazendo um bom trabalho na área da saúde, esse profissional muito se engana, pois na verdade está fechando os ouvidos para o verdadeiro discurso que chega ao serviço de saúde. Desenvolvimento/Metodologia: Uma das principais dificuldades para atuar na área da saúde pública trata-se dos recursos e infraestrutura. O psicólogo é exigido a construir um plano de intervenção com os recursos que lhe são dados, pensando em um plano social e comunitário. Portanto, é uma exigência para o profissional psicólogo que este se atente a uma intervenção no macro, no plano comunitário, não somente no individual, pelo fato de não se conseguir acolher toda a demanda que emerge no serviço de saúde. Entretanto, pode-se compreender a saúde mental como aquela que está vinculada a um bem estar social. Recorrendo ao texto de Freud sobre o Mal Estar na Cultura, corrobora-se a sua compreensão de que as mazelas humanas serem marcas civilizatórias e culturais; produto do meio. Portanto, trata-se de uma dificuldade, e/ou empecilho, quando o psicólogo desconsidera conhecimentos sobre políticas públicas. É preciso estar conciliado a elas, as políticas, para melhor desenvolver um plano de intervenção coerente e amparador. Partindo do pressuposto que o ser humano existe para com o outro, e o outro está no meio, nas relações, nos vínculos; então, entendemos que o sofrimento individual perpassa pela relação. Ora, toda clínica, de certa forma, é um clínica social, pois o ser humano é um ser de vínculos, por isso mesmo, um ser social, sendo o seu discurso frequentemente perpassado na noção do outro e do meio. Assim, para dar evasão a demanda reprimida que se acumulou ao longo deste tempo, criou-se grupos e oficinas terapêuticas, pois se fizeram altamente necessários como alternativa de melhor abarcar a demanda do serviço e não negligenciar a necessidade daqueles que padeciam mentalmente e não eram, ao menos, acolhidos. Os grupos de oficinas terapêuticas presentes no serviço são: oficina de artesanato; oficina do brincar, oficina de horticultura e grupo de tabagismo. Os pacientes são acolhidos individualmente e inseridos no atendimento grupal, caso o tratamento necessariamente não seja demandado à psicoterapia individual. Os grupos acontecem semanalmente e tem duração média de duas horas. Resultados: As oficinas e grupos tornaram-se um espaço de integração e convívio dos usuários, onde se puderam constatar melhoras diversas, no âmbito psíquico, por meio das atividades propostas e construídas por eles mesmos; trocas de experiências e conversas sobre assuntos cotidianos, envolvendo suas vivências diárias mais subjetivas. Percebemos um público carente de sentido, perdido por meio das forçosas rotinas da vida; tentando permanecer firmes numa constituição identitária irrevogável, pois caso contrário, nem ao menos saberiam como justificar a vida. Os trabalhos de grupo, em oficinas terapêuticas certamente estão cumprindo o papel. Estão proporcionando oportunidade de reajuste do sentido, uma aproximação maior do sujeito participante consigo mesmo. Conseguimos suprimir uma demanda que, se fossem individualmente atendidas, levaria tempo significativo, menosprezando inclusive, o sofrimento subjetivo daqueles que necessitam de acompanhamento, mesmo estes sendo no âmbito grupal. Considerações Finais: Assim, o profissional da psicologia está sendo exigido a pensar nas multiplicidades; nos acontecimentos sociais; na política; e estar atento ao contexto comunitário. A clínica clássica já não se encaixa com facilidade nos tempos hipermodernos. Tendo esse desafio, uma das alternativas é desenvolver um plano interventivo que almeje o maior número de pessoas possíveis, como é o caso dos trabalhos em Grupos Terapêuticos e Oficinas Coletivas. Vale lembrar que o fator social deve ser levado em conta quando se trata do trabalho na área da saúde. Se existe o pressuposto que o social é um gatilho para o adoecimento mental, também podemos utilizar do social para um trabalho interventivo na mesma proporção. O ambiente social de um indivíduo pode ser, além de desencadeador do sofrimento psíquico, um aliado para a intervenção psicoterapêutica. O psicólogo deve estar atento e sensível às possibilidades interventivas que contemplem o indivíduo e o seu meio, visando a construção e/ou resgate dos vínculos, do laço social, consequentemente, da identidade, integração, reconhecimento; enfim, sinais de uma saúde psíquica plena. Por fim, o que mais aproxima o sujeito a uma vivência coletiva e saudável, é, afinal, os Grupos Terapêuticos.
Palavras-chave
oficinas terapêuticas; saúde mental
Referências
Freud, S. (1930 [1929]) O mal-estar na civilização. Edição Standard Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud, vol. XXI. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
BOTTI, N. C. L. Oficinas em Saúde Mental: história e função. 2004. 240 p. Tese (Doutorado em Enfermagem Psiquiátrica) –Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2004.
BRASIL, Ministério da Saúde. Cadernos de Atenção Básica: Saúde Mental. Brasília, DF, 2013. 171 p. Disponível em: < http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cadernos_atencao_basica_34_saude_mental.pdf>. Acesso em 01 jun. 2015.