Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
Vulnerabilidades socioambientais associadas aos resíduos de serviços de saúde
Estela Fátima Lunkes, Maria Assunta Busato

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: A problemática dos resíduos sólidos, incluindo os resíduos de serviços de saúde (RSS) tem adquirido mundialmente grande importância do ponto de vista legislativo. No Brasil esse movimento aparece na Resolução n. 306 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) de 2004, na Resolução n. 358 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) de 2005, e mais recentemente, em Santa Catarina, na Resolução Conjunta do Conselho Estadual do Meio Ambiente (CONSEMA) e da Divisão de Vigilância Sanitária (DIVS) n.1, de 2013, que estabelecem a harmonização entre órgãos regulatórios de RSS, transferindo a responsabilidade do manejo aos geradores, com a adoção de um Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde (PGRSS) (BRASIL, 2004; BRASIL, 2005; SANTA CATARINA, 2013; CASTRO et al., 2014). Porém, mesmo com as legislações vigentes, as vulnerabilidades socioambientais associadas aos RSS são evidentes. Segundo Sánchez e Bertolozzi (2007) o conceito de vulnerabilidade refere-se à chance das pessoas adoecerem, como resultado de um conjunto de aspectos que, ainda que se refiram imediatamente ao indivíduo, possuem relação com o coletivo, ou seja, a vulnerabilidade deve levar em conta a dimensão relativa ao indivíduo e o local social por ele ocupado. De acordo com Ayres et al. (2003) as análises das vulnerabilidades envolvem a ação integrada e articulada de três eixos: componente individual, componente social e componente programático. Segundo Freitas et al. (2012) as condições de vulnerabilidade derivam de processos sociais e mudanças ambientais, resultantes de estruturas socioeconômicas que produzem condições de vida precárias e ambientes deteriorados, se expressando com menor capacidade de redução de riscos e baixa resiliência. Nesse sentido, as vulnerabilidades observadas na problemática dos RSS são de ordem individual, no que se refere ao grau de informação que os indivíduos dispõem sobre o assunto; vulnerabilidade socioambiental, resultado de condições de vida precárias, no caso dos catadores; e a vulnerabilidade programática, no que se refere às políticas, programas, aos compromissos das instituições e aos recursos e monitoramento nos diferentes níveis de atenção (SANCHÉZ; BERTOLOZZI, 2007). Diante deste cenário, este ensaio pretende apresentar as vulnerabilidades socioambientais associadas aos RSS. Contaminação do meio ambiente e propagação de doenças A problemática ambiental é reconhecida como uma das consequências da dinâmica e da estrutura social, e os riscos e perigos ambientais passam a ser considerados produtos de um sistema entrelaçado à trama social e fruto da modernização ecológica, da modernidade tardia e processos de segregação e desigualdade social (MARANDOLA JR.; HOGAN, 2006). Nesse sentido, a destinação incorreta dos RSS causa degradação ambiental, decorrente do grande volume de materiais depositados que, ao menos em partes, poderia ser reaproveitado (MACEDO et al., 2007). Esse mau gerenciamento pode acarretar problemas que afetam diretamente a saúde da população, como a contaminação da água, solo, atmosfera, proliferação de vetores, além da saúde dos trabalhadores que têm contato com esses resíduos (GARCIA; RAMOS 2004). Nesse contexto, diferentes microorganismos patogênicos presentes no RSS apresentam elevada resistência às condições ambientais, como Staphylococcus aureus, Escherichia coli, Pseudomonas aeruginosa, vírus da Hepatite A e da Hepatite B (SILVA et al., 2002; GARCIA; RAMOS, 2004). O Mycobacterium tuberculosis é um importante patógeno encontrado, apresentando um tempo de resistência ambiental de até 180 dias na massa dos resíduos sólidos (SILVA et al., 2002). Além disso, grande quantidade de substâncias químicas, desinfetantes, medicamentos como antibióticos, amálgamas odontológicas e reveladores de raios x, podem estar presentes nos RSS e provocar aumento das populações bacterianas resistentes (GARCIA; RAMOS, 2004). Esses resíduos químicos não acondicionados recebem descarte no sistema de esgoto no momento de sua geração, sem menção a tratamento prévio, apresentando risco sanitário e ambiental (CASTRO et al., 2014). Entre os métodos adotados no gerenciamento dos RSS está a incineração. De acordo com Gouveia e Prado (2010), essa técnica é amplamente utilizada na destinação final dos resíduos, no intuito de diminuir seu volume e consequentemente, os custos com a logística e gerenciamento dos resíduos, além de prevenir o crescimento de microrganismos patogênicos e a proliferação de vetores de doenças. Por outro lado, a incineração de RSS produz quantidades variadas de substâncias tóxicas, como partículas, gases, metais pesados, compostos orgânicos, dioxinas e furanos, potencialmente carcinogênicos, que são emitidas na atmosfera (GOUVEIA; PRADO, 2010). Acidentes de trabalho com profissionais da saúde, limpeza pública e catadores Um dos problemas relacionados aos RSS é a inadequabilidade das práticas de biossegurança e do conhecimento dos trabalhadores sobre os riscos potenciais de acidentes de trabalho. Muitos profissionais da saúde, assim como auxiliares de serviços gerais, tendem a negar a relação direta entre o trabalho desenvolvido e os problemas de saúde (BATISTA et al., 2012). A saúde do trabalhador está relacionada a acidentes de trabalho com perfurocortantes no momento da disposição desses resíduos, tanto dos profissionais da saúde, quanto dos trabalhadores das companhias municipais ou terceirizadas de limpeza, que manuseiam os resíduos mal gerenciados (GARCIA; RAMOS, 2004), aliado ao fato da ausência de utilização de equipamentos de proteção individual (CASTRO et al., 2014). Da mesma forma, a disposição dos RSS com resíduos comuns traz graves consequências aos catadores de material reciclável, que estão expostos a todos os tipos de contaminação presentes nesses resíduos. Os catadores também servem como vetores para a propagação de doenças contraídas no contato com os resíduos (GARCIA; RAMOS, 2004). Formas de enfrentamento das vulnerabilidades Considerando a população em geral, alguns grupos de indivíduos são especialmente vulneráveis à problemática dos RSS. Segundo Sánchez e Bertolozzi (2007) a vulnerabilidade e a capacidade fazem parte de um mesmo processo, relacionando-se à capacidade de luta e recuperação que um indivíduo pode apresentar. O nível socioeconômico, a ocupação e a nacionalidade também se relacionam a esse processo, repercutindo sobre o acesso à informação, aos serviços e à disponibilidade de recursos para a recuperação, potencializando ou diminuindo a vulnerabilidade. Assim, as vulnerabilidades distribuem-se de maneiras diferentes segundo os indivíduos, regiões e grupos sociais (SÁNCHEZ; BERTOLOZZI, 2007). Nesse sentido, os profissionais da saúde, gestores, catadores, e população em geral, não se veem como público vulnerável, uma vez que desconhecem ou ignoram os riscos potenciais do mau gerenciamento dos resíduos. O conhecimento acerca dos RSS, seu gerenciamento e os ricos potenciais a que a população está exposta, oferece o direito ao empoderamento que, segundo Sánchez e Bertolozzi (2007), se refere à participação política e institucional, econômica, estrutural histórica da sociedade e suas decorrências. Ascari et al. (2012) destaca a necessidade de programas de educação permanente e continuada junto aos profissionais, fomentando a qualidade de vida da comunidade e dos próprios profissionais. Da mesma forma, apresenta-se como uma possibilidade de renovação social, através do trabalho com diferentes setores da sociedade e da transdisciplinaridade (SÁNCHEZ; BERTOLOZZI, 2007). Considerações finais Para a diminuição dos impactos causados pelo mau gerenciamento de RSS se faz importante o conhecimento das vulnerabilidades a eles associadas. Mesmo com as exigências legais, a redução de danos associados aos RSS se encaminha lentamente, talvez pelo fato de parte da sociedade não se sentir vulnerável aos riscos do manejo inadequado desses resíduos. O conhecimento, proporcionado pela educação continuada e permanente dos profissionais de saúde, assim como dos gestores, para que estes sejam os propagadores de informações à população, gera o empoderamento, proporcionando o engajamento de todos os atores da sociedade no enfrentamento às vulnerabilidades socioambientais associadas aos RSS.

Palavras-chave


Populações vulneráveis; resíduos de serviços de saúde; enfrentamento

Referências


ASCARI, R. A.; BORTOLINI, S. M.; KESSLER, M. et al.. Análise do gerenciamento dos resíduos na atenção básica. Rev. Contexto e Saúde. Ed. Unijuí: Ijuí, RS, v.12, n.23, p.75-80, jul/dez. 2012.

AYRES, J. R. C. M.; FRANÇA JÚNIOR, I.; CALAZANS, G. J.; SALETTI FILHO, H. C. O conceito de vulnerabilidade e as práticas de saúde: novas perspectivas e desafios. In: Promoção da Saúde conceitos, reflexões e tendências: FIOCRUZ, 2003. p. 117-139.

BATISTA, R. C.; FONSECA, A. R.; MIRANDA, P. S. C.; SOUZA, C. P. Trabalho, saúde e ambiente: resíduos de serviços de saúde (RSS) em duas instituições do município de Arcos – MG. INTERFACEHS – Rev Saúde, Meio Ambiente e Sustent. v.7, n.1, p. 52-62. 2012.

BRASIL. ANVISA. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução RDC nº 306 de 07 de dezembro de 2004. Dispõe sobre o Regulamento Técnico para o Gerenciamento de Resíduos de Serviços de Saúde. Disponível em <http://portal.anvisa.gov.br/wps/wcm/connect/10d6dd00474597439fb6df3fbc4c6735/RDC+N%C2%BA+306,+DE+7+DE+DEZEMBRO+DE+2004.pdf?MOD=AJAJPER>. Acesso em 11 out. 2014.

BRASIL. Ministério do Meio Ambiente. CONAMA. Conselho Nacional de Meio Ambiente.  Resolução n. 358 de 29 de abril de 2005. Dispõe sobre o tratamento e a disposição final dos resíduos dos serviços de saúde e dá outras providências. Brasília, DF. Diário Oficial da União, n. 084.  p. 63-65. 04 mai. 2005.

CASTRO, R. R.; GUIMARÃES, O. S.; LIMA, V. M. L. Gerenciamento dos resíduos de serviços de saúde em um hospital de pequeno porte. Rev. Rene, v.15, n.5, p. 860-868, set/out. 2014.

FREITAS, C. M.; CARVALHO, M. L.; XIMENES, E. F., et al.. Vulnerabilidade socioambiental, redução de riscos de desastres e construção da resiliência – lições do terremoto no Haiti e das chuvas fortes na Região Serrana, Brasil. Rev. Ciênc. Saúde Col. v. 17, n. 6, p. 1577-1586. 2012.

GARCIA, L. P.; RAMOS, B. G. Z. Gerenciamento dos resíduos de serviços de saúde: uma questão de biossegurança. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 20, n. 3, p. 744-752, mai/jun. 2004.

GOUVEIA, N.; PRADO, R. R.. Análise espacial dos riscos à saúde associados à incineração de resíduos sólidos: avaliação preliminar. Rev. Bras. Epidemiol. v.13, n.1, p. 3-10. 2010.

MACEDO, L. C.; LAROCA, L. M.; CHAVES, M. M. N. et al.. Segregação de resíduos nos serviços de saúde: a educação ambiental em um hospital-escola. Cogitare Enferm. v. 12, n.2, p. 183-188, abr/jun. 2007.

MARANDOLA JR., E.; HOGAN, D. J.. As dimensões da vulnerabilidade. São Paulo em Perspectiva. v. 20, n. 1, p. 33-43, jan/mar. 2006.

SÁNCHEZ, A. I. M.; BERTOLOZZI, M. R.. Pode o conceito de vulnerabilidade apoiar a construção do conhecimento em Saúde Coletiva?  Rev. Ciênc. E Saúde Col. v. 12, n.2, p. 319-324. 2007.

SANTA CATARINA. CONSEMA, Conselho Estadual do Meio Ambiente; DIVS, Diretoria de Vigilância Sanitária da Secretaria do Estado da Saúde. Resolução conjunta n. 01 de 06 de dezembro de 2013. Estabelece a obrigatoriedade de elaboração e apresentação do Plano de Gerenciamento de Resíduos de Serviço de Saúde – PGRSS e seus documentos complementares, como documento oficial nos estabelecimentos geradores destes tipos de resíduos, atendendo às exigências da resolução RDC ANVISA n. 306/2007. Florianópolis, SC, Diário Oficial do Estado de Santa Catarina, 06 dez. 2013.

 

SILVA, A. C. N.; BERNARDES, R. S.; MORAES, L. R. S. et al. Critérios adotados para seleção de indicadores de contaminação ambiental relacionados aos resíduos sólidos de serviços de saúde: uma proposta de avaliação. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 18, n.5, p. 1401-1409, set/out. 2002.