Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Serviço de Saúde e Rede de Enfrentamento a Violência contra a Mulher: a necessidade de vencer barreiras para construir parcerias e garantir integralidade
Bianca Garcia Cappelli

Última alteração: 2015-11-24

Resumo


APRESENTAÇÃO: Atuo como Coordenadora de um Centro Especializado de Atendimento à Mulher- CEAM Chiquinha Gonzaga - equipamento da Secretaria Especial de Política para as Mulheres do município do Rio de Janeiro, que integra a Rede de Serviços Especializada para Enfrentamento à Violência contra a Mulher. A Rede de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher pressupõe uma atuação articulada entre as instituições / serviços governamentais e não governamentais e a comunidade, visando estratégias de prevenção e políticas que garantam a autonomia das mulheres, seus direitos e assistência. O fenômeno da violência contra as mulheres é complexo e apresenta multicausalidade, demandando uma intervenção multidisciplinar e intersetorial. O CEAM realiza atendimento social, psicológico e presta orientação jurídica para mulheres em situação de violência, de modo a promover uma reflexão qualificada através do questionamento das relações de gênero e dos papéis desempenhados por homens e mulheres, que legitimam as desigualdades e a violência contra as mulheres. Diversos estudos relatam que essas situações são importante fator de risco para vários problemas de saúde, físicos e mentais, caracterizando os serviços de saúde como uma porta de entrada privilegiada para esses casos. Apesar disso, a reprodução de uma lógica fragmentada própria do cientificismo, as práticas procedimentos - centradas, a dicotomia entre educação e trabalho, o isolamento do sujeito de seu contexto social e histórico, e a violência categorizada como um problema de ordem social são algumas das barreiras que avaliamos ter impacto direto na identificação dos casos e das demandas que perpassam a situação manifestada através do processo de doença. Assumindo que a Rede de Serviços de Enfrentamento à Violência contra a Mulher ainda é desconhecida por muitos profissionais na área da saúde, nos propusemos a fazer visitas institucionais, palestras, rodas de conversa e oficinas, de forma a problematizar e promover parcerias. Venho propondo também uma reflexão sobre a necessidade de se incorporar ao processo de formação dos profissionais de saúde a discussão sobre o atendimento integral às situações de violência perpetradas contra a mulher, com o objetivo de tirar esses casos da invisibilidade e incorporá-los como objeto de intervenção da saúde. Visando dar sua contribuição, o CEAM se tornou campo de prática para a Residência Multiprofissional em Saúde da Mulher do Hospital Escola São Francisco de Assis – HESFA/UFRJ. Minha experiência como preceptora da Residência, vem comprovando que os profissionais que passam por processos de sensibilização, desenvolvem um olhar ampliado e implicado com essa temática, que se manifesta na sua práxis diária. Uma vez que o profissional está instrumentalizado, temos a oportunidade de desconstruir a ideia de que essa será mais uma demanda a sobrecarregar o seu trabalho, pois ele passa a compreender a relevância de sua atuação para minorar ou sanar os rebatimentos da violência na saúde da mulher. Uma das parcerias estabelecida com a ajuda dos residentes, importantes interlocutores, foi com o Instituto de Ginecologia Moncorvo Filho (IG) uma unidade de ensino, pesquisa e extensão que compõe o complexo médico-hospitalar da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Durante o dia destinado a realizar estudos de caso no Centro de Estudos da unidade, foi reservado um espaço para que o CEAM pudesse se apresentar, problematizando questões relativas a gênero e violência contra a mulher, mas também sinalizando caminhos e possibilidades de encaminhamento. Em função dessa apresentação, passamos a discutir com a chefia de enfermagem da unidade a possibilidade de realizarmos oficinas com os profissionais, e houve uma aproximação entre os serviços. Ainda sim, há de se ressaltar que mesmo sabendo da existência do CEAM, os encaminhamentos não passaram a acontecer imediatamente. Não basta apresentar o serviço, é preciso que se crie um espaço privilegiado para discussão desses casos, na perspectiva de desconstruir preconceitos e vislumbrar a construção de práticas integradas de acompanhamento que se mostrem eficazes. Alguns meses depois, recebemos no CEAM a ligação de uma assistente social que trabalha no IG, relatando o caso de uma usuária que tinha sido vítima de violência sexual e estava internada. Normalmente recebemos as mulheres para atendimento no CEAM, mas pela gravidade do caso e o fato da mulher estar internada em decorrência da violência, nossa psicóloga foi até o local realizar o primeiro contato, fazer a primeira escuta, na perspectiva de estabelecer vínculo. Quando ela teve alta, passou então a ser atendida no CEAM, mas dadas a dependência econômica do namorado e a depressão desencadeada em função da violência sexual, faltou alguns dias ao acompanhamento. Imperativo destacar nesse momento a parceria estabelecida com o IG, pois como ela também continua sendo acompanhada na unidade, o assistente social teve a oportunidade de identificar as faltas ao CEAM, trabalhar com ela a importância dessa proposta de reflexão e construção de novas possibilidades, e nos dar um retorno. Realizando essa troca, nós os serviços, de saúde e da Rede Especializada de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, nos comprometemos a empreender todos os esforços para que ela receba o cuidado que se faz necessário. O meu saber e o meu fazer se somam ao seu saber e ao seu fazer em prol do benefício das mulheres. Abandonamos nossas “caixinhas” para estabelecer parcerias, relações institucionais, realizar estudos de caso, oficinas, práticas multidisciplinares, que garantirão a integralidade desse cuidado. A OMS identifica a violência contra a mulher como um caso de saúde pública, que além dos prejuízos à saúde física e psíquica da mulher e de seus filhos, caso haja, traz prejuízos econômicos em virtude das faltas ao trabalho, grandes períodos de licença, aposentadorias precoces. É um fenômeno devastador, que assola mulheres em toda parte do mundo, independente de classe social, etnia, religião, idade ou orientação sexual. Partindo da premissa que essas situações são importante fator de risco para diversos problemas de saúde das mulheres, a identificação da violência, elemento disparador de processos de adoecimento possibilitaria uma mudança na assistência prestada, garantindo através de ações multidisciplinares e intersetoriais, um atendimento integral; precisamos que a violência seja vista como objeto das práticas de saúde, para além de suas repercussões. A ampliação do olhar para identificação dos casos, o acolhimento destituído de julgamentos e o encaminhamento para a Rede Especializada são a única forma de impedir que a mulher seja submetida a mais uma violência, a institucional, quando vaga pelos serviços em busca de um atendimento que garanta seus direitos, todos eles previstos em leis e normativas.

Palavras-chave


Gênero; violência; integralidade