AGIRES MILITANTES, PRODUÇÃO DE TERRITÓRIOS E MODOS DE GOVERNAR: conversações sobre o governo de si e dos outros
Resumo
APRESENTAÇÃO: O presente estudo analisa agires militantes de gestores em saúde e os territórios vivenciais forjados para si e para outro a partir de suas práticas micropolíticas, isto é, seus modos de governar. É uma pesquisa cartográfica que percorre duas experiências governamentais vivenciadas pela autora como gestora em duas secretarias de saúde, uma municipal (2004-2006) e outra estadual (2007-2010). Foi desenvolvido e defendido como tese de doutorado na Linha de Pesquisa Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde, dentro do Programa de Pós-graduação de Clinica Médica (FCM/UFRJ) com apoio da CAPES. Analisa as vivências da autora nesses governos, tomando-as não como uma individualidade, mas como a singularidade do modo como atravessam o seu corpo, as forças de um determinado contexto histórico. Forjam-se alguns conceitos-ferramenta “avaria”, “bússola visceral” e “Caixa de Ferramentas para Sentintes” que possibilitam produzir novos planos de análise e percorrer os desconfortos criados por um modo de exercer o poder formal de governar essas organizações, o que permite dar visibilidade e dizibilidade para ao lugar negativo que se produzia para o outro e às repercussões negativas desse tipo de política na fabricação dos coletivos gestores em organizações de saúde. Como efeito ocorre uma “torção” do olhar da pesquisadora, no sentido perceber o seu protagonismo como fabricadora do mundo vivido, avariando-se sua perspectiva instrumental na relação com o outro, existente até então, e que agenciava a submissão do seu agir militante a um mundo do qual ela “sentia” ser vitima do outro – era o outro que não fazia, não sabia, o outro enunciado como “problema” das organizações. Este movimento de revisitar, estranhar e analisar estes agires, construiu linhas de fuga dos territórios instituídos da gestão e encarnados no corpo da autora como um modo de existência, em busca da fabricação de outros mundos possíveis para os coletivos e para as organizações em saúde, que fossem agenciados pela perspectiva que toma o outro como alteridade para si e não como coisa a ser manipulada, que toma a política como possibilidade de fabricação de coletivos que apostam no outro como potencia da organização. Movimentar-se nesse sentido significou vazar as referencia de um Estado dado, no sentido de produzir novas narrativas do Estado vivido como agenciamento, criando outros planos de analise sobre funcionamento vivido nas organizações de saúde e as afecções no corpo decorrentes dessa experiência no exercício do poder formal de governar a si e aos outros. Nesse sentido, se aposta em uma estética na qual partilhar o sensível é uma forma de experienciar a política, convidando o leitor a percorrer seus movimentos na produção e exploração dos elementos e dos planos que compõe os vários ambientes possíveis do conjunto da experiência, as afecções vividas, a fabricação das entradas e das saídas, os acontecimentos produzidos e produtores do agir, e o efeito dessa produção como potência do corpo para descobrir as potencias de vida que escapam a razão, produzindo o algo mais que vai além do que temos consciência, abrindo-se para novas narratividades. Registra-se a exploração dessas experiências e a produção do campo de investigação que circunscreve certo campo comum de interesse que posiciona a problemática dos agires de militantes e seus modos de produzirem a si e de governarem o outro, diante do fato de que todos governam e todos são gestores. Focou-se a atenção nos desconfortos que foram revividos quando se buscava onde se situava o outro nos modos de agir e governar, liberando o desejo e a necessidade de dar voz ao que estava querendo “poder”. Narra o desenvolvimento de como se utilizou os elementos heterogêneos – como o desenhar e o pintar, o produzir imagens, o encontro com a poetas, a poesia, da produção de imagem – na fabricação de dispositivos para produzir linguagem para os interditos do campo da gestão vividos pela autora como gestora, cartografando os territórios vivenciais e seus conjuntos de práticas. Evidenciaram-se avarias que põe em foco o tema do coletivo, evidenciando o efeito do agir líder nos mesmos, e visibilizando este modo de governar, ou seja, este agir governo que atua na produção da organização com império e do coletivo como lugar da indução a comportamentos e da captura do outro. Descreve-se o engendramento das faculdades política e médica na produção de um agir estratégico e epistêmico, constitutivos desse agir líder, e que se tornam constitutivos do coletivo vivido pela autora, como um funcionamento em cada um, fabricando um modo de governar a si ao outro a partir de um agir instrumental na relação com o outro como exercício de uma política. Desenha-se uma cartografia do território da gestão em saúde através da exploração intensa de artefatos heterodoxos para fazer falar, construindo o campo de investigação partir da analise dos desconfortos vividos no exercício do seu agir militante em relação aos efeitos produzidos por suas políticas. Produz uma teoria sobre o agir militante no território da saúde, caracterizando os agires gestores em dois: agires guerreiro e agires estado. Agires militantes estado-guerreiro atuam na dobra constitutiva do território da gestão, deparando-se de um lado com o território material que são organizações produtoras de saúde, estabelecimentos de saúde, redes reais no lugar e no tempo e do outro lado no território dos homens, que problematiza esse processo de constituição da construção da subjetividade dos próprios militantes, dos seus modos de governo, de suas produções enquanto coletivos sentintes. Esses agires militantes, percorrem estes territórios da dobra, ora como nômades, percorrendo territórios desconhecidos, em busca dos alimentos para produção da vida, com suas bússolas viscerais, guiando-os intuitivamente de encontro em encontro, em sensações de satisfação, de compreensão, de paixão, mas também de frustração, de angústia, de dúvidas, de medo, de solidão, de estranhamento, o que denominamos de agires guerreiro. Outra hora, como sedentários, a partir de seus controles eletrônicos à frente do aparelho de televisão (os gabinetes dirigentes), operando em saltos, entre os canais estruturados de políticas, projetos, intervenções, modelos, refugiando-se no conhecido, no reconhecido, no legitimado, no instituído, em busca de conforto, de certeza, de segurança, de previsibilidade, operando normas, receitas e resultados agires estado. Utiliza-se uma correlação entre o agir do militante com o do pintor/artista, na qual se percebe uma relação com seus projetos muito semelhante a do pintor e sua obra, o que permite abrir uma chave para discutir o campo de atuação da gestão como um território instituído na imprevisibilidade dos efeitos produzidos pelos agires tensionados constantemente por suas intencionalidades por resultados. Dessa forma, ao governar somente podemos recolher dos agires, seus efeitos a posteriori, pois não se consegue prever o que vai acontecer, somente se pode “intencionar”. Portanto, governar é intencionar resultados, mas produzir acontecimentos. O intencionar resultado é claramente atributo de um agir linha, que em sua forma estriada de produzir o espaço, tenta dominá-lo e demarcá-lo, através da produção objetos esquemáticos (dos fatos políticos) e suas respectivas imagens públicas (as marcas de governo), típicos do agir-estado. O produzir acontecimentos, é justamente o inesperado provável, o desconcertante “efeito colateral”, o incontrolável efeito nanquim, que insisti em vazar a política de governo, e manchar flores e jardins os mais variados possíveis, deslocando linhas originalmente planejadas.
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