Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
A EDUCAÇÃO EM SAÚDE E A MIOPIA DOS CARTAZES PADRONIZADOS: EXISTE TRATAMENTO?
Elisângela Luna Cabrera, Natali Portela, Cibele Moura Sales, Fabiana Perez Rodrigues Bergamaschi

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: Em meados de 1920 iniciaram-se no Brasil as primeiras ações de caráter educativo com vistas a minimizar a propagação de doenças. Baseados na premissa de que basta o indivíduo saber quais comportamentos são patológicos para deixar de praticá-los e, logo, substituí-los por outros hábitos considerados saudáveis, o Estado começou a utilizar-se de uma tecnologia educativa a qual faz uso até hoje: o cartaz informativo. Sejam voltadas a população em geral ou a públicos específicos, as campanhas produzidas pelo Ministério da Saúde frequentemente empregam algum recurso imagético aliado a textos escritos em sua propagação. No presente texto apresentamos breves ponderações a respeito desse tipo de estratégia a partir de experiências de trabalho em um serviço de saúde voltado para a população indígena da região sul do Mato Grosso do Sul, somadas as reflexões despertas durante o nosso curso de mestrado profissional de Ensino em Saúde. Trabalhamos entre 2006 e 2009 em um serviço pertencente ao Distrito Sanitário Especial Indígena de Mato Grosso do Sul (DSEI-MS), do Polo Base de Antônio João, que incluía cinco aldeias em três municípios, a saber: Aldeias Campestre e Cerro Marangatu, no município de Antônio João; Aldeia Pirakuá, no município de Bela Vista; e Aldeias Kokue-y e Lima Campo, no município de Ponta Porã. A população abrangida era de aproximadamente 1.200 pessoas, sendo que 94% pertenciam a etnia Guarani-Kaiowá, e o restante distribuídos entre Guaranis e Terenas. A equipe de atendimento era volante, composta por enfermeira, técnico de enfermagem indígena, médica, dentista, técnica de higiene dental e motorista, e em cada aldeia havia Agentes Indígenas de Saúde (AIS). As aldeias Campestre, Lima Campo e Pirakuá possuíam postos de saúde, nas demais o atendimento ocorria em locais adaptados. As atividades realizadas incluíam os acompanhamentos de pré-natal; de crianças desnutridas (medidas antropométricas, uso de vitaminas e tratamento para verminose infantil); vacinação de crianças e gestantes; acompanhamento de hipertensos e diabéticos; acompanhamento de pacientes sintomáticos respiratórios (investigação para tuberculose e tratamento dos confirmados, com a pesquisa dos contatos, visando quimioprofilaxia nos casos possíveis); coleta de preventivo; visitas domiciliares; e ações de educação em saúde. Durante as atuações educativas, a equipe esforçava-se na busca de metodologias que respeitassem a cultura e os valores de cada etnia, procurando abordagens mais adequadas de acordo com o assunto, principalmente os que envolviam questões relacionadas à sexualidade e DST´s. Para isso, contávamos com o importante apoio dos AIS que orientavam nossa conduta nos alertando sobre as características culturais indígenas que eventualmente desconhecíamos, e que poderiam estar envolvidas em uma determinada ação. Nestas atividades, tentávamos utilizar os cartazes enviados pelo Ministério da Saúde, sendo alguns destes especificamente voltados à Saúde Indígena. Consideramos que uma imagem pode ser um método de comunicação eficiente no intuito de internalizar valores e estabelecer comportamentos postulados como saudáveis. Nos cartazes que visam informar a população a respeito de doenças e demais assuntos, é comum encontrarmos uma via pedagógica que transita pelas emoções humanas buscando identificação, variando entre o despertar da empatia até o horror. Todavia, tais materiais frequentemente partem de modelos discursivos hegemônicos, com uma visão homogeneizada de outro, como se os signos e representações utilizados fossem passíveis de um único entendimento. Na nossa experiência de trabalho onde recebíamos cartazes informativos, este outro não era tão somente indígena, mas indígena Guarani-Kaiowá, Guarani, e também Terena. Segundo o Censo de 2010, o primeiro a investigar a população indígena, o Brasil possui 305 etnias que falam 274 idiomas (IBGE, 2011). Cada um desses povos possuem seus próprios valores, hábitos, rituais e representações que hora se assemelham, ora se distinguem. Mesmo convivendo em áreas próximas, o perfil dos grupos que atendíamos era distinto, cabendo a nós, enquanto trabalhadores comprometidos com os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS), adaptar nossas condutas permanentemente, no que hoje entendemos ser um rico processo educativo para as equipes de saúde. Logo percebemos que os cartazes escritos em língua portuguesa não teriam a eficácia almejada, já que boa parcela desses usuários só dominava o idioma guarani. Além disso, os materiais imagéticos que eram desenvolvidos especialmente para este público, expunham uma representação bastante genérica de índio, restringindo as possibilidades de identificação. Somamos a isso o fato de que a maioria dos indígenas era ágrafa, em sua língua materna, o que fez do trabalho de tradução dos cartazes para o guarani pouco efetivo. Tal situação nos remonta ao início da Educação Sanitária no Brasil, quando se começou a distribuição de folhetos explicativos com escritos a respeito de hábitos saudáveis, a uma população predominantemente analfabeta. Assim, as metodologias mais eficientes nas nossas ações de educação em saúde estavam ancoradas em orientações orais com a tradução simultânea para o guarani realizada pelos AIS, e posterior investigação junto ao usuário indígena do entendimento que ele obteve de nossas explanações. Entendemos que a educação em saúde acontece através de combinações de experiências de aprendizagem (CANDEIAS, 1997), com arranjos e ajustes de diferentes metodologias que devem ser elaboradas de acordo com cada cenário, sendo o cartaz uma entre várias ferramentas que podem ser utilizadas em um contexto pedagógico. Contudo, escolhemos este recorte vivenciado em nosso ambiente profissional, relacionado ao uso de cartazes em campanhas, para incitar reflexão sobre o modo com que determinadas estratégias de educação em saúde lidam (ou não) com a alteridade. A equidade é um dos princípios doutrinários do Sistema Único de Saúde - SUS, e, portanto, norteia a formulação de todas as políticas públicas. O sentido de equidade difundido pelo SUS "[...] se refere à capacidade de estabelecer julgamento e tratamento conforme a singularidade de cada situação." (CAMPOS, p.23, 2006). Deste modo, é de se esperar o reconhecimento das diferentes condições de vida e necessidades dos usuários, buscando-se ações específicas à cada grupo, com a finalidade de reduzir as iniquidades em saúde. Seguindo esta lógica, oriunda principalmente do movimento da Reforma Sanitária, foi implementado no Brasil um modelo de atenção à saúde indígena que, no âmbito legal, garante o respeito às diferenças étnico-culturais, contemplando em suas práticas as especificidades advindas dessa diversidade. Porém, um cartaz enviado da gestão federal para o país com vistas a informar o povo brasileiro sobre algo que diz respeito a sua saúde, é um pequeno, porém significativo exemplo de uma certa indiferença e descaso em relação a cosmologia e situação dos povos indígenas. Estes, também brasileiros, suprimidos não apenas nos cartazes, mas em tantas outras dimensões (CIMI, 2013, 2014). Consideramos que a equidade predominante nos materiais imagéticos difere da proposta do SUS, estando próximo a um conceito "[...] genérico e equivalente ao de justiça e igualdade." (CAMPOS, p.23, 2006). Se a homogeneização a qual nos referíamos anteriormente presente nos cartazes costuma desconsiderar diferenças como cor de pele, classe social, escolaridade e demais características, no que se refere às singularidades dos povos indígenas, este processo pareceu-nos evidenciado. No entanto, acreditamos que profissionais de saúde comprometidos, que se entendem ativos no processo de promoção da saúde indígena e não apenas executores acríticos, possuem potencia para minimizar algumas desigualdades e produzir encontros empáticos e dialógicos, que promovam o respeito à individualidade e aprendizados mútuos.

Palavras-chave


educação em saúde; saúde indígena.

Referências


CAMPOS, Gastão Wagner de Sousa. Reflexões temáticas sobre eqüidade e saúde: o caso do SUS. Saúde soc.,  São Paulo,  v.15, n.2, p.23-33, 2006. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/sausoc/v15n2/04.pdf>. Acesso em: 27 set. 2015.

CANDEIAS, Nelly Martins Ferreira. Conceitos de educação e de promoção em saúde: mudanças individuais e mudanças organizacionais. Rev. Saúde Pública [online]. 1997, vol.31, n.2, pp. 209-213. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/rsp/v31n2/2249.pdf>. Acesso em: 27 set. 2015.

CENSO DEMOGRÁFICO 2010. Características Gerais dos Indígenas: Resultados do Universo. Rio de Janeiro: IBGE, 2011.Disponível em:< http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/populacao/censo2010/caracteristicas_gerais_indigenas/default_caracteristicas_gerais_indigenas.shtm>. Acesso em: 28 set. 2015.

 

CONSELHO INDIGENISTA MISSIONÁRIO (CIMI). Relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil – dados de 2013. Brasília - DF: CIMI, 2013. Disponível em:< http://www.cimi.org.br/pub/Relatviolenciadado2013.pdf>. Acesso em: 26 set 2015.

 

______. Relatório Violência contra os povos indígenas no Brasil – dados de 2014. Brasília - DF: CIMI, 2014. Disponível em: < http://www.cimi.org.br/File/Relatorio%20Violencia%20-%20dados%202014.pdf>. Acesso em: 26 set 2015.