Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
Enfatizando a Saúde Bucal no PET-Redes: os dizeres de usuários de álcool e outras drogas
Juliane Seger Falcão, Gabriele Lucas Ferrarezi, Alessandro Diogo De-Carli

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


APRESENTAÇÃO: Este estudo faz parte do Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde- Redes de Atenção (PET-Redes) da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), intitulado “Apoio ao usuário de Álcool, Crack e outras drogas na rede de Atenção Psicossocial”. A motivação para este estudo foi a de que, ao longo das atividades desenvolvidas no Centro de Atenção Psicossocial - Álcool e Drogas (CAPS-AD), os acadêmicos de Odontologia perceberam que os usuários do serviço tinham muitas necessidades odontológicas acumuladas, as quais seriam, paulatinamente, tratadas no Complexo de Clínicas da Faculdade de Odontologia da UFMS. Considerando o processo saúde-doença dessa população e como resultado de problematizações nos trabalhos em grupos, consideramos que, além de ações odontológicas assistenciais, seria necessário compreendermos como estes sujeitos percebem sua própria saúde bucal, para que ocorresse o entendimento mais amplo do porquê de tantas demandas odontológicas nesse grupo, que pode ser considerado de grande vulnerabilidade. A percepção dos sujeitos sobre como procede sua situação de saúde é importante, para que então o mesmo possa a procurar por ações assistenciais e preventivas. O objetivo deste estudo foi de compreender a percepção de usuários de álcool/outras drogas em relação à saúde bucal. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO. Método do estudo: Estudo qualitativo, realizado no CAPS-AD de Campo Grande (MS), de agosto de 2014 a maio de 2015; aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMS (protocolo 545.606). Participaram do estudo todos os 38 voluntários, do sexo masculino e usuários de álcool e outras drogas, que frequentavam o grupo de apoio “Rodas de Conversa”. A amostragem foi definida por exaustão, considerando que o universo dos sujeitos em questão foi ouvido. A coleta de dados foi realizada por meio de entrevista semiestruturada, cujo conteúdo foi transcrito, lido exaustivamente e submetido à Análise de Conteúdo (Bardin, 2007)¹. Resultados encontrados na pesquisa Desta análise, emergiram as seguintes categorias textuais: 1. Cuidado em saúde bucal; 2. Efeitos das drogas sobre a saúde bucal; 3. Acesso ao tratamento odontológico; 4. Consequências para o autocuidado/autoestima; 5. Hábitos populares. Os indivíduos relataram como, ao longo de sua vida, ocorreram os cuidados com a saúde bucal, os quais foram realizados ou não, pelos pais/mãe; alguns declararam que nunca tiveram esse cuidado: “eu nunca tive auxilio de pai e mãe, eles nunca me incentivaram a ter uma higienização bucal, de falar vai escovar os dentes. Então meus dentes mesmo são precários.” (A13P2) “depois que a gente veio pra cidade que vi escova, antes nem sabia o que era escova e pasta de dente.” (A19P2) "aos 11 anos que eu vim pra cidade que conheci dentista pela primeira vez." (A2P1) Alguns mencionaram os efeitos que as substâncias causaram: “a boca  fica seca por causa da droga, quando a gente faz o uso. A gente cospe e parece que sai um monte de “nevinha”, e o dentista disse que a saliva ajuda a proteger os dentes.” (A5P2) “a pipa é aquele da antena que você usa, aquilo lá vai esquentando, e vai queimando a boca, a gente só percebe depois que passa o efeito, mas quando você tá fissurado você queima até o beiço, queima tudo, você ta lá fissurado, queima os dedos, fica escuro, aquilo derrete o dedo e você fica até sem digital...” (A15P2) “eu vou te falar, a pasta base mexe com a cárie, por que inflama e tudo mais, começa doer tudo a gengiva, ardendo, dai onde coloca a prótese dói demais.” (A13P2) "...cocaína não tira apenas o esmalte, mas a sensibilidade, gosto, você não sente gosto de nada.” (A6P2) “sua boca fica com mau cheiro, e o seu parceiro que fica junto, já vai saber que você tá com problema de droga, tá na boca o gosto da droga.” (A2P2) “as vezes cozinhava a boca da gente, não conseguia comer, o álcool cozinha a boca da gente, fica sensível, o dente ficava mole, mordia e quebrava o dente, o álcool destruía o dente, ele ficava bem molinho, parecia dente de leite, cozinhava a boca da gente...a gente é bem relaxado mesmo.” (A8P1) O acesso ao serviço odontológico foi uma das dificuldades relatadas: "faltam postos que façam o atendimento, às vezes você precisa por uma dentadura e você faz o tratamento e tem que esperar 1 ano, e tem uma fila quilométrica, por isso as pessoas quase não procuram, caso não tenha paciência ela abandona." (A1P1) “Eu nem procuro, isso gasta dinheiro, demora demais, para arrancar um dente eles demoraram, eu arranco um dente no mesmo dia.” (A16P2) Em relação à própria aparência, muitos deles, quando sob efeito do uso de drogas/álcool não se importavam com sua apresentação e sorriso: “quando você tá fazendo uso de álcool, você nem se preocupa com a sua aparência, às vezes nem lembra de ter que escovar os dentes, você dorme tarde e nem vê, daí vai estragando cada vez mais.” (A11P1) "eu tinha vergonha de sorrir com esse monte de dente faltando" (A1P7) Para superar as dificuldades relacionadas ao acesso ao serviço de saúde bucal, os entrevistados citaram a utilização de hábitos populares: "Can-tan-tan é uma folha de um mato que tem espinho, quando você toca nela ela da uma coceira que é um veneno... faz com que o dente pare de doer, porque ele mata a raiz do dente, só que ele faz com que o dente quebre todinho, quebra o dente todo em volta, arrebentou o dente todo em volta, e ficou só a tampa." (A1P4) “a maneira de escovar é que eles usam um tal de chuá, o creme dental lá da região onde eu nasci é isso, eles raspam essa planta, e pega e passa no dente e aquilo que é a pasta de dente.” (A1P5) “eu coloquei solução de bateria nos meus dentes, eu estava numa fazenda trabalhando, tava difícil o acesso à cidade, eu não tava aguentando de dor, coloquei solução de bateria naquele dente que tava doendo, passou a dor, matou a raiz, mas passou um tempo ele começou a quebrar, quebrou o vizinho de um lado, do outro.” (A18P1) CONSIDERAÇÕES FINAIS: Concluiu-se que, para os sujeitos em questão, a saúde bucal ainda é algo distante tendo em vista que muitas são as dificuldades encontradas pelos entrevistados, principalmente no que se refere ao acesso ao serviço odontológico e aos efeitos produzidos pelo consumo de substâncias lícitas/ilícitas. Nessa perspectiva, há que se considerar ainda mais os reflexos dos determinantes sociais em saúde, os quais podem estar relacionados ao acúmulo de necessidades de tratamento odontológico, o que implica maior vulnerabilidade a grupos populacionais específicos.

Palavras-chave


saúde bucal; atenção psicossocial; drogas

Referências


¹Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 1977.