Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Artur Bispo do Rosário: caminhos entre a loucura e a arte sob o olhar da terapia ocupacional
Eliane Santos Silva Nascimento, patrícia Cristina dos Santos, Lilian Kauany Virginia Santos, Rogerio Andrade dos Santos

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


Arthur Bispo do Rosário era natural de Japaratuba Sergipe, sendo este o seu nome de batismo, filho de Adriano Bispo do Rosário e Bladina Francisca de Jesus. Nasceu em 14 de maio de 1909, segundo registros da Marinha de Guerra do Brasil, onde serviu de 1905 a 1933. O passado de Arthur Bispo do Rosário é praticamente desconhecido, sabe-se apenas que era negro marinheiro, pugilista, lavador de ônibus e guarda-costas. O início do seu período de internação se deu a partir de um surto psicótico onde o mesmo relatou ter visto Cristo descendo à terra, rodeado por uma corte de anjos azuis, afirmando ter recebido a missão de recriar o universo para apresentar a Deus no dia do juízo final. Foi ícone para o movimento da luta antimanicomial que consistiu em quebrar a lógica seguida por um modelo biomédico que visava apenas à doença, classificando-o em seres normais e patológicos, onde historicamente os critérios técnico-científicos que davam a base da gestão da loucura estabeleceram uma relação social com o louco que o privava de assumir o contato social que todo cidadão está submetido, estabelecendo uma relação de tutela, que impossibilitava o sujeito de direitos e deveres. Dessa forma, uma parte significativa de sua vida passou internado no manicômio Juliano Moreira, onde foi diagnosticado com esquizofrenia paranoide, e lá viveu durante 49 anos, destes, ficou 7 anos fechado em seu quarto, quando iniciou a produção do estandarte com as linhas que retirava do seu uniforme azul. Neste espaço, Bispo tornou-se mundialmente conhecido por suas produções artísticas, sendo que toda sua arte centrava-se em torno de sua realidade, cumprindo ordens das vozes para reconstruir o mundo em preparação ao juízo final. Diante do exposto, este trabalho objetiva tecer uma reflexão, sob a ótica da Terapia Ocupacional, da relação entre Bispo do Rosário, a loucura e a produção de vida pela arte.  O presente estudo, consistiu em revisão da literatura sobre a história de Artur Bispo do Rosário juntamente à referenciais teóricos em terapia ocupacional. Esta reflexão é parte integrante de um trabalho final apresentado em uma disciplina do III Ciclo do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Sergipe (UFS). Suas obras ganharam destaques internacionais entre elas: O Manto Azul que foi construído sem tempo pré-determinado com fios desfiados do uniforme manicomial para ser usado por ele, “Jesus”, durante o julgamento final, com cor igual ao manto do menino Jesus na Igreja Matriz de sua cidade natal, Japaratuba - SE, cor que servia também de senha para visitantes serem autorizados a entrar em seu quarto, ter direito a salvação, e ter seu nome bordado na lista dos salvos na parte interna do Manto, enquanto que na parte externa ele bordava a representação de todas as obras de arte produzidas, como um inventário do mundo reconstruído. O Estandarte foi feito como os estandartes que são erguidos nas procissões de sua cidade natal, porém com retalhos de tecidos de cama e de sua história, possuindo áreas temáticas: área com a história geral do mundo que ele  viu nos jornais que lia; área dos esportes que já praticou, inclusive pugilismo; e área da geografia dos lugares que passou, possivelmente quando marinheiro. A Arca de Noé é uma representação pessoal do mundo catalogado para seu projeto de mundo novo, uma vez que a maioria das suas centenas de obras eram miniaturas de tudo que existe no mundo atual para ser guardada como matrizes para a  reconstrução do novo mundo após o julgamento final. Diante de tudo, era com as suas obras que ele se sentia vivo, sempre evitando falar do passado, retratando apenas sua missão enquanto presente e futuro no mundo. Desconstruía para se construir, a lógica de organizar os objetos em uma sequência que não era linear, mas não deixava de ser sequência, porque o que para ele era importante, era a forma que se identificava, se construindo e não perdendo sua essência, o que para muitos era apenas um aglomerado de sucatas, para ele o belo de sua arte ia além da aparência, mas sim o que realmente era significativo para o mesmo. E o que deixa bem claro quanto a isso é o manto feito com fio de linhas azuis onde o mesmo precisava desconstruir o uniforme da instituição, mas cada cor, que ele utilizou naquele manto, os nomes bordados, tudo tinha uma relação com a espiritualidade, Bispo dizia que esse manto seria utilizado no dia do juízo final e por isso expressava bastante significado, já que era para um dia muito importante. Contudo, entendemos que este trabalho nos trouxe uma reflexão quanto as perspectivas da Terapia Ocupacional, enquanto uma profissão que trabalha com as atividades, o fazer humano, e tecendo uma reflexão da produção de vida e existência de Bispo através de seu fazer, carregando de sentido e significado sua loucura materializada em sua arte, revelando a estratégia de vida dentro da clausura. A linguagem da arte e do fazer ultrapassa a linguagem da ciência e da biomedicina, deixando a história e o legado de um artista, ou de um “louco’, como resistência à este espaço, na tentativa de recriá-lo, ou como adequação a este espaço para existir e o que nos reflete a isso é  o processo histórico da Terapia Ocupacional que se desenvolveu referenciando-se com o fazer humano envolvendo-se e constatando que “a vida humana constitui-se em uma de suas dimensões num continuo incessante de atividades” assim afirmando que o ser humano está, intensamente envolvido com a produção de vida, de modos de estar no mundo e com a própria fabricação de mundo, que é também processos de produção de subjetividades. Assim era a forma que Arthur Bispo encontrava de se comunicar com o mundo ao seu redor, expressando o seu interior. Alguns autores fazem reflexões baseando-se na filosofia onde retratam uma transformação na compreensão de atividades na Terapia Ocupacional como algo da ordem do sujeito e do coletivo, perpassando por fluxos de sentidos culturais, étnicos, econômicos, anímicos, de gênero societais, histórico, no sentido de o que existe é atividades dos sujeitos encarnados no mundo da ordem de um exercício de um poder produtivo, e não apenas de uma dominação e repressivo.              

Palavras-chave


Arthur Bispo do Rosário; Terapia Ocupacional e grupo de atividade; Luta Antimanicomial.

Referências


CLAUS, Marta. Arthur Bispo do Rosario: A Criação Artística Como Reorganização de Mundo. “Existência e Arte” - Revista Eletrônica do Grupo PET - Ciências Humanas, Estética e Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei - Ano II - Número II – janeiro a dezembro de 2006. Disponível em:<http://gabi.ufsj.edu.br/Pagina/existenciaearte/Arquivos/Marta_Claus_Arthur_Bispo_do_Rosario_A_criacao_artistica_como_reorganiza.pdf>. Acesso em 16 novembro. 2014.

GOFFMAN, Erving Manicómios, Prisões e Conventos, Brasil, Editora Perspectivas S.A. 2003 p. 1-11-142.

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X Congresso Brasileiro de Terapia Ocupacional: contextos territórios e diversidades, 2007, Goiânia/GO; Do ocupar a criação de territórios existências, Edt. Foxit Reard, 2005-2006.