Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Cineclube: o estranhamento do olhar na formação do técnico em Educação Profissional em Saúde
Gregorio Galvão de Albuquerque

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


O presente trabalho tem como objetivo discutir a experiência do cineclube dentro da formação do técnico em Educação Profissional em Saúde da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/FIOCRUZ). Historicamente o movimento cineclubista surge na década de 70 e seu debate concentrava em questões sociais, políticos e culturais, pois buscava opor as censuras e perseguições do momento histórico. Com a redemocratização, o movimento ganha outros objetivos dentro do novo contexto histórico. O cineclube configura-se como um espaço plural de debate que respondem as inquietações, as percepções e também a troca da experiência fílmica entre os espectadores. Sua dinâmica inclui além da proposta e da exibição de filmes, um debate realizado posteriormente a exibição do filme. O cineclube que compõe a formação do técnico em Educação Profissional em Saúde da EPSJV é chamado Cinenuted, ocorre em média uma vez por mês e compõe o currículo da formação do técnico em Gerência em Saúde e Análises Clinicas. O Cinenuted foi criado em 2009, pelo Núcleo de Tecnologias Educacionais em Saúde (NUTED) como proposta do conteúdo da disciplina de audiovisual, também criada no mesmo ano. Essa disciplina faz parte da Educação Artística (Audiovisual, Teatro, Artes plásticas e visuais e Música) da formação de nível médio integrado à Educação Profissional, compondo o currículo integral da escola. De 2009 até 2011 foram realizadas doze exibições de filmes, aos sábados, e o seu público alvo era, principalmente, a primeira série do curso técnico, como parte da disciplina de audiovisual. O currículo da disciplina consistia no seu primeiro ano as sessões do cineclube; o segundo ano era realizado uma discussão teórica sobre o papel da imagem contemporânea, apresentação da história do cinema e da fotografia, as vanguardas cinematográficas, além de exercícios práticos; no terceiro ano, os alunos realizam a produção de um curta. Em 2012, o Cinenuted assume um outro lugar no currículo e passa a compor o componente curricular chamado de Atividades Diversas, realizada nas quintas-feiras e o público alvo passa a ser todo o corpo docente e discente da escola. Esse componente pedagógico é um espaço para a construção de uma parte diversificada do currículo, podendo consistir em oficinas, mini cursos, visitas guiadas, exibição de filmes entre outras ações pedagógicas. As sessões são realizadas em média uma vez por mês e tem em sua lista filmes como “A noite americana” (Truffaut, 1973), “Laranja Mecânica” (Stanley Kubrick, 1971), “Janela Indiscreta” (Hitchcock, 1954), “Pequena Miss Sunshine" (Jonathan Dayton e Valerie Faris, 2006), completando em 2015 a sua 40ª sessão. A disciplina audiovisual na primeira série passa a ter um conteúdo que dialoga com os filmes do cineclube e como eixo principal a discussão do “imaginário e sociedade” que aborda questões da imagem, do cinema e novas mídias e do cinema mundo. O Cinenuted se propõe também como um espaço de debate e de ampliação do repertório cultural dos alunos, sem, no entanto, negar a bagagem audiovisual trazida por eles para a escola. Nesse sentido, o debate é realizado a partir das próprias impressões e estranhamentos dos alunos em relação ao filme. Os professores debatedores não levam discursos e apontamentos prontos dos filmes para o debate, a discussão surge a partir da própria experiência fílmica dos alunos. Um exemplo dessa bagagem cultural dos alunos foi após a exibição do filme “Melancolia” (Lars Von Trier, 2011) que termina com o fim do mundo, para além do literal, a partir do impacto de um meteoro contra a Terra, um aluno levanta indignado e fala: “Esse filme é uma mentira, se tivesse um meteoro vindo em direção a Terra, a NASA iria nos salvar! ”. A partir dessa afirmação todo o debate do conteúdo, da temática da imagem na contemporaneidade, da forma e da linguagem do filme foi estabelecida e dialogada com os outros alunos, alguns afirmando que o fim do mundo era mais psicológico do que físico. O interessante é perceber o estranhamento dos alunos em alguns filmes e uma maior identificação com outros. O filme como “Cidadão Kane” (Orson Welles, 1941) que tem como característica suas inovações técnicas narrativas e de enquadramentos cinematográficos é recebido, em um primeiro momento, como um filme “velho” por ser preto e branco, mas com o debate essa percepção é mudada. Estranhamentos também como “vocês nunca colocam filmes com final”, fala do aluno após ver “Corra Lola, Corra” (Tom Tykwer, 1998). Filmes com temáticas mais jovens possuem maior identificação com os alunos como foi a exibição de “Juno” (Jason Reitman, 2007). O debate iniciou a partir da temática da gravidez na adolescência, mas dialogada e compartilhada, o debate caminhou paralelamente na discussão da forma como o filme traz esse conteúdo através do roteiro e da linguagem. Os estranhamentos dos alunos e frases como “não gostei” enriquecem ainda mais o debate no cineclube. O não gostar faz parte da relação do espectador com o filme, o que não é desejável é a relação de indiferença sobre o filme porque assim o momento de ser afetado pelo filme não se estabelece nem a partir do estranhamento nem pela identificação. Na exibição do filme “O Ano em que Meus Pais Saíram de Férias” (Cao Hamburger, 2006), um aluno relata que foi o primeiro filme que ele viu no Cinenuted que tinha “começo, meio e fim” e continua “todos os outros não tinham, como o Corra Lola, corra”. O que é importante marcar é que a exibição desse filme remete a sessões do cineclube de mais de um ano de diferença para o filme da sessão daquele momento, ou seja, aquele filme que no primeiro momento foi um “não gostei” porém ficou na sua inquietude por bastante tempo, o que permitiu que o aluno estabelecesse relações entre os filmes. A realização de cineclubes em todo o percurso de formação do técnico em Educação Profissional em Saúde tem como objetivo a criação de um estranhamento nos alunos através de exibições de filmes que possuem uma linguagem cinematográfica diferenciada dos blockbusters, possibilitando a desconstrução de um olhar naturalizado sobre o cinema comercial, bem como uma aproximação do conteúdo da experiência social que é o cinema.  Dessa forma, a atividade cineclubista se coloca como uma ferramenta da educação para aproximar e transformar olhares, estimulando a produção coletiva de conhecimento em contraponto ao ensino vertical, em que o aluno está posto como mero receptor passivo das informações apresentadas.

Palavras-chave


cineclube, cinema, educação profissional em saúde