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A pesquisa na Zona Rural: impacto na Formação em saúde
Última alteração: 2015-10-27
Resumo
APRESENTAÇÃO: As comunidades rurais encontram-se, em maioria, imersas em condições de vulnerabilidade envolvendo má distribuição de terras, dificuldade de acesso a serviços educacionais e de saúde, ineficiência econômica, isolamento, transporte inadequado e pouco incentivo ao lazer e a cultura. No que concerne às populações quilombolas de zona rural, somam-se a esses fatores, o processo histórico de resistência à discriminação, opressão e racismo. A adolescência é caracterizada como uma importante etapa do desenvolvimento humano, abarcando transformações de cunho biológico, físico, cognitivo e cultural. Essas transformações associadas a determinantes sociais e políticos podem afetar direta ou indiretamente o processo saúde-doença dos adolescentes. O projeto ADOLESCER, Saúde do adolescente da zona rural e seus condicionantes, surge na perspectiva de investigar os determinantes sociais, as condições de saúde, o acesso e utilização dos serviços de saúde dos adolescentes atendidos pela Estratégia de Saúde da Família do Pradoso, zona rural de Vitória da Conquista, BA. O projeto engloba dois componentes sendo um de natureza quantitativa e outro de natureza qualitativa. Ressalta-se que a proposta desse projeto ocorreu mediante inserções anteriores de discentes e docentes nas comunidades estudadas. Este ensaio descreve as principais facetas da experiência dos pesquisadores do projeto Adolescer, e a importância do mesmo na formação em saúde dos atores envolvidos. Método de Estudo O atual trabalho procurou compreender a experiência dos pesquisadores na realização do componente quantitativo do Adolescer, sendo este um estudo transversal, de abordagem domiciliar, realizado em 21 comunidades rurais, dentre elas 9 comunidades quilombolas. Realizou-se inicialmente mapeamento territorial e sensibilização com apoio dos Agentes Comunitários de Saúde. A coleta de dados foi realizada entre os meses de fevereiro e maio de 2015, através de visitas domiciliares. O grupo de pesquisa Adolescer é composto por estudantes dos cursos de enfermagem, farmácia, medicina, nutrição e psicologia; profissionais do serviço, sob orientação de uma coordenadora geral, professora da universidade. Este ensaio compartilha a experiência de três pesquisadores que participaram ativamente de todas etapas do trabalho de campo da pesquisa. Impacto da Experiência Adentrando na zona rural As comunidades estudadas possuem diferentes condições de acesso, o que proporcionou aos pesquisadores vivenciar algumas das dificuldades enfrentadas pelas populações residentes. As condições de acesso englobam estradas em más condições, domicílios sem acesso por veículos, vias íngremes e lamaçais em períodos chuvosos impedindo e/ou dificultando a mobilidade da população. Ao adentrar à comunidade, os pesquisadores se depararam com realidades diversas envolvendo situações de vulnerabilidade, comunidades com características de favelas, condições precárias de moradia, dificuldades socioeconômicas e de convivência com a seca. Observou-se, contudo, ações de políticas públicas que interferiram positivamente na vida da comunidade, á exemplo do programa de transferência condicional de renda e programa de habitação rural, evidenciando a importância da interferência do estado na transformação de determinadas realidades sociais. O contato do pesquisador com realidades diferentes, abarcando questões culturais, geográficas, financeiras, de escolaridade, permitiu ao mesmo a oportunidade de ultrapassar as cercanias universitárias, com reflexões críticas acerca do seu processo de formação. Trabalho com adolescentes A estratégia de abordagem domiciliar ocasionou na desconstrução de alguns paradigmas padronizados nos processos de pesquisa com adolescentes, hegemonicamente realizados no âmbito escolar. Essa estratégia foi escolhida com o objetivo de abarcar adolescentes fora da escola. Desta forma, tornou-se necessária a reinvenção de técnicas de abordagem e de convencimento para consentimento e assentimento de participação na pesquisa. A faixa etária dos pesquisadores, em sua maioria jovens adultos, e a distribuição de entrevistadores por sexo, facilitaram o desenvolvimento das atividades com os adolescentes. A opção por trabalhar com a faixa etária orientada pela a OMS (indivíduos entre 10 e 19 anos), foi mais um dos desafios, haja vista a faixa ampla com questionário único, levou os pesquisadores a um maior exercício de adaptação do processo de entrevista, a fim de garantir a manutenção da padronização, assim como da compreensão por parte do entrevistado. Multidisciplinaridade da equipe: A composição da equipe com estudantes e docentes de diversos cursos de graduação em saúde e profissionais do serviço, promoveu maiores discussões intra e extra campo sobre o tema de estudo e do próprio processo de pesquisa em sua integralidade. Os desafios e intercorrências compartilhados durante a pesquisa de campo obtiveram maior resolutividade devido à orientação por diversas correntes teóricas, exemplificando a importância do trabalho multidisciplinar. Estudantes como supervisores de campo Foram atribuídas algumas funções de liderança envolvendo supervisão e organização da pesquisa de campo a alguns estudantes, proporcionando aos mesmos a iniciação ao processo de pesquisa em suas várias etapas, desde o planejamento e execução até a produção do conhecimento, experimentando as dificuldades e facilidades inerentes a todo processo de pesquisa, a saber, complexo em sua grandeza. O trabalho em dias e horários não convencionais exigiram um maior comprometimento com a pesquisa. Fez-se necessário o trabalho de campo aos sábados e domingos ou horários de almoço, devido as peculiaridades envolvendo acesso aos adolescentes, a exemplo dos que trabalhavam, estudavam ou realizavam atividades nos dias e horários úteis. A pesquisa como processo formativo: O processo de pesquisa, para além do contínuo desvendamento da realidade, ofereceu aos participantes a oportunidade de formação crítica. O adentrar em realidades vulneráveis contribuiu para formar pesquisadores mais comprometidos com a realidade social e com o compromisso de transformação da mesma. A pesquisa com adolescentes de zona rural proporcionou uma nova visão do ‘fazer’ saúde, estendendo esse fazer a questões mais amplas como: direito à moradia, condições de locomoção, direito à terra, lazer, educação, serviços de saúde, direito humano à alimentação adequada, questões essenciais ao sujeito em desenvolvimento. O contato com as populações em seu território demonstrou aos estudantes a importância da relação do indivíduo com seu meio, seu contexto de vida. Nas comunidades tradicionais, como as comunidades quilombolas, isso é ainda mais perceptivo. A história de resistência e de negação de direitos interfere na vida atual de seus moradores, tendo estes condições de vida desiguais em relação a moradores de comunidades não quilombolas da mesma área de abrangência, algo até então desacreditado por muitos dos pesquisadores e profissionais do serviço. CONSIDERAÇÕES FINAIS: As questões evidenciadas nesse relato ressaltam a importância da pesquisa na formação universitária. O processo de pesquisa vivenciado por estes pesquisadores ofereceu uma visão acurada, não apenas dos procedimentos metodológicos da pesquisa, mas também do contexto no qual ela foi realizada, assim como da proposição de futuras intervenções. Ressalta-se que a formação universitária se baseia em um tripé indissociável: ensino, pesquisa e extensão. A pesquisa Adolescer, que nasceu de uma extensão anterior, pode servir como apoio a futuras intervenções e/ou novas propostas de pesquisa e extensão, elucidando o processo cíclico e interconectado da produção do conhecimento.
Palavras-chave
saúde do adolescente; saúde da população do campo; formação em saúde