Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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ATENÇÃO PRIMÁRIA EM SAÚDE E APOIO MATRICIAL: os desafios da interdisciplinaridade para a atenção integral à saúde
Maria Luiza Marques Cardoso, Áquila Bruno Miranda, Mariana Soares de Freitas

Última alteração: 2015-11-27

Resumo


Compreender a complexidade do cuidado em saúde das diversas populações inseridas no território brasileiro tem permitido o desenvolvimento de estudos e práticas voltadas para os determinantes que influenciam o processo saúde-doença. Torna-se necessário romper com o modelo médico-hegemônico e buscar dispositivos de intervenção que também considerem os fatores econômicos, políticos, históricos e socioculturais. Os serviços de Atenção Primária à Saúde (APS) apresentam-se como uma importante estratégia para garantir e fortalecer práticas democráticas, participativas e que possibilitem a autonomia dos sujeitos acompanhados pelos serviços de saúde (BRASIL, 2012). A Política Nacional de Atenção Primária à Saúde, aprovada em 2011, aponta a UAPS (Unidade de Atenção Primária à Saúde) como a principal porta de entrada da Rede de Atenção à Saúde (RAS) e como responsável pela coordenação do cuidado. Essa política traz também a Estratégia Saúde da Família (ESF) como forma prioritária para sua expansão, qualificação e consolidação. Com vistas a ampliar a resolutividade nas questões envolvidas na saúde de pessoas e coletividades, a Política Nacional de Atenção Primária à Saúde propõe o uso de tecnologias de cuidado complexas e ações pautadas no trabalho em equipe e no território em que vivem as populações (BRASIL, 2012). Para a consolidação e aprimoramento da APS, o Ministério da Saúde aponta a equipe multiprofissional como importante ferramenta de promoção e redirecionamento das práticas em saúde. Nesse contexto, a prática do matriciamento entre as equipes de saúde da família e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) apresenta-se como um dispositivo para a construção e o fortalecimento de práticas de cuidado orientadas pelo modelo interdisciplinar. Os conceitos de apoio matricial e equipe de referência são resultados de uma proposta que apresenta uma nova metodologia para gestão do trabalho em saúde, com vistas a promover apoio especializado e suporte técnico-pedagógico às equipes de referência (CAMPOS, 1999, 2007).  Esse novo arranjo é sustentado pela perspectiva da clínica ampliada e pela valorização da equipe interdisciplinar nos diversos campos de atenção à saúde. Conforme Cunha e Campos (2011), as primeiras experiências de apoio matricial ocorreram no ano de 1989, em dois dispositivos de saúde mental, localizados na cidade de Campinas/SP.  Neles o processo de trabalho era estruturado nos moldes tradicionais de atenção à saúde, no quais predominava a prática clínica individual e sem interlocução com o território. Além disso, a fragilidade do diálogo entre os serviços de saúde mental e as unidades de atenção primária reforçava, através dos encaminhamentos de referência e contrarreferência, a lógica do cuidado fragmentado e uni profissional. A partir daí, surgiu a necessidade de expandir e descentralizar as ações dos serviços de saúde, por meio da criação de equipes multiprofissionais que prestavam apoio aos profissionais da atenção primária. O arranjo proposto por Gastão (1999) visa à organização dos serviços de saúde tendo como pontos de referência: um modelo de atenção mais singularizado, o potencial do vínculo terapêutico entre trabalhador-usuário, a corresponsabilização do cuidado em saúde. Também, busca garantir que o profissional de saúde realize um acompanhamento longitudinal do processo saúde/enfermidade/intervenção. Desse modo, o autor apresenta uma matriz organizacional para o sistema matricial estruturada em dois eixos: o vertical onde se encontram as equipes de referência; e o horizontal, no qual os apoiadores matriciais ofertam diferentes tipos de ações que podem ser realizadas com uma concordância trilateral: da equipe de referência, do apoiador matricial e do usuário. A equipe de referência é entendida como aquela responsável pela condução do caso, seja ele individual, familiar ou comunitário. Ela é estruturada a partir de um conjunto de profissionais, de áreas distintas, que são fundamentais para a construção do Projeto Terapêutico Singular (PTS). É sua responsabilidade garantir o acompanhamento longitudinal e a construção de vínculo entre profissional e usuário. O apoiador matricial é um especialista ou uma equipe de especialistas que tem como função potencializar a atuação da equipe de referência, no que diz respeito à resolução de problemáticas de saúde. Para tanto, Campos e Domitti (2007) apontam três modos de integração entre apoiador matricial e equipe de referência: o atendimento compartilhado; o agendamento de atendimentos ou intervenções especializadas; os matriciadores podem estruturar espaços de formação e/ou troca de conhecimento, tendo em vista a reorientação das condutas adotadas. Contudo, a realidade dos serviços revela um cenário diferente das propostas acima. Diante do exposto, este trabalho visa apresentar uma pesquisa cuja questão-eixo pode ser assim colocada: Quais são os limites e desafios do processo de matriciamento na Atenção Primária à Saúde? A demanda pela pesquisa deu-se pela necessidade de conhecer e analisar os obstáculos organizacionais que levam à produção e reprodução de práticas alicerçadas em modelos rígidos, fragmentados e uni profissionais. De fato, apesar das tentativas das Políticas Públicas, há importantes desafios que permeiam o processo de implantação do matriciamento dentro do modelo de saúde pautado na atenção integral e universal. Conforme Campos (2009) para se discutir o impacto do sistema matricial nos serviços de saúde é antes necessário refletir sobre as lógicas estruturais e ideológicas que sustentam as práticas tradicionais presentes nestes dispositivos. Sabe-se que os contextos institucionais são estruturados através de arranjos organizacionais que possuem múltiplas determinações, tais como: a cultura, a subjetividade dos atores envolvidos, a economia, a política e a história do território de atuação.  Portanto, a construção e a inserção de novos modelos devem ser pensadas a partir de uma análise criteriosa das relações de poder e elementos socioculturais que sustentam as práticas tradicionais de atenção à saúde. Nesse sentido, nota-se que os serviços de saúde têm sido organizados a partir de relações e práticas hierarquizadas, fragmentadas e solitárias. Nesse contexto, cabe aos psicólogos “solucionar” os casos de saúde mental, aos fisioterapeutas intervir nos casos de dor crônica e reabilitação física, aos dentistas cuidarem dos dentes já cariados, aos assistentes sociais atender às inúmeras problemáticas socioeconômica da população, enquanto os enfermeiros e médicos devem cuidar das infinitas demandas espontâneas, doenças crônicas, dentre outros. Diante dessa realidade, o matriciamento pode ser uma alternativa para promover o encontro entre duas ou mais equipes com vistas à construção compartilhada e interdisciplinar do Projeto Terapêutico Singular (PTS). Todavia, diversos estudos têm demonstrado a dificuldade de promover o fortalecimento do apoio matricial no cenário das UAPS. Campos (1999) afirma que a busca pela construção compartilhada coloca-se como um desafio a ser pensado no cotidiano das organizações. Nesse sentido, este trabalho visa apresentar uma pesquisa em desenvolvimento sobre o cotidiano de matriciamento em duas Unidade de Atenção Primária à Saúde localizadas no município de Betim-MG. Para a pesquisa, optou-se por um enfoque qualitativo conforme definido por Minayo (2010). Para identificar os limites e desafios do processo de matriciamento, optou-se pelo Grupo Focal, visto que ele faz emergir as diversas concepções e crenças relacionadas ao tema pesquisado, permite compreender os significados das experiências dos sujeitos em estudo, além de possibilitar uma análise acerca dos elementos sociais, culturais e históricos que perpassam a realidade investigada pela pesquisa (ALBANESI, 2012). O estudo buscou contemplar diferentes profissionais que realizam a metodologia do apoio matricial nas UAPS estudadas. A pesquisa, em desenvolvimento, tem com término previsto em janeiro de 2016. Com ela, espera-se contribuir para o aperfeiçoamento da prática do Apoio Matricial, com vistas a extrapolar as barreiras das especialidades e promover um campo transversal orientado pelo diálogo e a ampliação do conceito de saúde-doença.

Palavras-chave


Estratégia Saúde da Família, Atenção Primária à Saúde, Matriciamento em saúde, Trabalho Interdisciplinar em Saúde

Referências


ALBANESI, C. (2012). I Focus Groups. (2a ed). Roma: Crocci editore.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.       Política Nacional de Atenção Básica.  Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica.  Brasília, 2012.

CAMPOS, G. W. de S. (1999). Equipes de referência e apoio especializado matricial: um ensaio sobre a reorganização do trabalho em saúde. Ciência e Saúde Coletiva, 4(2), p. 393-403.

CAMPOS, G.W.S.; DOMITTI, A.C. (2007). Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad. Saude Publica, 23(2), p.399-407.

CAMPOS, G.W.S.; CUNHA, G.T. (2011). Apoio matricial e atenção primária em saúde. Saúde Soc, 20(4), p.961-70.

CUNHA,  G.T.; CAMPOS, G.W.S. (2011). Apoio Matricial e Atenção Primária em Saúde. Saúde Soc, 20(4), p.961-970.

MINAYO, M.C.S. (2010). O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec.