Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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DESAFIOS E POTENCIALIDADES DA POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA PARA O ACESSO À ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAÚDE
SCHEILA MAI, ANDRE LUIZ SILVA, FRANCISCO ARSELI KERN, FÁBIO HERRMANN, MAIARA BORDIGNON, JESICA MAI, RAFAEL ROSSETTO, BERNADETTE KREUTZ ERDTMANN

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


Introdução: Quem são eles que estão pelas ruas, pelas calçadas, pelos logradouros públicos, que vivem excluídos e discriminados, que estão expostos às intempéries, são agredidos, espancados e por vezes exterminados? São eles, População em Situação de Rua (PSR). Segundo a Política Nacional para Inclusão Social da População em Situação de Rua, essas pessoas são definidas como: “grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos, áreas degradadas e, ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para pernoitar” (BRASIL, 2008, p. 08). Apesar do crescimento econômico do Brasil, infelizmente, ainda há um grande contingente populacional de Pessoas em Situação de Rua. Uma pesquisa nacional, realizada no ano de 2008, que incluiu o Distrito Federal, as capitais dos estados brasileiros e cidades com mais de 300 mil habitantes, estimou um quantitativo de 50.000 pessoas vivendo nas ruas (BRASIL, 2008b). Contudo, é válido salientar que, não existem dados concretos, uma vez que não se têm pesquisas com abrangência nacional que retratem as características da referida população. Por conseguinte, os dados acima mencionados não revelam a realidade, apenas uma estimativa, visto que as Pessoas em Situação de Rua também já fazem parte da realidade de municípios de médio e pequeno porte, os quais foram excluídos da pesquisa. Segundo a Conferência Nacional de Saúde de 1986 o direito à saúde significa garantia, pelo Estado, de condições dignas de vida e de acesso universal e igualitário às ações de saúde, em todos os níveis, levando ao desenvolvimento pleno do ser humano em sua individualidade (BRASIL, 1986). O Sistema Único de Saúde garante legalmente o acesso igualitário, integral e com equidade aos serviços de saúde, mas em termos práticos não se vê a extensão desses direitos à população de rua (ARISTIDES & LIMA, 2009). A atenção à saúde dessa população perpassa por inúmeras dificuldades, indicando um rol de ineficiência dos serviços de saúde e um distanciamento dessa população frente às ações de saúde. Nesse contexto, o objetivo foi compreender a inter-relação das pessoas em situação de rua com os serviços de saúde, para desvelar as potencialidades e fragilidades dos serviços no atendimento a esta população. Método: trata-se de um recorte de um estudo qualitativo, exploratório e descritivo, o qual foi desenvolvido a partir de entrevistas individuais semiestruturadas, com 14 pessoas em situação de rua, e observação participante com 20 pessoas, contemplando os entrevistados e mais seis pessoas. Este estudo respeitou a Resolução/CNS 466/12 e foi aprovado por Comitê de Ética em Pesquisa. Resultados e discussão: quando esta população possui algum problema de saúde, 64,28% dos entrevistados mencionaram recorrer aos profissionais de saúde, 21,42% aos amigos e em última instância 14,28% à família, para que auxiliem no acesso ao serviço de saúde. A busca pelos profissionais de saúde se mostra como uma estratégia de resolução do problema (ARISTIDES & LIMA, 2009). Na busca por solução aos seus problemas, os serviços hospitalares são os mais acessados por essa população, em sua maioria nas situações de urgência e emergência. Confirma-se com uma pesquisa nacional que revelou que, quando estão doentes, 43,8% procuravam em primeiro lugar o hospital/emergência e em segundo lugar 27,4% o posto de saúde (BRASIL, 2008). Cabe salientar que embora a unidade de saúde não seja a mais procurada, ela não deixa de ser uma referência à prestação de serviços em saúde para essa população. A responsabilidade pela atenção à saúde da população de rua foi assumida pela Atenção Básica (AB) a partir do ano de 2012, com a publicação da nova Política Nacional da Atenção Básica, a qual menciona que a atenção à saúde da população de rua é de responsabilidade de todo e qualquer profissional do Sistema Único de Saúde, com destaque especial para a AB (BRASIL, 2012). No entanto, considerando que a população de rua não pertence a nenhuma área geográfica delimitada, acredita-se que essa população pode ficar a mercê das ações de prevenção de doenças, promoção e reabilitação da saúde. Quando a PSR busca pela assistência na AB, 90% dos relatos indicam que as estratégias de resolutividade se voltam para o “livrar-se” do “problema” por meio do encaminhamento do indivíduo a outros serviços de rede de saúde, a exemplo do CAPS e hospital. MORIN (2002, p. 19) destaca que o “enfraquecimento de uma percepção global conduz ao enfraquecimento do sentido de responsabilidade, cada um tende apenas ser responsável pela sua tarefa especializada”. Nesse prisma, a identificação de responsabilidade do profissional com os sujeitos que receberão o cuidado é imprescindível, ainda mais se referindo à PSR que, além das dificuldades reais inerentes à situação de rua, está entre o grupo de risco com maior restrição na busca pelos serviços de saúde. Os relatos apontaram que 75% da PSR acompanhada tem dificuldade em se adequar as agendas dos profissionais de saúde e em seguir horários previamente agendados. Manter rotina no tratamento ou retornos agendados nas unidades de saúde para quem vive na rua, costuma ser um desafio. Estudos mencionam que os serviços de saúde não estão preparados para o acolhimento dessa população, tanto quando são procurados espontaneamente, como quando os usuários são encaminhados por outros serviços da rede (COSTA, 2005). 64,28% dos entrevistados mencionaram o despreparo dos profissionais de saúde no acolhimento e atendimento dessa população. Dessa maneira, os princípios garantidos pelo SUS e reafirmados pela política para as pessoas em situação de rua não são condizentes à realidade, visto que se identifica a dificuldade de acesso e a contrariedade da palavra equidade, além do desânimo dessa população diante da não resolutividade dos serviços de saúde. O que faz refletir que o fato de ter os serviços disponíveis não garante o acesso. Às vezes, o acesso à saúde se torna difícil para qualquer cidadão, e ainda mais dificultoso para as PSR pois, além da espera pelo atendimento, o sujeito normalmente está sujo, por vezes alcoolizado e/ou em estado de psicose, condições essas que fazem a população sofrer preconceito pelos profissionais e/ou usuários, repercutindo em um mal atendimento (ARISTIDES & LIMA, 2009). Vale destacar que a capacitação técnica, tem que ser acompanhada da capacidade de acolher sem tantos critérios para excluir (BRASIL, 2012). Os serviços de saúde são ofertados para toda população, todavia o acolhimento e a busca ativa, principalmente das pessoas que vivem na rua, é ainda um desafio a ser superado. A pessoa é encaminhada e não acompanhada, por vezes acaba se “transformando” em dados e fichas e deixa de ser o que é: pessoa. CONSIDERAÇÕES FINAIS: acredita-se que a maioria dos serviços de saúde não estão preparados para o cuidar e o fazer saúde da PSR. Sabe-se que são indivíduos vulneráveis, que estão incluídos nas políticas de saúde como pertencentes aos grupos de risco e, numa “falsa ilusão” de encaminhamento, não são acolhidos e continuam sendo desassistidos pela maioria dos serviços de saúde. Neste contexto, destaca-se a importância da equidade na assistência à saúde, promovendo o cuidado de forma diferenciada e resolutiva, de tal maneira que se ofereça respostas significativas para os grupos singulares.

Palavras-chave


Moradores de rua; Acesso aos serviços de saúde; Assistência à saúde

Referências


ARISTIDES, J. L.; LIMA, J. V. C. de. Processo saúde-doença da população em situação de rua da cidade de londrina: aspectos do viver e do adoecer. Revista Espaço para Saúde. Londrina, v.10, n.2, p.43-52, 2009.  Disponível em: <http://www.ccs.uel.br/espacoparasaude/v10n2/Artigo7.pdf> Acesso em: 30 jun. 2013

BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Pesquisa Nacional sobre população em Situação de Rua. Relatório do I Encontro Nacional sobre População em Situação de Rua. Secretaria Nacional de Assistência Social. Secretaria de Avaliação e Gestão da Informação. 2008.

BRASIL. Política Nacional para Inclusão Socialda População em Situação de Rua. Brasília, 2008b

BRASIL. Decreto-lei nº 7.053 de 23 de dezembro de 2009. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2009/Decreto/D7053.htm> Acesso em: 23 abr. 2012

BRASIL. Relatório da 8ª Conferência Nacional de Saúde. Disponível em: http://conselho.saude.gov.br/biblioteca/relatorios/relatorio_8.pdf Acesso: 05 set. 2013

COSTA A.P.M.População em situação de rua: contextualização e caracterização. Revista Virtual Textos & Contextos, v. 4, n.1, 2005. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fass/article/view/993> Acesso em: 20 abr. 2013

MORIN, E. A cabeça bem-feita : repensar a reforma, reformar o pensamento. JACOBINA, E (tradução). Rio de Janeiro :   Bertrand Brasil,   2002.