Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Questão Social: Quais seus rebatimentos na Política de Formação de Recursos Humanos para o SUS?
Luciana da Conceição e Silva, Marcio Eduardo Brotto

Última alteração: 2016-03-07

Resumo


Nesse artigo dicutiremos a concepção e desenvolvimento da Questão Social como resultado o conflito entre capital e trabalho e o processo de surgimento das políticas sociais como uma forma de enfrentamento de suas expressões. Consideramos que as características das políticas neoliberais possuem implicações na política de Recursos Humanos na saúde apesar de também considerar as possibilidades dessa formação para o fortalecimento do Sistema único de saúde (SUS) e a consequente redução dos níveis de pobreza e desigualdade. Para isso, discutiremos a atual política de Formação de recursos humanos no Sistema Único brasileiro (SUS), em especial, as residências multiprofissionais que visam formar profissionais para um trabalho com consciência sanitária na saúde cujos princípios visam fortalecer, como prescrito em legislação, um SUS universal, integral e de qualidade. No entanto, o conflito desses objetivos prescritos com a realidade de precarização neoliberal da política de saúde e de reestruturação produtiva que, com reflexo na saúde, flexibilizam as relações de trabalho, nos fazem perceber que essa assimetria é parte e expressão da Questão Social de uma sociedade contraditória. O Ministério da Saúde (MS) vem apoiando Residências Multiprofissionais em Saúde (RMS) desde 2002. O estabelecimento de financiamento regular para os Programas de Residências Multiprofissionais de Saúde no Brasil e o investimento na sua potencialidade pedagógica e política, tem por objetivo, segundo o Ministério da Saúde, possibilitar tanto a formação de profissionais quanto contribuir com a mudança do desenho técnico-assistencial do SUS.  Tal realidade demonstra a centralidade da formação para o trabalho em saúde que, no caso das residências, se torna um espaço privilegiado por se tratar de uma formação no e pelo trabalho. Hoje, as RMS encontram-se atreladas ao um contexto de grandes disputas, lutas políticas e sociais, que exigem que os sujeitos envolvidos assumam posição de protagonistas deste processo. Na saúde brasileira existe a disputa entre o projeto da Reforma sanitária da década de 1980 que influenciou a construção constitucional do Sistema Único de Saúde versus o projeto privatista a partir da década de 1980 influenciado pela ideologia neoliberal. No campo da saúde, a educação pelo trabalho é considerada uma possibilidade para o desenvolvimento de novos perfis profissionais que visem à integralidade da atenção, princípio que norteia o SUS. Assim, a RMS é concebida com o objetivo da formação de profissionais para uma atuação diferenciada no SUS, constituída como estratégia de mudança da formação dos trabalhadores da saúde, com construção interdisciplinar, trabalho em equipe, educação permanente e, portanto, de reorientação das lógicas assistenciais. O que se agrega a esta nova modalidade de formação resultam em ações educativas centradas nas necessidades de saúde da população, na equipe multiprofissional e uma possibilidade de maior institucionalização da Reforma Sanitária Brasileira, que vem ao encontro do que preconiza os princípios do SUS. Interessa-nos saber se, na tentativa de efetivação do SUS em tempos de hegemonia neoliberal, a indução de políticas públicas com interferência direta no modelo educacional vai contribuir para o aprimoramento da formação profissional na perspectiva da educação permanente ou se é mais uma estratégia de estruturar a rede de saúde através da oferta de um campo de prática precarizado para os profissionais de saúde. Tendo em vista que nessa estratégia de formação pelo trabalho o governo estabelece uma forma de contrato aviltante, temporário e precário. Exclui do trabalhador o direito à férias e licença remunerada além do 13º salário, FGTS, adicional de insalubridade e estabilidade. Obriga os bolsistas a pagarem o INSS como contribuinte individual, sem que haja contribuição patronal ao invés de instituir um plano de carreira para os profissionais da saúde o que consequentemente fortaleceria de fato o SUS. Soma-se a este fato a precarização dos serviços de saúde em si submetendo os profissionais já inseridos no trabalho no SUS dentro de dinâmica contrária aos princípios sanitários do sistema de saúde, tendo em vista, a fragmentação da seguridade social, a real precarização da implementações dos cursos de residência pelo país, a falta de integralidade dos serviços o que compromete a realização de um trabalho multiprofissional e intersetorial, agregado a estas questões está a crescente privatização dos equipamentos e da gestão do trabalho em saúde. Indagamos o porquê de ao invés do investimento na qualidade dos Serviços de saúde - para que assim o perfil de profissional possa se adequar ao processo de trabalho condizente com as propostas do SUS – a política de formação vem focando na expansão de vagas para especializações através do trabalho com carga horária elevada (exigindo-se dedicação exclusiva) e salário (bolsa) abaixo do piso normal de um profissional de saúde (apesar da bolsa das residências serem maiores que muitos salários pagos a profissionais de saúde tanto em algumas empresas privadas quanto em muitos concursos públicos, porém destaca-se que a carga horária do residente é 60 horas semanais).  Dessa forma, apesar dos esforços do movimento sanitário para uma formação em saúde articulada aos princípios do SUS, atual proposta de residência multiprofissional, em tempos neoliberais, pode fortalecer ainda mais a lógica do mercado nas políticas de saúde. Observamos a influência neoliberal tanto na substituição de profissionais estáveis e vinculados aos serviços por força de trabalho mais barata, temporária e precarizada, quanto na tentativa de “interiorizar” e expandir ações de saúde no país sob a lógica de inserção de residentes em áreas com a atenção mal estruturada sem garantias de articulação de espaços e profissionais formadores para tutoria, supervisão e docência o que compromete, além da qualidade da expansão desses serviços, a própria formação. No caso brasileiro, entre as particularidades da “questão social” está de um lado a superexploração do trabalho, de outro, uma passivização das lutas sociais que historicamente foram mantidas sob controle do Estado e das classes dominantes. Segundo a autora, a “flexibilização/precariedade” do trabalho entre nós não pode ser creditada somente à crise recente do capitalismo, pois essas características fazem parte da nossa característica de exploração do trabalho. A manutenção de um fluxo permanente de demissões e contratações, ou seja, de uma política de substituição dos trabalhadores, que, assim, não conseguem, na sua maioria, ultrapassar os anos iniciais da carreira além de reduzidos custos do passivo trabalhista, reduz também os custos de seleção. O atual quadro das políticas sociais aprofunda a precarização do padrão de proteção social — por meio da centralidade da assistência social focalista — e a “passivização” dos trabalhadores e movimentos sociais. É fato que se aumenta o grau de precarização e flexibilidade do trabalho aumenta, na mesma proporção, sua exploração. Sabe-se da funcionalidade que os processos de precarização e contratação possuem como fonte de “barateamento” do valor trabalho e como sua utilização tem sido cada vez mais recorrente em diversos setores do mundo do trabalho, inclusive nos recursos humanos da saúde. É preciso destacar que enquanto a lógica neoliberal – nesses moldes do SUS – não for enfrentado de forma estrutural, seja com o fim do subfinanciamento do nosso sistema de saúde público, seja na disputa do perfil de formação dos trabalhadores da saúde, seja na regulação das especialidades e residências de acordo com as necessidades de saúde da população e não do mercado, seja na criação de estratégias de absorção desses profissionais pelo SUS público e não pela rede privada ou pública terceirizada, o caminho de fortalecimento do SUS será mais dificultoso.

Palavras-chave


neoliberalismo; Saúde; residência.

Referências


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