Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Do operário ao bandido: a produção social de masculinidades no campo da saúde
Helen barbosa Barbosa dos santos dos santos, Henrique Caetano Nardi

Última alteração: 2015-11-24

Resumo


Tendo em vista que o campo das masculinidades é uma temática bastante atual e com escassa bibliografia, objetivamos traçar uma perspectiva genealógica de como foram se constituindo os distintos arranjos de masculinidades a partir de diferentes marcadores de poder. Assim, para uma atualidade tangível a ser problematizada, buscaremos situar as distintas produções sociais de masculinidades no interior do dispositivo da medicalização, a partir de variadas conjunturas históricas do Brasil, bem como analisar a forma como se deu o acesso ao cuidado em saúde de homens tornados inteligíveis, a partir de sua inscrição em masculinidades circunscritas como legítimas ou ilegítimas no país. Ressalta-se que a medicalização dos corpos não passa apenas pelo campo da saúde, mas insere-se como um dispositivo de poder transversal a outros dispositivos, como da segurança, do trabalho e da sexualidade, o que nos leva em direção a traçar as principais estratégias de regulação sobre os corpos masculinos. Inspirado em estudo dissertativo, formulamos a seguinte questão: Que marcações de poder possibilitaram para certas masculinidades terem determinados acessos ao cuidado em saúde? No que concerne ao corpo social na história da saúde do Brasil, distintos arranjos de masculinidades foram produzidos no interior do dispositivo da medicalização; masculinidades tanto legitimadas na vida política e social como homens infames, ou seja, corpos inúteis e danosos ao país. Homens negros, pobres, de 14 a 24 anos de idade. Apesar da centralidade da Política Nacional de Atenção Integral à Saúde do Homem (PNAISH), criada em 2009, que foi impulsionada pela Sociedade Brasileira de Urologia e teve sua centralidade na neoplasia de próstata, a maior causa de morbimortalidade são as causas externas. Estes homens, marcados pela interseccionalidade de cor, raça e classe social, são os mais atingidos. O mapa da violência de 2010 registrou, conforme Waiselfisz (2011) 49.932 homicídios registrados pelo Sistema de Informações de Mortalidade (SIM) do DATASUS, sendo que 45.617 pertenciam ao sexo masculino (91,4%) e 4.273 ao feminino (8,6%). Historicamente, essas proporções não têm mudado de um ano para outro. Redundantemente, o caráter totalizador de descrição dos corpos que fizeram história no Brasil, sempre descritos gramaticalmente no masculino, silenciou sobre os modos como os sujeitos foram capturados pelo dispositivo da medicalização no Brasil. Mas quando a perspectiva do debate nas pesquisas sobre a saúde no Brasil tranversaliza o debate sobre a generificação dos corpos em determinadas conjunturas, é o corpo feminino que costuma entrar em análise (AQUINO, 2011). E apesar das masculinidades estarem sempre em estado de fluidez, de deriva (SEFFNER, 2003), naturaliza-se o masculino atribuído às características fixas pelas normas de gênero a partir da dinâmica da dominação, da agressividade. Nesta senda, partimos da Analítica Queer, que conforme Miskolci (2009) faz uma crítica aos discursos hegemônicos na cultura ocidental, pois dissolve a noção dos sujeitos sexuais como estáveis para focar nos processos classificatórios, hierarquizadores que normalizam os comportamentos. Butler (2008), afirma que não há sexo que não seja já desde sempre gênero. Todos os corpos são generificados desde o começo de sua existência social (e não há existência que não seja social); significa que não há “corpo natural” preexistindo à sua inscrição cultural. Isso aponta para a conclusão de que gênero não é algo que alguém é, é algo que alguém faz em ato, ou mais precisamente, uma sequência de atos, um “fazer” em vez de um “ser. A história foi escrita por homens, mas durante grande parte do século XX, a historiografia brasileira caracterizou-se por um discurso que exaltava os “grandes homens” (heróis desta história) e julgava e desqualificava homens que eram produtos de nosso contexto social, mas que foram transformados em culpados pelo atraso do país (escravos, miscigenados, degenerados). Neste sentido, Matos (2001) questiona que eventos e personagens históricos foram invizibilizados para construir-se uma memória preponderante no país. Ademais, o espaço público foi e ainda é tratado pela historiografia tradicional como espaço de construção e fortalecimento da nação, realizado preponderantemente por mentes e braços masculinos, em diversos momentos históricos. Lobo (2008) retoma esta expressão do autor, em estudo sobre a produção social de corpos degenerescentes no Brasil: “Existências infames: sem notoriedade, obscuras como milhões de outras que desapareceram e desaparecerão no tempo. (...)”. Porém, sua desventura, sua vilania, suas paixões alvos ou não de violência instituída, sua obstinação e sua resistência encontraram em algum momento quem as vigiasse, quem as punisse, quem lhes ouvisse os gritos de horror, as canções de lamento ou manifestações de alegria.” (LOBO, 2008, p.17). Parafraseando Foucault em seu livro “Em defesa da sociedade”, questiona-se: que vidas importaram serem vividas para a nação brasileira? Os “(...) corpos que importam”, os “sujeitos aceitos (...)”, (LOURO, 2004, p.15) são aqueles que obedecem a normas regulatórias. Aqueles que oscilam, hesitam, inventam novos caminhos e ousam trilhá-los são suspeitos, no limite, descartáveis, restos. Explorando a história da saúde no Brasil, percebemos que os homens já eram objeto de medicalização nos diversos contextos históricos. Carrara (2009) já havia indicado que os homens eram foco da medicalização em território circunscrito, como bordéis, casas de jogos, botecos. No Brasil, sabemos que antes da emergência do SUS, somente trabalhadores de carteira de trabalho assinada tinham garantidos certos direitos de acesso à saúde. O controle da força de trabalho pode ser considerado como o primeiro alvo de atenção do biopoder em relação ao masculino. Assumir o caráter de problematização, ao tomar as peculiaridades de produção social das masculinidades no campo da saúde, é recontar a história dissolvendo a veracidade naturalizada dos fatos. É perceber o caráter indissociável da relação gênero, raça, classe, geração na construção da versão brasileira da medicina social. Nossa análise apontará para as condições de possibilidade que conduz determinadas masculinidades ao campo da abjeção por meio da marcação racial. Veremos que o racismo científico vai esquadrinhar os sujeitos saudáveis e perigosos (vagabundos desviantes sexuais, criminosos), bem como definir a doença pela herança hereditária. Historicamente, o dispositivo do trabalho também se configura como estratégia de poder fundamental para disciplinar o corpo social masculino e torná-lo coerente às propostas biopolíticas do Estado. Contudo, percebe-se que as masculinidades transitam pela linha limítrofe entre a produção social de masculinidades que ocupam o lugar da norma e os corpos infames, representados pela identidade segmentarizada do trabalhador e do vagabundo. Logicamente, diversas nuances escapam a esta prescrição binarizada do modelo ideal de masculino e o seu oposto. Assim, demarcamos o caráter indissociável da relação gênero, raça, classe, geração na construção da versão brasileira da medicalização das masculinidades.

Palavras-chave


masculinidades; violência; saúde do homem

Referências


 

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