Anais do 12º Congresso Internacional da Rede Unida
Suplemento Revista Saúde em Redes ISSN 2446-4813 v.2 n.1, Suplemento, 2016
FINANCIAMENTO DAS ORGANIZAÇÕES SOCIAI DE SAÚDE: COMPARANDO INVESTIMENTOS NOS HOSPITAIS PÚBLICOS DA GRANDE VITÓRIA
FABIANA TURINO, FRANCIS SODRÉ
Última alteração: 2015-10-30
Resumo
O Sistema Único de Saúde (SUS) foi concebido com a promulgação da Constituição Federal (CF) de 1988. O SUS pode ser entendido, em primeiro lugar, como uma política de Estado construída pelas forças sociais que lutaram pela democracia e organizaram-se pautados na Reforma Sanitária Brasileira (RSB). Nos debates para a formulação da CF houve a reafirmação da força do setor privado dentro das políticas públicas de saúde no Brasil. Podemos classificar o artigo 199 – que diz: “A assistência à saúde é livre a iniciativa privada” – como o primeiro golpe sofrido pelo pensamento de uma política pública progressista para o SUS. Em meados da década de 90, o processo de construção e consolidação do SUS sofre com a influência da discussão em torno da reforma administrativa do Estado, o que implicou a busca por alternativas de gestão das organizações governamentais. Naquele momento havia o entendimento por parte do governo federal de que o Estado deveria ser mínimo para desburocratizar a máquina pública. Então, em 1995, o Ministério Administrativo da Reforma do Estado, comandado pelo ministro Carlos Bresser-Pereira, apresentou o Plano Diretor da Reforma do Estado (PDRAE). Com a promulgação da emenda constitucional nº 9.637, de 1998, as atividades estatais foram divididas em dois tipos: a) as ‘atividades exclusivas’ do Estado; b) as ‘atividades não exclusivas’ do Estado que seriam prestados tanto pela iniciativa privada como pelas organizações sociais que integrariam o setor público não estatal. O resultado disso foi que houve flexibilização administrativa com a transferência da gestão de serviços não exclusivos, como saúde, educação e cultura, para entidades privadas. Esse movimento, conhecido como Nova Gestão Pública (NGP), marcou a administração no campo da saúde no contexto brasileiro a partir de então. Observa-se com destaque a inserção das organizações sociais (OS), criadas pelo pela Medida Provisória nº 1.591, de 9 de outubro de 1997, e regulamentada na forma da Lei nº 9.637, de 15 de maio de 1998. Esses entes tiveram como objetivo promover a desobrigação do Estado frente às políticas sociais, em especial a saúde, como também a desoneração estatal no que compete o emprego dos recursos financeiros, assim como a desobrigação sob a gestão pública, entendida pelos defensores desse modelo como “burocrática e engessada”. A questão que se coloca é se realmente a atuação das OS´s ofereceu à sociedade uma gestão no campo da saúde mais eficiente e menos burocrática, realizando os serviços preconizados com qualidade e custos menores. O objetivo deste trabalho é buscar comparar o volume de recursos financeiros destinados aos cinco principais hospitais públicos da Região Metropolitana da Grande Vitória (ES) sob administração direta – Hospital Dório Silva (HDS), Hospital São Lucas (HSL), Hospital Infantil Nossa Senhora da Glória (HINSG), Hospital Antônio Bezerra de Farias (HABF) e Hospital Infantil e Maternidade Alzir Bernardino Alves (HIMABA) – com três unidades hospitalares que foram cedidas para gestão de uma Organização Social de Saúde (OSS) – Hospital Estadual Central (HEC), Hospital Dr. Jayme dos Santos Neves (HJSN) e Hospital de Urgência e Emergência (HUE) – no período de 2009 a 2014. O estudo consiste em análise de dados secundários para uma pesquisa descritiva. Foram extraídos dados públicos de financiamento da saúde e indicadores de desempenho de sites como: Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de Saúde (CNES); Governo Estadual do ES; Secretaria Estadual de Saúde e Sistema de Apoio ao Relatório de Gestão (SARGSUS). A partir dos dados oficiais disponíveis, foi realizado o cruzamento de informações e posterior análise para averiguar a proporção dos volumes dos recursos financeiros. Assim foi possível comparar o volume de recurso público empregado nos dois modelos de gestão: administração direta – pelo Estado; e administração indireta – pela OSS. Após o cruzamento dos dados públicos disponíveis chegamos a alguns apontamentos. O que mais chama atenção é a comparação o volume de recursos financeiros alocados anualmente nos hospitais sob gestão direta em relação aos hospitais gerenciados pelas OSS. Em 2009 foram aplicados R$ 116.091.153,35 nas unidades sob administração direta contra R$ 1.022.962,50 na indireta. No ano seguinte essa relação foi de R$ 135.737.162,11 (direta) versus R$ 34.081.374,17 (indireta). Já em 2011 foram 154.300.847,36 (direta) e R$ 44.584.599,00 (indireta). Um ano depois os valores foram de R$ 173.108.090,86 x R$ 30.368.545,31. O salto dos recursos para OSS aconteceu em 2013, quando o segundo hospital começou a ser gerenciado por OSs. O valor chegou a R$ 143.635.094,48, enquanto que para os hospitais de gestão direta foram R$ 188.233.794,63. Por fim, em 2014, o valor investido na gestão direta foi menor que na indireta: R$ 198.083.322,10 x R$ 234.733.195,89. Fica evidente a mudança de foco nos valores investidos em saúde. Os valores repassados às OSS saltam da casa de 30 milhões de reais, em 2010, para quase 235 milhões de reais, em 2014. Um aumento de quase 8 vezes mais. Para qualificar melhor os dados desse volume financeiro associamos esses valores com o número de atendimentos/internações efetuados pelas unidades hospitalares. Os cinco principais hospitais estaduais da Grande Vitória sob administração direta do estado realizaram no ano de 2009 um total de 1.764.280 atendimentos/internações. Nesse período foram investidos pouco mais de 116 milhões de reais, o que resulta em uma relação de R$ 65,80 por cada atendimento/internação. No mesmo ano, foram feitos apenas 72 atendimentos/internações no HEC, que passou a ser administrado pela OSS Pró-Saúde apenas em dezembro daquele ano. A razão de R$ 14.207,81 para cada atendimento é descomunal se comparada com o valor gasto com os hospitais da administração direta. O fato de ter sido inaugurado no fim do ano não diminui a discrepância dos valores investidos por atendimento no HEC, como pode ser identificado nos anos seguintes. Vale destacar que a primeira OSS atuando nos hospitais públicos da Grande Vitória foi a Associação Beneficente de Assistência Social e Hospitalar (Pró-Saúde) e iniciou suas atividades no fim de 2009 na gestão do HEC. A segunda entidade que começou a atuar no estado foi a Associação Congregação de Santa Catarina. Ela iniciou os trabalhos em dezembro de 2011 para substituir a Pró-Saúde na administração do HEC, pois houve divergência em relação ao valor superestimado no contrato. Em fevereiro de 2013, a Associação Evangélica Beneficente Espírito-Santense (AEBES) passou a atuar como OSS na gestão do HJSN. Por fim, o Instituto Americano de Pesquisa, Medicina e Saúde Pública (IAPEMESP) começou a atuar em setembro de 2014. Apenas esses quatro entes receberam nos cinco anos um total de quase 500 milhões de reais, tendo realizado aproximadamente 335 mil atendimentos entre 2009 e 2012. No mesmo período os cinco hospitais sob administração estatal fizeram quase 7 milhões de atendimentos, tendo recebido em cinco anos pouco mais que 965 milhões de reais. Os números mostram que na prática a entrada das OSS na gestão dos hospitais públicos do Espírito Santo não concretiza o discurso de desoneração da máquina pública proposto no PDRAE, mas sim a desoneração frente às políticas sociais. As análises iniciais dos dados deixam claro que os financiamentos direcionados para OSS não se transformam em um maior número de atendimentos. A política que enxerga o princípio da desburocratização como único caminho para melhoria do Sistema Único de Saúde, mostram somente o fato que essas entidades possuem mais autonomia nos processos de aquisição e contratação de recursos humanos.
Palavras-chave
SUS; Organização Social de Saúde; Financiamento público
Referências
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