Anais do 12º Congresso Internacional da Rede Unida
Suplemento Revista Saúde em Redes ISSN 2446-4813 v.2 n.1, Suplemento, 2016
O Apoio Institucional como estratégia de indissociabilidade entre as práticas clínicas e de gestão em Saúde Mental Coletiva
Ricardo Sparapan Pena, Eloa Nogueira de Souza
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
Esta pesquisa nasce das práticas de formação em saúde desenvolvidas entre docentes e alunos do curso de Psicologia da Universidade Federal Fluminense - Volta Redonda/RJ (UFF), ligados ao REDESAÙDE: rede de compartilhamento, pesquisa e intervenção, grupo de pesquisa cadastrado no CNPQ, gestores da Área Técnica de Saúde Mental (ATSM) da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), e também trabalhadores e gestores dos serviços de referência em Saúde Mental (SM) e Atenção Básica (AB) do município, como os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), os Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs), o ambulatório de SM, a unidade de urgência e emergência em saúde mental e o Consultório na Rua (CnR), serviço da AB, mas que se reporta integralmente à ATSM. Em seus objetivos, buscamos analisar a experiência de Apoio Institucional da UFF à gestão da ATSM e dos serviços de SM, conhecendo o modo como o Apoio articula clínica e gestão no território, agregando docentes e alunos do curso de Psicologia, trabalhadores e gestores da SM e AB para o estudo das políticas de SM e tecnologias de gestão no SUS, e promovendo as análises das formas de comunicação estabelecidas entre as equipes de saúde, dos processos de trabalho em curso nos serviços, do acolhimento como ampliação do acesso aos serviços, da cogestão para a tomada de decisões nas equipes, assim como do Apoio Matricial para o fortalecimento da relação entre os serviços de SM e AB. Situados na interface entre a produção de conhecimentos e a parceira da universidade na problematização das políticas de saúde que operam no território onde se localiza, compreendemos que a academia não se dissocia de suas experiências de intervenção pautadas pelo ensino, pesquisa e extensão. Entendendo também que nos inserimos na composição dos territórios de produção de saúde, sustentamos pesquisar os efeitos de nossas práticas, isto é das experiências de apoio da UFF à gestão da SM no SUS de Volta Redonda, em curso desde janeiro de 2015. Nesta tarefa, elegemos o Apoio Institucional, a partir das elaborações de Paulon e col. (2014), Oliveira (2011), Pasche e Passos (2010) e Campos (2007), como aporte teórico-metodológico para dialogar com a realidade onde se engendra a relação entre a universidade e o SUS. Vemos que o Apoio, como exercício de gestão compartilhada no SUS, atua na qualificação das ações de trabalhadores e gestores, na indissociabilidade entre clínica, gestão e produção de subjetividades no trabalho, assim como afirma que as ofertas em saúde são produtos das relações entre equipes e território, e não apenas procedimentos antecedentes a estas relações. Então, tomando o Apoio como método, promovemos encontros com gestores e trabalhadores dos serviços de saúde mental e da ATSM, e com docentes e alunos do curso de Psicologia, construindo momentos de análise sobre o cuidado à SM em rede, partindo de discussões sobre o cotidiano das equipes e da gestão da política de SM no município. Inicialmente, pensamos em encontros nos territórios entre a universidade, os serviços de SM, a ATSM e os serviços de AB. Mas, devido aos conflitos políticos que tomaram conta do município em 2015, não foi possível contar com a presença da AB e nossas reuniões se dividem em dois momentos distintos: a) encontros de docentes e alunos com as equipes de saúde mental, seus gestores e representantes da ATSM, as quais acontecem nos serviços, e b) reuniões de docentes e alunos com o colegiado de SM, composto pelos gestores dos serviços de SM e da ATSM, e que acontecem na SMS. O único serviço de AB presente nestes momentos, como dito anteriormente, é o CnR. Apostamos que estes encontros provocam interferências nas práticas clínicas e de gestão das políticas de SM em Volta Redonda. As discussões com os alunos constroem textos que registram os movimentos e as análises do que aprendemos e compartilhamos com todos os atores envolvidos, buscando cartografar (Rolnik, 2011) o conjunto de nossas experimentações no território. Dentre estas experimentações, encontramos alguns nós críticos na relação entre os serviços de SM e no modo como a gestão destes serviços e da ATSM enfrenta o momento de tensões políticas no município. Estas tensões têm provocado o distanciamento da ATSM dos encontros realizados nos serviços, sendo possível a participação da mesma apenas nos encontros que ocorrem na SMS. Vivenciamos, como rastros desta instabilidade, as dificuldades presentes no território para promover as práticas de cuidado em rede, o que inclusive corrobora com ausência de dois serviços que ainda não produziram sentidos para participar dos encontros onde acontecem as experimentações de apoio. A interferência da universidade na produção de redes de cuidado em SM, especificamente neste período, gera um espaço de escuta, de análises e compartilhamento do cuidado. Como exemplo, vimos que as tecnologias clínicas e de gestão abordadas nos encontros posicionam o Apoio Matricial como algo novo para grande parte dos trabalhadores, o que nos convoca a ofertar, como apoiadores, as possibilidades de uma maior aproximação com alguns dispositivos de ampliação da clínica como o Projeto Terapêutico Singular (PTS), a problematização do acolhimento como acesso equânime aos serviços, as discussões compartilhadas sobre a priorização das ações dos serviços com diminuição de trabalhadores, entre outras ofertas que se conectam com novas discussões, como a relação entre os CAPS e a AB. Neste sentido, sobre a corresponsabilização pelo cuidado entre os CAPS e a AB, compreendemos, frente à gradual desmontagem e recomposição das equipes de AB como efeito da instabilidade política, a esterilidade dos arranjos anteriores que buscavam a análise da demanda dos usuários, colocando, então o Apoio Matricial em cena para dar visibilidade aos nós críticos presentes na relação entre os serviços facilitar a construção de ofertas singulares em saúde. Deste modo, esta pesquisa vai delineando os modos como o Apoio se liga aos processos de trabalho das equipes e da gestão, e como vem descobrindo possibilidades de dar passagem tanto à construção de redes potentes de cuidado em SM, como ao desafio de afirmar radicalmente a produção de conhecimento não pautada apenas pelas teorias anteriores à relação entre a universidade e o território SUS, mas como dobras, efeitos e atualizações do que se processa no território onde a universidade se insere.
Palavras-chave
Saúde Coletiva, Saúde Mental, Gestão em Saúde
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