Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Psicologia do Trabalho e Gestão: experiências de estágio com equipes de Saúde da Família
Ronan Carlos Fernandes, Lara Palicer de Lima, Andressa Salvino de Matos, Edimara Soares da Silva, Paola Souza de Castro, Samya Zumira de Carvalho, Sandra Fogaça Rosa Ribeiro, Gabriela Rieveres Borges​ de Andrade

Última alteração: 2016-01-06

Resumo


APRESENTAÇÃO: Este trabalho resulta da experiência formativa realizada junto ao Estágio de Psicologia do Trabalho e Gestão do curso de Psicologia da Universidade Federal da Grande Dourados. O estágio tem como propósito familiarizar os estagiários com os conteúdos teórico-práticos relativos aos processos de trabalho, subjetividade e saúde. Os locais de atuação do estágio são três Unidades Básicas de Saúde e respectivas equipes da Saúde da Família (UBS/ESF) de um município do estado do Mato Grosso do Sul. Para isso, fez-se necessário um aprofundamento teórico sobre os princípios e diretrizes do SUS (BRASIL, 2006). Quando iniciadas as visitas às UBS/ESF, os estagiários de psicologia apropriaram-se de uma técnica indispensável para a compreensão das dinâmicas desses locais: a Observação Participante. Através da Observação Participante e das leituras teóricas foi possível observar a dinâmica institucional das UBS/ESF e elaborar diagnósticos organizacionais a fim de elaborar as intervenções a serem realizadas na segunda etapa do estágio. O objetivo deste trabalho é, portanto, apresentar essa experiência de estágio em psicologia, no sentido de valorizar a saúde do trabalhador no contexto do SUS sendo, também, uma possibilidade de pensar a atuação do psicólogo neste contexto. Previamente à entrada em campo foram feitas leituras e discussões sobre a Psicodinâmica do Trabalho, Saúde do Trabalhador no contexto do SUS, entre outras. A centralidade do trabalho vai além do tempo da jornada de trabalho e abrange a vida familiar e a subjetividade. A Psicodinâmica do Trabalho se propõe, segundo Heloani& Lancman (2004), a compreender os aspectos psíquicos e subjetivos mobilizados nas relações e na organização do trabalho, por meio de espaços públicos de discussão e reflexão. Segundo Dejours (2004), o trabalho, enquanto engajamento do corpo para responder a pressões sociais e materiais, está ligado a processos de sofrimento e adoecimento, por implicar em resistência às normas e procedimentos. Aspectos que fazem parte do mundo do trabalho, tais como divisão das atividades e relações de poder, mobilizam esforços individuais de adaptação e o custo emocional, muitas vezes, é elevado. Para Heloani e Lancman (2004), quando um trabalhador já utilizou todos os seus recursos intelectuais e psicoafetivos para dar conta da atividade e demandas impostas pela organização e percebe que nada pode fazer para se adaptar e/ou transformar o trabalho, podem surgir processos de adoecimento. Portanto, se por um lado o trabalho é uma oportunidade de desenvolvimento e fonte de satisfação pessoal, por outro, é gerador de sofrimento. DESCRIÇÃO DA EXPERIÊNCIA: O estágio consistiu na observação da rotina, dos processos de trabalho e das interações interpessoais, a fim de realizar um diagnóstico organizacional de cada unidade. Por meio da Observação Participante foi possível chegar a algumas conclusões sobre os processos de trabalho, embasadas pelas leituras e discussões realizadas durante as supervisões semanais. As visitas às unidades foram feitas semanalmente, em dupla, durante quatro meses. Cada dupla observou uma unidade e cada visita durou em média, duas horas. As observações eram levadas às reuniões de supervisão do estágio, onde eram discutidas em grupo. Durante as visitas, os estagiários observaram as instalações, as interações entre a equipe de saúde e acompanharam o trabalho dos Agentes Comunitários de Saúde (ACS). Resultados: Apesar de cada unidade possuir características específicas em relação às instalações, às relações de poder dentro das equipes de saúde e à organização do trabalho foi possível observar alguns aspectos comuns. Três questões estiveram presentes das três unidades, ainda que em diferentes intensidades: (1) poucos momentos para conversar sobre os processos de trabalho e suas implicações para a saúde do trabalhador; (2) desorganização da rotina de trabalho com consequente sobrecarga e sobreposição de funções; (3) sentimento de impotência e sofrimento frente à pobreza e abandono presentes nas comunidades onde atuam e frente à baixa adesão dos usuários ao tratamento. Os espaços de fala nas unidades são “espremidos”, apesar da existência de reuniões da equipe. O momento das reuniões não é utilizado ou não é suficiente para trabalhar questões referentes às relações interpessoais e a processos que geram sofrimento no trabalho. Na maioria das reuniões observadas, os integrantes das equipes, principalmente, os ACS, não conseguiram se expressarem e se fazerem ouvir e serem ouvidos. Os ACS tendem a assumirem funções a mais das que lhes são atribuídas. Esses profissionais tendem a assumir responsabilidades além do seu limite físico e emocional, ficando sobrecarregados. Os ACS vivenciam constrangimentos no trabalho por morarem no mesmo bairro em que realizam sua função profissional e são, por vezes, solicitadas em horários de folga, diminuindo o momento de descanso necessário para a manutenção da saúde física e psíquica. Foram presenciadas situações onde os ACS expressaram sentimentos de desânimo e impotência frente às situações de pobreza, abandono, baixa adesão ao tratamento com as quais se deparam diariamente. As piadas e risadas fora de contexto são bastantes presentes, podendo ser vistas como mecanismos de defesa desses profissionais de saúde, como uma forma de sobreviver às pressões e situações desfavoráveis do trabalho. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O estágio em Psicologia do Trabalho e Gestão propiciou a compreensão dos processos de trabalho e sua influência na saúde e no adoecimento do trabalhador. A partir dos referenciais teóricos, das observações realizadas em campo e das supervisões, viu-se que o psicólogo pode intervir nas situações geradoras de sofrimento promovendo e potencializando os espaços de reflexão coletivos. Concordamos com Ceccim (2004) de que é possível promover espaços coletivos por meio da Educação Permanente em Saúde, que possibilitem dar novos sentidos aos atos produzidos no cotidiano. Nesse sentido, o psicólogo pode atuar promovendo as tecnologias leves, que dizem respeito aos recursos imateriais, relacionais, não burocráticos e singulares de produzir o cuidado (Merhy& Franco, 2003). O estágio possibilitou observar o cotidiano de um serviço de saúde a partir de referenciais teóricos específicos e compreender os processos de trabalho. Com base em um diagnóstico organizacional elaborado com base nas observações e nas reuniões de supervisão foi proposto, para cada unidade, uma intervenção com os Agentes Comunitários de Saúde. Embora outras categorias pudessem se beneficiar de tal proposta, o tempo e limites do estágio exigiram esse recorte. Essa intervenção, iniciada na segunda etapa do estágio supervisionado, tem como objetivo possibilitar uma reflexão sobre essas dificuldades e tensões geradas no ambiente de trabalho de uma forma em que cada um, em conjunto, consiga determinar as mudanças necessárias que levem a soluções satisfatórias.

Palavras-chave


Psicologia do Trabalho; Atenção Básica; Estágio Supervisionado

Referências


BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria GM/MS n. 399. Divulga o Pacto pela Saúde 2006 - Consolidação do SUS e aprova as Diretrizes Operacionais do Referido Pacto. Brasília, 22 de fevereiro de 2006.

Ceccim RB (2004). Educação Permanente em Saúde: desafio ambicioso e necessário. Interface: Comunicação, Saúde, Educação; 9(16): 161-177.

Dejours C (2004). Subjetividade, trabalho e ação. Revista Produção, 14(3), 27-34.

Heloani R & Lancman S (2004). Psicodinâmica do trabalho: o método clínico de intervenção e investigação. Revista Produção, 14(3), 77-86.

Merhy EE & Franco TB (2003). Por uma composição técnica do trabalho centrada nas tecnologias leves e no campo relacional. Saúde em Debate, v.27, N. 65, RJ, 2003.