Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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COMO EDUCAR O CORPO? ARTICULAÇÃO COM AS HUMANIDADES PARA SUPERAR AS CARÊNCIAS DO MITO DA POSTURA CORRETA NA EDUCAÇÃO POSTURAL
Thatiane Lopes Valentim Di Paschoale Ostolin, Fernanda Flávia Cockell, Vinicius Demarchi Silva Terra

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: Modelado pelo contexto sociocultural em suas representações e discursos, o corpo surge como a relação indivíduo e sociedade, sendo abordado, sobretudo, como material disponível e moldável. Nesta direção, buscar os registros deixados nos corpos é um meio de apreender a historicidade destas concepções, permitindo uma compreensão mais crítica e reflexiva do presente. Diante disso, a escola abre-se como local de encontro entre saúde e educação. Quando inserida numa linha do tempo, a priori, era um espaço de propagação de civilidade e higiene, sendo, posteriormente, vista como campo para promoção de saúde. Com a introdução do conceito da pedagogia dos corpos retos, o endireitamento, ortopédico e moral, dos corpos denotou um período de transformação dos discursos sobre a educação do corpo, evidenciado pela retidão das posturas e também dos comportamentos. Até então concebida como “fábrica de deformidades”, a escola transformou-se de cenário de fadiga, lesões e deformações em espaço estratégico para propagação da higiene. Dessa maneira, o movimento de Higiene Escolar caracterizava-se pela fabricação do corpo escolar hígido e bem conformado através de discursos normativos e prescritivos. Tais discursos ainda permanecem em vigor na área da saúde quando se trata a postura e o próprio corpo sob a ótica da docilização e disciplinarização, de modo que é sabido que ações de educação postural costumam se amparar no mito da postura correta, realizando ações prescritivas com normatização dos sujeitos e desconsiderando a relevância da produção de sentidos e significados que condicionam, negociam, resistem ou subvertem corpos e posturas nesta lógica. Entendendo que os problemas posturais nas crianças não se resolvem apenas pela prescrição de normas, cabe aos profissionais de saúde empoderar os sujeitos, desde a tenra infância para perceberem o próprio corpo, seus limites físicos, desconfortos causados pela manutenção prolongada de uma mesma postura, além de apontar o brincar como ferramenta de transformação e a escola como cenário ideal para a produção de saúde. Partindo da necessidade de problematizar as implicações do contexto social e das mudanças contemporâneas do brincar na comunidade do Morro Nova Cintra em Santos-SP, surgiu a ideia de utilizá-lo em associação à ontologia do domínio de movimento do campo das artes como pano de fundo do desenvolvimento de ações de orientação e educação postural. O propósito foi investigar metodologias de Educação Postural voltadas para crianças a partir das singularidades do brincar observadas no contexto escolar da comunidade. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: O Programa de Educação Postural consistiu na realização de cinco encontros de práticas corporais com sessenta crianças de cinco e seis anos, visando promover a educação postural por meio da brincadeira, possibilitando o empoderamento dos sujeitos e adoção de hábitos posturais mais favoráveis à saúde e proporcionando maior atenção ao cuidado com a postura e educação através do movimento, do toque e do reconhecimento do próprio corpo. A periodicidade foi semanal, estabelecida mediante autorização prévia dos pais, direção e verbalização das crianças demonstrando interesse em participar. Com duração de quarenta a sessenta minutos, foram propostas atividades que permitiram experimentar e pensar sobre o funcionamento do corpo, tendo como finalidade estimular uma cultura de valorização e ressignificação posturais, favorecendo reflexão crítica sobre sua importância na qualidade de vida e bem-estar. À cultura local, foram conciliados conhecimentos sobre práticas corporais alternativas/complementares e treino de mecânica corporal. As brincadeiras vivenciadas foram: pega, mímica, corda, cama de gato e parque, cuja escolha foi feita através da análise de observações no território. Para tanto, os encontros apresentaram cinco momentos, definidos para esta pesquisa, em função de se demonstrarem, mediante leitura bibliográfica, como determinantes nocivos ao aparecimento de dores musculoesqueléticas e predisposição de lombalgia: Ação, Transição, Amplitude, Permanência e Conversa. Os encontros tiveram como temas, respectivamente, Espaço, Tempo, Peso, Fluência e Sentidos. Estas categorias, com exceção dos Sentidos, estiveram submetidas às concepções de Laban, o qual trata o corpo como instrumento de expressão e traz estas variáveis como fatores de movimentos, cuja graduação gera múltiplas atitudes corporais na experiência do movimento. O objetivo educativo com estas categorias é possibilitar um estudo da ação como resultante de esforço, movimento e atitude, integrando o físico, o intelectual e emocional. Impactos: Observou-se que os encontros proporcionaram ampliação da compreensão de consciência corporal e do uso de práticas corporais com fins terapêuticos. Tal associação com fazer lúdico das crianças do morro promoveu reflexão sobre as possibilidades de eficácia e implementação do programa no cotidiano da comunidade. O programa favoreceu o entendimento das relações entre emoções e postura, estados de tensão muscular, variações de amplitude, permanência prolongada e desconforto. Com participação ativa das crianças, a gestão do brincar emergiu como ferramenta de preservação e cuidado de si. Jogos de teatro e vertigem marcaram posturas libertárias e políticas no brincar ganhando o chão e desafiando o parque. Espontâneos, demonstraram a busca por espaço isolado da coerção e disciplinarização, expressando discurso pela vida e intensificando sensações e percepções esmaecidas e anestesiadas pela rotina escolar. Embora a experiência subjetiva do corpo não seja evidenciada, a importância da discussão sobre a construção de sentidos e valores sobre este se reafirma, à medida que apreender seu uso no discurso científico é fundamental para a formação profissional na área da saúde. Ao não compreender a implicação desta historicidade na atuação em saúde, incorre-se em práticas reducionistas e pouco contundentes. Articulado com o dinamismo do campo, a aproximação às práticas corporais, entendidas enquanto manifestações culturais espontâneas potencializa a iniciativa ao trabalhar os sentidos e significados que se constroem continuamente no estabelecer das relações estéticas, éticas e políticas no território e reafirma a relevância da contextualização sociocultural da postura para experiência da educação postural, em detrimento de um pretensioso aprendizado teórico-prático fragmentado e prescritivo, que ainda vê o corpo como máquina e dicotomizando-o da mente. CONSIDERAÇÕES FINAIS: O brincar na escola pode atuar no sentido de produção de saúde, a despeito de sua importância no desenvolvimento infantil já amplamente descrita na literatura. Enquanto qualificador de vida e felicidade é capaz de relativizar a vulnerabilidade social na infância e servir de cenário para ações em saúde. É preciso ter mais cautela ao tratar de ações interdisciplinares na escola, tanto no referencial teórico quanto na abordagem dos sujeitos, de modo que para superar a prescrição e a normatização ainda há muitas lacunas a serem preenchidas. Ao introduzir na discussão o lugar do agente social e histórico, inseriu-se uma visão ampliada de corpo, mostrando, por intermédio de atividades lúdicas, que é possível as crianças absorverem formas corporais e posturais sem necessidade de imposição de normas ou prescrição de hábitos. Diante do exposto, a apreensão da postura corporal feita ainda na infância e de maneira continuada proporciona a formação de uma consciência da própria postura e favorece que esta noção acompanhe o indivíduo por toda a vida. São necessárias mais iniciativas para que se possam considerar novas perspectivas no campo de atuação. Contudo, quando se trata de postura é preciso vê-la não somente em seus aspectos biomecânicos, rompendo com os paradigmas existentes e atuando a partir da produção de sentidos sobre o corpo e o movimento ao proporcionar experiências corporais consistentes e coerentes para a população em destaque, além de valorizar as composições resultantes dos encontros do coletivo. 

Palavras-chave


Saúde Escolar; Saúde da Criança; Fisioterapia