Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
A NARRATIVA NAS PRÁTICAS EDUCATIVAS EM SAÚDE
Nauristela Ferreira Paniago Damasceno, Cibele Moura Sales

Última alteração: 2016-04-05

Resumo


Apresentação Desde a infância as narrativas fazem parte da vida das pessoas e contribuem para que compreendam a si mesmas, aos outros e aos acontecimentos (CASTELHANOS, 2014) atribuindo significado às ações e às experiências humanas (BRUNER, 1991; 1997). Na prática clínica as narrativas são utilizadas, com diferentes enfoques, nos processos saúde-doença e, enquanto interação mediada pela interpretação do senso comum sobre a experiência de saúde, adoecimento e tratamento, contrapõem-se à abordagem centrada no modelo biomédico, que valoriza as características patológicas e biológicas, concebidas a partir do conhecimento científico (COSTA; GUALDA, 2010). Nesse contexto, destaca-se a Educação em Saúde que segundo Vasconcelos (2004) configura-se como um campo de prática e de conhecimento da saúde que se ocupa com a criação de vínculos entre os serviços de saúde e o pensar/fazer cotidiano da população, os quais ocorrem através dos grandes meios de comunicação de massa e também da convivência cotidiana e dialógica entre os profissionais que atuam nesses serviços e a população, usuária dos mesmos. Entretanto, de acordo com Reis et al (2013), embora existam propostas inovadoras e exitosas, a maioria das práticas educativas em saúde ainda é fundamentada no modelo de transmissão dos conhecimentos dos profissionais, prescrevendo normas e regras comportamentais à população alvo. Dessa forma, o objetivo desse trabalho é evidenciar o potencial das narrativas nas práticas educativas em saúde, como alternativa para compreender os significados que os sujeitos atribuem ao seu processo de adoecimento e saúde, e como mediadora do processo pedagógico em saúde. Método Trata-se de um estudo de abordagem qualitativa, do tipo exploratório-descritivo, fundamentado em revisão de literatura e na vivência de utilização da narrativa em pesquisa relacionada à saúde do trabalhador. A revisão de literatura teve objetivo de contextualizar a utilização da narrativa na Educação em Saúde, principalmente no que se refere às suas possibilidades e alternativas nas práticas educativas em saúde. Já a investigação citada utilizou-se da pesquisa narrativa (BOLÍVAR, 2002) e fundamentou-se na hermenêutica-dialética (MINAYO, 1998) para o tratamento dos achados. Essa investigação obteve a aprovação do Comitê de Ética da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (CAAE: 38970814.0.0000.0021) e todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Foram entrevistados 25 docentes, através de roteiro composto por uma questão norteadora acerca das vivências de prazer, sofrimento e adoecimento no trabalho, além de outras duas questões complementares utilizadas para aprofundar e ampliar o relato. A partir das entrevistas, audiogravadas e transcritas, a pesquisadora construiu uma nova narrativa, com objetivo de integrar e dar significado aos achados, preocupando-se em não manipular a voz dos informantes, contemplando os elementos singulares que configuravam as histórias e afastando-se das pretensões de generalizar esse significado (BOLÍVAR, 2002). Essa nova narrativa foi apresentada aos mesmos sujeitos em uma oficina elaborada com objetivo de validar a narrativa construída e aprofundar a discussão (ONOCKO CAMPOS, 2011), de forma que ao final da oficina a narrativa foi concluída com as sugestões dos participantes. Resultados e Discussão Os achados da pesquisa, relevantes para o tema deste trabalho referem-se à observação da oficina de validação da narrativa construída pela pesquisadora, a partir do relato dos participantes. Onocko Campos (2011) chama essa oficina de grupo hermenêutico e refere que ele também produz efeitos de intervenção. Foi à observação desses efeitos, durante a oficina, que reforçou o potencial das narrativas como instrumento das práticas educativas em saúde, uma vez que os participantes identificaram-se com os elementos inseridos na narrativa, os quais refletiam suas vivências e outros elementos que contribuíam para a compreensão do contexto em que estavam inseridos. Além disso, a narrativa e a discussão coletiva possibilitaram concordâncias e discordâncias entre os vários relatos, indicando empatia com as histórias dos colegas e, ao mesmo tempo, a existência de vivências singularidades produzidas no ambiente de trabalho. Dessa forma, a discussão do grupo além de enriquecer e aprofundar os achados das entrevistas resultou na percepção e no encontro de novos e diferentes olhares sobre os relatos individuais e sobre os vários elementos constituintes do prazer, do sofrimento e do adoecimento dos docentes participantes da pesquisa. A narrativa, portanto, promoveu o processo dialógico, a interação entre as vivências, a empatia, a identificação, o engajamento no debate sobre as vicissitudes do trabalho docente e sobre as estratégias de enfrentamento do sofrimento psíquico. Nesse sentido, a narrativa pode relacionar-se à tecnologia leve, centrada no usuário e produtora de acolhimento, vínculo, cumplicidade, responsabilização e autonomia (MERHY; FEUERWERKER, 1998). Enfatize-se que as características desse processo dialógico, essenciais às práticas educativas em saúde, não se constituem pela simples formação dos grupos, rodas de conversa ou espaço de escuta da narrativa do usuário. Conforme propõe Martinez-Hernáez (2010) é necessário que o modelo de interação seja pautado no intercâmbio de conhecimentos entre profissionais e usuários, valorizando-se os saberes de ambos; em uma visão contextualizada dos processos de saúde e adoecimento que reflita sua multicausalidade; e na responsabilização de profissionais e usuários como atores com funções complementares na promoção da saúde. As narrativas têm sido empregadas nas pesquisas qualitativas, principalmente na Educação e na Saúde, utilizando-se da história de vida, dos depoimentos escritos, da história oral. Na saúde, as pesquisas que se utilizam das narrativas abordam, principalmente, o processo saúde-doença (LIRA; CATRIB; NATIONS, 2003; COSTA, 2010), a história de vida dos trabalhadores da saúde (SCHRAIBER, 1995; MORAES; GRANATO, 2014) e avaliações dos programas de saúde coletiva (ONOCKO CAMPOS, 2011; MALVEZZI, 2014). Alguns estudos, de diferentes abordagens interpretativas, também possibilitam considerar o potencial de utilização das narrativas, com vários enfoques, nas práticas educativas em saúde. Lima, Viana e Lima (2015) discutem a narrativa autobiográfica sobre a velhice e seu potencial para ressignificar a identidade do idoso, reconstruir seu lugar social e suas relações. Em estudos sobre a maternidade alguns autores (GRANATO; RUSSO; AIELLO-VAISBERG, 2009; GRANATO; TACHIBANA; AIELLO-VAISBERG, 2011) destacam o uso das narrativas interativas como fonte de expressão e alívio do sofrimento, forma de acesso à produção de conhecimento sobre a experiência afetivo-emocional e recurso de investigação e intervenção. Favoreto e Cabral (2009) demonstraram que os grupos operativos de educação em saúde para portadores de doenças crônicas, possibilitaram a ampliação dos significados sobre o processo saúde-doença e atitudes de autonomia frente à doença e seu tratamento.   Algumas Considerações O potencial das narrativas nas práticas educativas em saúde, em diversas estratégias, relaciona-se à criação de vínculos, ao processo dialógico, à troca de experiências e à valorização da subjetividade dos atores envolvidos – profissionais de saúde e usuários. Dessa forma, como as narrativas organizam e estruturam a experiência humana ((BRUNER, 1991; 1997) o relato das vivências e da história do processo de adoecimento torna-se um caminho para a compreensão dos significados que os sujeitos atribuem à saúde e ao adoecimento. Além disso, a reconstrução desse processo (BOLÍVAR, 2002), na narrativa, sob a perspectiva do próprio sujeito, possibilita não apenas refazer esse percurso produzindo novos significados, mas também reformular as ações ou as práticas futuras.

Palavras-chave


Narrativa; Educação em Saúde; Práticas Educativas em Saúde

Referências


BOLÍVAR, A. "¿De nobis ipsis silemus?": epistemología de la investigación biográfico-narrativa en educación. REDIE, Granada, 2002, 4(1). Disponível em http://redie.uabc.uabc.mx/vol4no1/contenido-bolivar.html. Acesso em 18 ago 2015.

 

BRUNER, J. Atos de significação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

 

______. The narrativa construction of reality. Critical Inquiry, Chicago 1991, 18(1):1-21.

 

CASTELLANOS, M. E. P. A narrativa nas pesquisas qualitativas em saúde. Ciênc saúde coletiva, 19(4):1065-76, Rio de Janeiro 2014.

 

COSTA, G. M. C.; GUALDA, D. M. R. Antropologia, etnografia e narrativa: caminhos que se cruzam na compreensão do processo saúde-doença. Hist cien saude-Manguinhos, 17(4):925-37, Rio de Janeiro, 2010.

 

FAVORETO, C. A. O.; CABRAL, C. C. Narrativas sobre o processo saúde-doença: experiências em grupos operativos de educação em saúde. Interface (Botucatu), Botucatu, v. 13, n. 28, p. 7-18, Mar. 2009. Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832009000100002&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 07 set 2015.

 

GRANATO, T. M. M.; TACHIBANA, M.; AIELLO-VAISBERG, T. M. J. Narrativas interativas na investigação do imaginário coletivo de enfermeiras obstétricas sobre o cuidado materno. Psicol. Soc., Florianópolis, v. 23, n. spe, p. 81-89, 2011.  Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822011000400011&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 08 set 2015.

 

GRANATO, T. M. M.; RUSSO, R. C. T.; AIELLO-VAISBERG, T. M. J. O uso de narrativas na pesquisa psicanalítica do imaginário de estudantes universitários sobre o cuidado materno. Mudanças – Psicologia da Saúde, 17 (1) 43-48, Jan-Jun, 2009. DOI: http://dx.doi.org/10.15603/2176-1019/mud.v17n1p43-48. Acesso em 07 set 2015.

 

LIMA, P. M. R.; VIANA, T. C.; LIMA, S. C. Estética e poética da velhice em narrativas
autobiográficas: um estudo à luz da psicanálise. Estud. pesqui. psicol. Rio de Janeiro, v. 15, n. 1, p. 58-78, 2015. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-42812015000100005&lng=es&nrm=iso>. Acesso em 08 Set 2015.

 

LIRA, G. V.; CATRIB, A. M. F.; NATIONS, M. K. A narrativa na pesquisa social em saúde: perspectiva e método. RBPS, Fortaleza 2003 16(1-2):59-66.

 

MALVEZZI, E. Contribuições da gestão da clínica para implantação de rede de atenção à saúde no SUS. São Paulo: IEP/HSL. Dissertação (Mestrado em Saúde Coletiva), Instituto Sírio Libanês de Ensino e Pesquisa, 2014.

 

MARTINEZ-HERNAEZ, A. Dialógica, etnografia e educação em saúde. Rev. Saúde Pública, São Paulo, v. 44, n. 3, p. 399-405, Jun 2010.  Disponível em <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-89102010000300003&lng=en&nrm=iso>. Acesso em 11 Set 2015.

 

MERHY, E. E.; FEUERWERKER, L. C. M. Novo olhar sobre as tecnologias de saúde: uma necessidade contemporânea. [Online]. Disponível em: http://www.uff.br/saudecoletiva/professores /merhy/capitulos-25.pdf. Acesso em 09 set 2015

 

MINAYO, M. C. S. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde. São Paulo: Hucitec, 1998.

 

MORAES, C. J. A.; GRANATO, T. M. M. Narrativas de uma Equipe de Enfermagem
diante da Iminência da Morte. Psico, Porto Alegre, PUCRS, v. 45, n. 4, pp. 475-484, out.-dez. 2014. Disponível em <file:///C:/Users/Usuario/Downloads/15571-78385-1-PB.pdf>. Acesso em 08 set 2015.

 

ONOCKO CAMPOS, R. T.; FURTADO, J. P. Narrativas: utilização na pesquisa qualitativa em saúde. Rev Saúde Pública, São Paulo, 2008, 42(6):1090-6.

 

ONOCKO CAMPOS R. T. Fale com eles! o trabalho interpretativo e a produção de consenso na pesquisa qualitativa em saúde: inovações a partir de desenhos participativos. Physis, 21(4):1269-86, Rio de Janeiro, 2011. Disponível em: http://qix.sagepub.com/cgi/content/abstract/13/4/471. Acesso em 15 ago 2015.

 

REIS, T. C. et al. Educação em saúde: aspectos históricos no Brasil. J Health Sci Inst. 31(2):219-23, 2013.

 

SCHRAIBER, L. B. Pesquisa qualitativa em saúde: reflexões metodológicas do relato oral e produção de narrativas em estudo sobre a profissão médica. Rev Saúde Pública, 29(1):63-74, São Paulo 1995.

 

VASCONCELOS, E. M. Educação popular: de uma prática alternativa a uma estratégia de gestão participativa das políticas de saúde. Physis, Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 67-83, Jun. 2004.  Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-73312004000100005&lng=en&nrm=iso> Acesso em: 25 jun. 2015.