Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Criando o poder popular e a emancipação do cuidado em saúde – a experiência da Frente de Saúde Popular numa ocupação urbana organizada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto
Sarah Barbosa Segalla, Henrique Sater de Andrade, Carine Marie Vasconcellos Sales, Pedro Andrade Sá Corrêa, Pedro Gomes Almeida de Souza, Ana Carolina Carvalho de Araújo Pôrto, Gabriela Pires da Rosa, Fabiana Batista de Siqueira Xavier

Última alteração: 2015-11-02

Resumo


APRESENTAÇÃO: A Frente de Saúde Popular da ocupação 6 de abril de 2010 foi construída a partir de um projeto de extensão vinculado à Liga de Saúde da Família da Universidade Federal Fluminense, que já atuava numa comunidade periférica do município de São Gonçalo, em experiência descrita em outro trabalho também submetido para este Congresso. A ideia das pessoas que compõem o projeto era trabalhar a questão da saúde a partir de uma perspectiva popular, com a intenção de contrapor o modelo médico-centrado e medicamentalizante que hegemoniza as práticas de saúde na sociedade. O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), por sua vez, levou até o grupo a necessidade de criar uma experiência de cuidado em saúde para atender as necessidades que já surgiam em outras ocupações e que convergem com as demandas pelo direito à cidade. A união dessas intenções culminou na criação de uma frente popular, um espaço de cuidado em saúde construído a partir de demandas e necessidades de saúde da população que integrou a ocupação. O trabalho baseou-se em criação de referências comunitárias, cuidados preventivos e promotores de saúde e assistência básica centrada no autocuidado e no uso de plantas medicinais e medicamentos fitoterápicos.   DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Inicialmente organizamos uma farmácia com plantas medicinais, medicamentos fitoterápicos e alopáticos e alguns materiais básicos para situações circunstanciais que poderiam surgir no dia-a-dia da ocupação. A partir dos primeiros dias de vivência na ocupação, observamos a necessidade de intervenção preventiva nos casos de insolação e desidratação e começamos a distribuir água e protetores solares para as pessoas que construíam seus barracos e estavam expostas ao sol durante as atividades. Posteriormente, criamos um espaço para repouso, escuta e atendimentos gerais, como curativos, aferição de pressão, avaliação e exame físico. O convívio diário com a população nos permitiu expandir o cuidado a partir da escuta, potencializando o diagnóstico das necessidades e a criação de vínculo, além de possibilitar a partilha das tarefas de distribuição de água, protetores solares e repelentes e confecção dos chás medicinais, e a captação de referências comunitárias para construir a frente de saúde. Ao fim da ocupação, a partir da experiência que tivemos e de questionários familiares aplicados pelo próprio movimento com as famílias cadastradas, construímos eixos de intervenção para prosseguir o trabalho nos núcleos organizados pelo MTST com a população que aguarda a construção das casas em decorrência da luta vitoriosa. Os eixos principais são: 1) Fitoterapia: neste eixo, reconhecemos o conhecimento prévio dos indivíduos nucleados sobre plantas medicinais e, a partir da troca de saberes, produzimos oficinas de confecção de medicamentos tópicos e sistêmicos para o uso na própria comunidade, promovendo e estimulando o saber popular, o autocuidado e a emancipação das pessoas em relação aos serviços de saúde, tradicionalmente médico centrados e desautonomizantes. 2) Mulheres: a partir deste eixo promovemos reuniões temáticas de mulheres, a fim de questionar a posição inferiorizada das mulheres na sociedade patriarcal, a partir de atividades sobre estética, autoestima, violência de gênero, gestação e violência nos serviços de saúde. 3) Meio ambiente: no qual promovemos atividades sobre água, produção de alimentos e saneamento, com o objetivo de prevenir a aquisição de doenças, promover hábitos saudáveis e potencializar a capacidade de luta por direito a condições dignas e saudáveis de vida na cidade. O trabalho segue em construção.   Impactos: A frente de saúde popular foi à primeira experiência longitudinal de saúde numa ocupação organizada pelo MTST e demonstrou ter muita potência na construção de autonomia, através da geração de autocuidado e do estímulo ao uso de práticas populares, como o uso de plantas medicinais. A vivência numa ocupação organizada por um movimento social permite ir além dos objetivos tradicionais de projetos de extensão comunitária, pois nos possibilitou a geração de atividades com o verdadeiro compromisso de transformação social que a educação popular propõe. Somente a partir da experiência real, pudemos nortear os trabalhos posteriores nas comunidades nucleadas e, sem o envolvimento durante a ocupação, teríamos muita dificuldade para nos inserir nas comunidades e alcançar legitimidade entre a população. A experiência consistiu também numa estratégia de criação de vínculo entre as pessoas da comunidade em formação e os estudantes e profissionais de saúde que a compunham. A riqueza da troca de saberes provocou mudanças nas posturas de todas as pessoas envolvidas, gerando autonomia naqueles que sempre foram “pacientes”, silenciados e submissos, e ampliando a capacidade de escuta e respeito dos profissionais e futuros trabalhadores das práticas de saúde. Além disso, todos e todas agregamos conhecimentos ao repertório terapêutico que conhecemos, para muito além do que a academia nos ensina e impõe. Também fomos provocados diversas vezes pelo caráter terapêutico da própria luta, que pudemos presenciar em vários personagens que cruzaram nosso caminho, a princípio adoecidos e impotentes, e hoje lideranças comunitárias e protagonistas das próprias vidas. São essas pessoas que nos ajudam a prosseguir os trabalhos e manter a convicção de que somente a luta muda a vida. CONSIDERAÇÕES FINAIS: A extensão popular se mostra como um caminho muito mais potente de transformação da academia, através da relação com a comunidade real, do que da relação com indústrias e empresas, que normalmente são os parceiros das universidades na extensão. Para além da academia, promove a construção de um conhecimento sistemático e palpável na vida das pessoas, através da troca de saberes e da construção de protagonismo. A construção de frentes populares de saúde é uma prática que pode ser aplicada em comunidades organizadas ou não, e que tem a potência de ampliar a autonomia das pessoas sobre seus corpos e suas vidas, através do cuidado consigo mesmas e com os outros indivíduos de sua comunidade. Também é uma prática que promove a solidariedade, a auto-organização e a disseminação de uma cultura não violenta e afetuosa entre indivíduos. A sistematização da experiência que tivemos possibilita revisitar nossas práticas e pensar próximas atividades do projeto de extensão que estamos construindo. Além disso, temos a chance de compartilhar a experiência com outros coletivos que desejam pôr em prática ações de educação popular em saúde em comunidades Brasil afora.

Palavras-chave


Educação Popular; Extensão Popular; Fitoterapia; Movimentos Sociais; Saúde