Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Residência Multiprofissional em Saúde: Potencializando o SUS
Ana Carolina Cerqueira Medrado, Juliana Jesus Baião, Maraíze Gomes Cruz, Milena de Almeida Souza

Última alteração: 2015-10-22

Resumo


O presente trabalho trata-se de um relato de experiência de uma enfermeira, uma psicóloga, uma farmacêutica e uma fisioterapeuta na Residência Multiprofissional em Saúde da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), área de concentração saúde mental. A Residência Multiprofissional caracteriza-se como uma formação realizada no SUS e para o SUS e foi criada a partir da promulgação da Lei n° 11.129 de 2005. Classifica-se como uma pós- graduação lato sensu, com duração de 24 meses, carga horária semanal de 60 horas, carga horária total de 5.760 horas, distribuídas entre atividades práticas e teórico-práticas, com ênfase na carga horária prática.  Atendo-se ao Programa de Residência da UNEB, núcleo saúde mental este se distingue por estar alinhado aos ideais da Reforma Psiquiátrica brasileira. Assim sendo, os campos de estágio-trabalho são, prioritariamente, os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) de Salvador e as áreas técnicas de saúde mental das secretarias de saúde municipal e estadual. O objetivo precípuo dos programas de residência é especializar os profissionais de saúde, todavia, a atividade destes trabalhadores também provoca transformações nos locais de estágio-trabalho. Dessa forma, os objetivos desse relato são: compreender a contribuição da referida residência na formação de profissionais para trabalhar na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS); relatar as consequências da inserção das citadas residentes nos campos de estágio-trabalho onde atuaram.  É relevante frisar que a entrada nos citados espaços configurou-se como a primeira experiência na área da maioria das profissionais em questão, algumas sequer tiveram a disciplina saúde mental na graduação e uma delas teve contato incipiente. Por conta disso, a inserção no campo gerou uma série de inquietações nas profissionais: algumas perceberam a atuação nos CAPS como uma diluição do seu saber e não conseguiram, a priori, delinear intervenções nesse contexto. Isso devido às peculiaridades do processo de trabalho no CAPS, que se caracteriza como clínica ampliada, indo além do saber psiquiátrico e priorizando a horizontalidade das relações. Imbuídas de uma nova concepção de saúde mental, as residentes puderam desenvolver interconsultas, oficinas construídas a partir dos saberes de cada uma, ações de educação em saúde visando à integralidade, bem como a articulação da rede a partir dos diversos olhares dessas profissionais. Outra dificuldade que surgiu foi à emersão de alguns preconceitos sobre transtornos mentais, principalmente relacionados aos usuários de drogas. Contudo, esses problemas iniciais foram superados e a equipe transformou-se em um grupo, desenvolvendo vários projetos visando à interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade. Além da importância do intercâmbio multidisciplinar entre as autoras nos campos de prática, é importante salientar que parte do componente teórico foi desenvolvido junto com os outros núcleos do programa de residência, o que permitiu a troca de experiências entre profissionais ainda mais diversos como nutricionistas, fonoaudiólogos e enfermeiros de ênfases como oncologia e UTI; promovendo a ampliação das concepções de saúde em direção à proposta da integralidade. Outro diferencial que se deve considerar é a possibilidade de passagem do residente por múltiplos campos da saúde mental (CAPS II, CAPS ad, CAPS ia e gestão), o que permitiu que as profissionais tivessem uma visão expandida da RAPS, pois se viabilizou o conhecimento das diversas formas de atuação clínica em cada um dos espaços de assistência, bem como um aprofundamento no planejamento e implementação das políticas públicas de saúde a partir do trabalho nas secretarias de saúde. No tocante às repercussões nos locais de atuação, o primeiro ponto que podemos considerar é o impacto da presença das residentes nos usuários do CAPS. Os usuários receberam as residentes de forma calorosa e acolhedora. O processo de vinculação com eles foi um dos principais motivadores para o trabalho. Algumas oficinas coordenadas pelas residentes tiveram grande adesão dos usuários, de maneira tal que foram mantidas por alguns profissionais após a saída das residentes do CAPS. Contudo, é importante pontuar que a saída dessa equipe trouxe consequências para os usuários, que, a priori, podem ser vistas como negativas: alguns usuários ficaram bastante entristecidos e até enraivecidos. Mas, parte-se da perspectiva que os usuários não devem ser tutelados, que as despedidas são eventos corriqueiros na vida e que devem ser trabalhadas dentro dos CAPS. Outra reverberação ocorreu na equipe dos serviços: enquanto alguns profissionais enxergaram as residentes como parceiras de trabalho, outros as encararam como ameaças. A receptividade de cada equipe foi determinante para o processo de intervenção das residentes. Entretanto, de maneira geral, realizaram-se interconsultas, acolhimentos, coordenação de oficinas, ações de educação em saúde. Essa postura ativa gerou disputas, discordâncias, debates e conflitos nos campos. Chegou-se ao ponto de se questionar o papel das residentes e em muitos momentos diversas iniciativas foram tolhidas. As tensões foram importantes para movimentar os serviços e promover um movimento instituinte dentro dos CAPS: casos foram revistos, oficinas novas surgiram e os espaços físicos foram reconfigurados. Uma das soluções para contornar os embates foi à construção de um canal de diálogo entre a academia e os campos de estágio-trabalho através de encontros de tutoria que aconteceram uma vez por mês. As tutorias objetivaram discutir problemas da realidade concreta dos serviços das residentes e tratá-los a partir de uma perspectiva teórica e metodológica. Os temas eram levantados pelas residentes juntamente com os preceptores e relacionavam-se com dificuldades percebidas no serviço. A partir disso, artigos sobre a temática foram selecionados e debatidos com as equipes. Os encontros de tutoria foram apontados pelos profissionais como um espaço exitoso para a educação permanente em saúde, promovendo um lócus para discussão e reflexão, o que reforça a importância de trazer os referenciais teóricos para o campo de prática. Compreende-se que um dos objetivos dos programas de residência seria esse, potencializar o SUS, assumindo um compromisso social com o sistema de saúde do país e com a Reforma Psiquiátrica. Foi perceptível que alguns serviços ainda não entendem o papel dos residentes, ora querendo controlar suas ações, ora usando-as para preencher lacunas. Porém, tanto as autoras do texto, quanto a equipe dos locais pelos quais passaram, avaliam a residência de forma positiva. Para que as dificuldades sejam suavizadas, sugere-se, além da manutenção dos encontros de tutoria, que sejam feitas parcerias com determinados campos, fazendo com que seja corriqueira a passagem de residentes pelo serviço. Salienta-se que nos CAPS onde já ocorre essa parceria ao longo dos anos, a atuação desses profissionais é recebida com menos atritos. Referente à formação de profissionais para a RAPS, acredita-se que a residência apresenta um diferencial na medida em que promove uma intersecção entre a teoria, à prática e a política, repercutindo na militância em relação às questões da saúde mental. Entretanto, vale questionar a desvalorização desses profissionais que são formados no SUS e para o SUS, já que em processos seletivos a titulação da residência tem o mesmo peso que as demais especializações nas provas de título, o que dificulta a absorção desses profissionais pelo sistema público de saúde. Apesar da relevância dos programas de residência para a formação de profissionais e fortalecimento do SUS, é preciso destacar a precarização dos programas de maneira geral, não há ajuda de custo e estes encontram obstáculos para se manterem, entre as dificuldades está à composição de um quadro de profissionais ligado aos programas como tutores e preceptores para acompanhar as práticas e professores qualificados para ministrar as aulas do componente teórico.

Palavras-chave


Residência Multiprofissional em Saúde; Sistema Único de Saúde; Formação Profissional.