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Avaliação funcional na atenção básica: um relato de experiência
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
A perspectiva biopsicossocial preconizada pela saúde coletiva impõe vários desafios aos profissionais de saúde. Dentro deste contexto, o fisioterapeuta tem como principais dificuldades encontradas com relação a sua inserção na atenção básica a sua formação acadêmica com inadequações nas grades curriculares; assim como a história da criação da profissão, que apresentava um caráter reabilitador, com atuação na atenção terciária, com demanda inicial por reabilitação; bem como as legislações vigentes, que caracterizam a assistência fisioterapêutica com caráter predominantemente curativo e reabilitador (RIBEIRO, 2002). Além disso, os próprios atores sociais desconhecem a prática de integralidade, conforme Silva e Da Ros apontaram em 2007. Sendo assim, é grande o esforço para se definir a atuação desse profissional na assistência primária pelo fato de haver pouca experiência acumulada nesse nível assistencial. Para Bispo Júnior, em 2010, é imperioso adquirir outros conhecimentos necessários à nova prática profissional. O fisioterapeuta deve aproximar-se de saberes da epidemiologia, que poderá oferecer conhecimentos quanto à distribuição das doenças nas coletividades, sua magnitude e potenciais fatores de risco, e das ciências sociais, que poderão desvelar os fatores culturais, comportamentais e religiosos do processo saúde-doença, bem como subsidiar a contextualização da realidade histórico-social na determinação do risco. Nesse contexto, cabe à comunidade fisioterapêutica, incluindo também os conselhos da categoria, sindicatos da classe e universidades, fazer uma releitura de seus fundamentos e análise de sua prática, com vistas a adaptar-se a essa nova realidade e contribuir para a mudança do quadro social e sanitário do país, com vistas à melhoria das condições de saúde da população. O objetivo deste trabalho é relatar a experiência da fisioterapia na elaboração e aplicação de um instrumento para avaliação da situação funcional dos usuários na atenção básica. Este questionário foi construído por fisioterapeutas residentes do curso de Residência Multiprofissional de Saúde da Família da Fundação Estatal Saúde da Família, em parceria com a Fiocruz, no município de Camaçari na Bahia. Este instrumento foi construído no período de agosto a setembro de 2015. A necessidade de realizar a avaliação da situação funcional dos usuários na comunidade vem das inquietações que surgiram na vivência do território, por exemplo: “Como a fisioterapia pode contribuir para a realidade sanitária do município de Camaçari?”; “Dispomos de ferramentas adequadas para o diagnóstico e análise do território que dialoguem com as diretrizes da atenção básica?”. Inicialmente pensou-se na elaboração de uma ficha de avaliação, porém devido à abrangência da atuação da fisioterapia teria que ser criada uma ficha para cada área. Surgindo assim a ideia de trabalhar com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), através de um questionário de coleta com perguntas simples e resposta direta, positiva ou negativa, sobre cada tema, baseado na CIF para uso dos profissionais e dos agentes comunitários. A utilização dessa ferramenta será precedida de uma capacitação sobre a CIF aos profissionais da equipe de referência e aplicação do questionário preliminar piloto pelas fisioterapeutas. A utilização da CIF proporciona uma gama de informações sobre saúde do indivíduo facilitando e ampliando as possibilidades de diagnóstico e intervenção baseada na funcionalidade e incapacidade, e não apenas em uma patologia (Araújo; Buchalla, 2013). O questionário elaborado contém as seguintes perguntas: Possui transporte para se deslocar fora de casa (ônibus, carro particular, mototaxi, taxi, outros)?É capaz de deslocar-se dentro de casa usa andador, cadeira de rodas, corrimão, rampas, outros?Possui rede de apoio emocional, afetivo e de proteção (familiares, amigos, vizinhos, conhecidos, membros da comunidade, profissionais de saúde e cuidadores formal, outros)?Já fez ou faz alguma reabilitação (fisioterapia, fonoaudiologia, terapia ocupacional, outras)?Na residência possui serviços de utilidade pública (água, eletricidade, iluminação pública, saneamento básico, coleta de lixo)?Necessita de adaptação na rua, na calçada, no semáforo?Tem acesso a serviços de saúde (USF, UPA, laboratórios, especialidade, hospital e outros)?Há na sua comunidade reguladora de oferta de serviços (conselho local de saúde, associação de bairro, outros)? 10. É capaz de concentrar, observar e interagir com outras pessoas? 11. É capaz de tomar decisões? 12. Possui alguma dificuldade para ouvir? 13. É capaz de falar e conversar? 14. Consegue se movimentar na cama, sentar sozinho, levantar da cama, andar, correr e outros? 15. Frequentou ou frequenta escola regularmente? 16. Precisou de alguma adaptação da escola para o aprendizado? 17. Autocuidado (lavar-se, escovar os dentes, vestir-se, comer, beber e outros)? 18. Realiza tarefas domésticas (varrer, lavar roupas, cozinhar)? 19. Possui trabalho remunerado? 20. Consegue adquirir o necessário para viver? 21. Necessita de alguma adaptação no ambiente de trabalho para o desenvolvimento das atividades? 22. Possui vida comunitária: Tem problema em participar de atividade recreativa e de lazer na comunidade (jogos, esportes, teatro, cinema e museus, atividades religiosas? 23. Nível de vulnerabilidade e risco social próximo de onde mora (Existem córrego, área de possível desabamento, inundações ou tempestades; área de poluição e/ou de elevada violência urbana)? 24. Situação e condição de moradia (a situação e as condições de moradia são um problema para a pessoa com deficiência? Observar se a residência ou instituição é adaptada e o grau de privacidade; observar se a residência é própria, alugada, cedida, de favor, invadida, assentamento, pessoa em situação de rua; se é construção de alvenaria, madeira, taipa, e demais situações A construção deste instrumento foi importante para ampliar o olhar da fisioterapia sobre os usuários e a realidade do território, bem como visualizar de forma sistemática os diversos fatores que limitam o usuário na realização de suas atividades de vida diária. Tem-se a expectativa que com informações sobre a funcionalidade da população seja possível apoiar as equipes da atenção básica, a Equipe de Saúde da Família e o Núcleo de Apoio à saúde da Família na construção de intervenções mais eficazes e especificas como projeto terapêutico singular (PTS). A experiência vivida pelo grupo de fisioterapeutas na construção de um instrumento que avaliasse a funcionalidade de usuários da comunidade e os fatores associados à limitação na execução de suas atividades cotidianas contribuiu com a ampliação do olhar destes profissionais sobre a saúde da população e a diversidade de ações e interações necessárias para a efetiva intervenção e mudança na qualidade de vida do usuário.
Palavras-chave
Fisioterapia;CIF;Funcionalidade;Atenção Básica
Referências
Araújo ES, BuchallaCM. Utilização da CIF em fisioterapia do trabalho: uma contribuição para coleta de dados sobre funcionalidade. Acta Fisiatr. 2013.
Bispo Junior, PJ. Fisioterapia e saúde coletiva: desafios e novas responsabilidades profissionais. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2010, vol.15.
RIBEIRO, K. S. Q. A atuação da fisioterapia na atenção primária à saúde. FisioterapiaBrasil, v.3, n.5, p.311-318, 2002.
SILVA, Daysi Jung da; ROS, Marco Aurélio da. Inserção de profissionais de fisioterapia na equipe de saúde da família e Sistema Único de Saúde: desafios na formação. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 6, Dec. 2007.