Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Habitação saudável? Perspectivas sobre os impactos da habitação no tratamento oncológico
Sabrina da Silva Souza, Daniele Baptista Brandt

Última alteração: 2016-01-06

Resumo


O câncer de mama é uma doença crônica não transmissível que incide majoritariamente na população feminina, cuja estimativa do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva (INCA) para o biênio 2014-2015 foram previstos 57.120 casos novos, com um risco estimado de 56,09 casos a cada 100 mil mulheres. É considerada a maior causa de morte em mulheres em todo mundo, a segunda causa de morte por câncer nos países desenvolvidos atrás do câncer de pulmão e a maior causa de morte por câncer nos países em desenvolvimento (INCA, 2014). O câncer de mama exige tratamento continuado em curso prolongado, que pode envolver diferentes modalidades terapêuticas, como realização de cirurgia, tratamento quimioterápico, radioterapêutico, hormonioterápico e cuidados paliativos. Nas últimas décadas foi construído um importante acúmulo de conhecimento na área da saúde, a partir do qual a saúde passou a ser compreendida enquanto resultado de diferentes fatores relacionados às condições de vida e trabalho do sujeito. Segundo a Lei Orgânica da Saúde (Lei nº 8.080/1990), ela tem como determinantes e condicionantes diversos fatores, dentre os quais a habitação. Entretanto, este direito social não se encontra universalizado devido à desigualdade entre ricos e pobres no acesso a terra, como também ao alto custo da produção e manutenção da moradia, que empurra os pobres cada vez mais, para as periferias. A partir da inserção como assistente social residente em um hospital de referência para atendimento ao câncer de mama, situado na cidade do Rio de Janeiro, foi possível observar como a questão habitacional afeta a vida dos sujeitos com este tipo de neoplasia e, até mesmo em alguns casos, impondo limites à continuidade do tratamento proposto. Dessa maneira, considera-se que a habitação constitui uma variável importante a ser considerada na definição do plano de cuidado do usuário, bem como para a formulação de políticas públicas voltadas para a atenção integral e intersetorial à saúde da população. Esse elo entre saúde e habitação, se materializa a partir do entendimento de como a apropriação do espaço urbano pode impactar no tratamento de saúde, seja relacionado ao diagnóstico ou ao acesso às diferentes modalidades do tratamento. Ainda que o tratamento seja realizado no Sistema Único de Saúde, gratuito e universal, onera aos usuários, suas famílias e/ou sua rede social de apoio, já que há custos agregados que reduzem a disponibilidade de recursos para necessidades como alimentação, moradia, educação, entre outras, contribuindo para o seu empobrecimento (BRASIL, 2011). Metodologia: Neste sentido, o presente trabalho consiste em um relato de experiência, que tem como objetivo provocar a reflexão sobre os impactos que a habitação pode apresentar no tratamento oncológico e sobre a necessidade de sua abordagem no contexto da atuação interdisciplinar e intersetorial. Para tanto, adotou-se como metodologia a realização de pesquisa bibliográfica de produções relacionadas às temáticas de saúde, universalidade, integralidade, intersetorialidade, questão social, questão habitacional e habitação saudável, bem como de pesquisa documental de legislações, planos e programas dos Governos Federal, Estadual e Municipal relacionados às políticas de saúde e de habitação. Resultados: Os resultados foram analisados à luz do método materialista histórico-dialético, de Karl Marx, que permite compreender a realidade através de suas múltiplas e contraditórias determinações, suscetíveis ao movimento da história e passíveis de constante transformação. Considerando a questão habitacional enquanto uma das expressões da questão social e, portanto, do conflito travado entre o capital e o trabalho diante da partilha desigual da riqueza socialmente produzida, ela manifesta a desigualdade de acesso à infraestrutura, aos equipamentos e serviços urbanos e sociais, ou seja, ao exercício do direito à cidade e à saúde. Os resultados preliminares da pesquisa permitem afirmar que a habitação perpassa o tratamento oncológico através de distintas formas, tais como: quando ocorre dificuldade de acesso ao tratamento de saúde, seja ela devido aos altos custos do transporte individual ou coletivo, como também aos longos deslocamentos entre a moradia e a unidade de saúde; quando consideramos os altos custos das moradias que reduzem a disponibilidade de recursos financeiros das famílias para outras necessidades básicas; quando a ausência de infraestrutura urbana ou de saneamento básico interfere na recuperação da saúde, na continuidade do tratamento e, sobretudo, no uso do espaço urbano enquanto manifestação do direito à cidade e à saúde; quando a habitação com alta densidade de moradores interfere no acesso a outros direitos sociais do paciente com câncer devido a critérios de elegibilidade restritos, baseados exclusivamente na renda. Ponderamos também, que no atual contexto de redução do Estado na área social, ocorrem outras repercussões, como por exemplo, a fragmentação e a focalização das políticas sociais públicas, que evidenciam como o sistema de proteção social brasileiro ainda permanece desarticulado em suas diferentes esferas de governo é insuficiente para dar respostas à multiciplidade das demandas das pessoas com doenças crônicas não transmissíveis. É tangível observar ainda, que a questão habitacional vem sendo abordada em sua articulação com a saúde através do conceito da habitação saudável que atribui à moradia papel importante para a prevenção de risco ou agravo à saúde. Contudo, em sua maioria, os estudos ainda encontram-se voltados para a promoção de saúde entendendo a atenção básica como espaço privilegiado para reflexão. Assim, pondera-se que esta questão não vem recebendo o mesmo destaque quando o sujeito é acometido por uma doença crônica não transmissível e passa a realizar um tratamento de saúde na atenção terciária. Surge então a necessidade de estudos que contemplem os demais níveis de atenção à saúde, que considerem a habitação como determinante e condicionante da saúde e que abordem não apenas as condições sanitárias, mas, também, as condições globais de moradia, que envolvam o acesso à terra, produção de moradia, coabitação, localização, infraestrutura, acesso a equipamentos e serviços públicos, dentre outros. Acreditamos que abordar essa relação a partir do cotidiano de tratamento de uma doença crônica não transmissível como o câncer de mama, permitirá um olhar diferenciado sobre a questão, uma vez que as condições de moradia não constituem fator de risco ou agravo para esta doença, mas, são fundamentais para a garantia de uma assistência integral à saúde.

Palavras-chave


saúde; oncologia; habitação

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