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Promoção de Saúde em Ocupações no Centro de São Paulo
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
As ocupações urbanas no centro da cidade de São Paulo caracterizam-se pelo ato de invadir imóveis/propriedades abandonados e transformá-los em moradia. Encontram-se em território conflituoso, haja vista que atuam em oposição ao princípio de propriedade e às atuais transformações urbanas no centro da cidade. A permanência e as condições de vida nas ocupações não é fácil. Além do risco constante de ações de reintegração de posse, as famílias têm que enfrentar situações precárias de moradia: cortes no fornecimento de água e luz, problemas na vedação, ausência de saneamento básico, acesso difícil aos andares superiores dos prédios mais altos, riscos de incêndio, grande número de vetores como ratos e baratas e etc. A equipe de saúde da família da UBS-Sé, tem em seu território de abrangência 3 ocupações: Ocupação Florêncio de Abreu, Ocupação do Carmo e Ocupação Tabatinguera, caracterizadas por uma densidade grande de moradores, com uma divisão irregular dos espaços internos dos prédios, a realização de ligações elétricas irregulares e o número reduzido de banheiros são alguns dos pontos que causam grandes riscos à saúde desta comunidade. O trabalho desenvolvido junto a essas famílias foi de educação e promoção à saúde identificando e monitorando os riscos e as condições de saúde, realizamos um levantamento do acesso e acondicionamento da água, condições de saneamento básico, monitoramento de vetores (Aedes Aegypti, escorpiões, ratos, baratas), condições de armazenamento de alimentos, imunização, levantamento das crianças que estão fora da escola, monitoramento de violência dentre outros. Uma das primeiras ações realizadas foi a de monitoramento da água, visto que o número de crianças com diarreia e dificuldade em ganho de peso era muito grande, foi feito orientações sobre a forma de acondicionamento da água, a lavagem dos recipientes, o uso de hipoclorito e a ressaltado a importância destas ações. O saneamento básico é uma das questões mais complicadas em ocupações, pois há um número reduzido de banheiros para uma densidade muito grande de moradores, e a limpeza não acontece de forma adequada, as crianças têm contato com dejetos e o odor causa muito incômodo, foi realizado a identificação dos banheiros e o número de pessoas que utilizam e através de orientações foi feito a limpeza com hipoclorito e a divisão da responsabilidade de manutenção da limpeza pelos moradores. Como em alguns pontos das ocupações não há acesso a eletricidade, o armazenamento de alimentos fica comprometido, causando alterações gastrointestinais pelo consumo de alimentos inadequados, foi realizado o remanejamento de refrigeradores para pontos comuns para beneficiar o maior número de famílias, e orientado o acondicionamento adequado de alimentos não perecíveis. Os vetores são outro assunto muito difícil, os ratos trazem grande transtorno aos moradores, houve caso de crianças com enurese noturna por conta de não poder levantar da cama devido a quantidade de ratos no chão, junto a zoonoses conseguimos algumas iscas e veneno e dispomos em locais estratégicos, além de realizar uma orientação intensiva sobre as formas de controle dos 4 As (acesso, água, abrigo, alimento). Junto ao conselho tutelar identificamos todas as crianças fora da escola e pleiteamos junto a defensoria público o acesso dos mesmos, os casos de violência são numerosos, devido a densidade de pessoas ser muito grande os conflitos se fazem numerosos também, o que fazemos e um monitoramento contínuo para identificar os casos e encaminhá-los dentro dos fluxos estabelecidos. As estratégias para o trabalho nas ocupações são dinâmicas e se desenvolvem conforme o cenário vigente no momento das ações, apesar de todas as dificuldades ficamos muito contentes em ter desenvolvido ações junto aos moradores, em particular com as crianças, adolescentes e os portadores de deficiências. É muito gratificante desenvolver oficinas de brinquedos com material reciclado, uso de palhaços para incentivar a lavagem de mãos, reuniões de saúde bucal e escovação, grupos de puericultura, jornal mural, promover seções de cinema com filmes que os fazem refletir sobre sua condição de vida, sobre planos futuros, sobre possibilidades. A atuação com a abordagem em saúde mental é o grande mote que temos para amenizar mesmo que momentaneamente as condições de vida dos moradores que cuidamos. Um dos desafios para o desenvolvimento das ações é a presença do tráfico de drogas e seus trâmites dentro das ocupações, já houve caso de agentes comunitários que foram utilizados como escudo, a dificuldade de acesso em determinados locais ou a determinadas famílias devido a ordens dos chefes do tráfico. O poder paralelo dos traficantes é um dos problemas que mais nos preocupa quando estamos na ocupação, pois os códigos de regras a ser seguido pelos moradores impedem muitas vezes de identificar casos de violência. O risco da policia realizar uma abordagem enquanto estamos lá ou quando há acerto de contas entre eles causa uma ansiedade na equipe quanto a segurança dos seus membros na realização das ações propostas. Outro fator é quando temos que levar membros de outros serviços ex: zoonoses, arte educadores, e o acesso tem de ser negociado e planejado conjuntamente com os “chefes” das ocupações. Considerando o processo de cuidado e promoção de saúde nas ocupações do centro de São Paulo, verifica-se desafios diários, pois há mudanças no cenário das ações constantemente, outro fator encontrado e a rotatividade dos moradores, há intercâmbio entre as ocupações e muitas vezes há visitas programadas, mas a família já foi deslocada para outra ocupação. O planejamento das ações pela equipe de saúde da família é realizada semanalmente para estar sempre atualizada com as modificações que acontecem nas ocupações, há sempre a preocupação de organizar o trabalho de forma intersetorial, tendo como colaboradores profissionais de diversas áreas como biólogos, sanitaristas, farmacêuticos, arquitetos e educadores. O estabelecimento do vínculo com estas famílias propicia a validação das orientações de saúde realizadas e as ações programadas, verificando-se uma melhora visível nas condições de saúde desta população, porque estar junto a comunidade no local de moradia e identificar os riscos e formas de intervenção no ambiente conjuntamente com as famílias, faz com que a efetividade do trabalho realizado seja otimizado e a possibilidade de ofertar um trabalho que diminua as iniquidades e atue tentando minimizar os determinantes sociais de saúde seja uma realidade, com ações concretas de cuidado à saúde dos moradores.
Palavras-chave
promoção saúde, ocupações