Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Caminhando com o usuário-guia na construção do cuidado em saúde pela Rede de Atenção à Saúde da Pessoa com Deficiência – uma produção de vida
NEREIDA LÚCIA PALKO DOS SANTOS, RAQUEL MIGUEL RODRIGUES, Nubia Garcia Vianna, Dayane Brichi de Morais, Clara Oliveira Esteves, Jane de Carlos Santana Capelli, Lorena Fagundes Ladeia Vitoria-Regis

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


O trabalho em tela trata de uma análise preliminar vinculado a pesquisa “Criação de Observatório Microvetorial de Políticas Públicas em Saúde e Educação em Saúde” no sub-projeto “Analise Microvetorial de dispositivos normativos e legais relacionadas ao cuidado à saúde de pessoas com deficiência” (CEP parecer número 876.415 de 18/11/2014). O caso em análise se dá a partir do usuário-guia tomado a partir da AMADA (Associação Macaense do Deficiente Auditivo), com o reconhecimento de que a produção das redes de atenção à saúde não é apenas uma produção normativa, mas também uma produção micropolítica no sentido que trabalhadores, gestores e usuários as forjam e disputam, assim, como o usuário-guia, seguimos uma cartografia desses encontros em torno da produção de cuidado (1). A partir do recorte apresentado, formulamos o objetivo de conhecer o caminho produzido pelo usuário com deficiência auditiva para a construção do cuidado em saúde. O desenvolvimento da presente pesquisa toma a lógica de que “todos somos cartógrafos” (2; 3) nos lançando na aposta metodológica do usuário-guia como ferramenta de pesquisa. O usuário-guia ao nos possibilitar percorrer seus caminhos na rede de atenção à saúde, oferta uma perspectiva da própria rede, em dobra de processos de construção e de avaliação do cuidado em saúde, multidimensionalmente. Assim, a equipe pesquisadora-trabalhadora-discente-preceptores do Pet-redes saúde auditiva, formula um campo reflexivo à luz do questionamento: Qual usuário mobiliza, incomoda,tensiona, etc. a rede de atenção à saúde? A partir dos encontros, para a elaboração da problemática em foco, emergiu o caso de “R”, caso que caminha pela rede formal, informal, interna e externa ao município de Macaé / RJ. O nomadismo do usuário do diagnóstico até conseguir um implante coclear é o que implicava a maioria dos trabalhadores/preceptores envolvidos, o que evidenciou esse caso como usuário-guia para a pesquisa. Assim, trata o presente de um estudo qualitativo, descritivo que utilizou como técnica de coleta de dados o grupo focal e a entrevista semiestruturada individual gravada em dispositivo eletrônico. Os dados foram transcritos e as narrativas dos participantes analisadas. Caminhos de “R”: N., mãe de Ré casada, do lar, natural do interior da Bahia, já era mãe de um menino de 8 anos quando engravidou de gêmeos. Por incentivo da avó materna de “R”, decidiu se mudar para uma cidade maior que pudesse contar com um Hospital, a família (marido e o filho) se mudaram para Itabuna, na Bahia. Aos sete meses de gestação, entrou em trabalho de parto. Os gêmeos nasceram por parto normal num Hospital de Itabuna e ficaram 2 meses internados. R. teve alta 3 dias antes do irmão. Ambos não realizaram o “teste de orelhinha”. O problema auditivo do R. fica perceptível para mãe algum tempo depois do irmão, que apresentou sintomas de atraso do desenvolvimento mais evidentes. Na busca por outras possibilidades de cuidado dos filhos, em 2009 “N” mudou para Macaé, os gêmeos, nesse momento, já tinham 01 ano de idade. Assim que chegou em Macaé, por indicação da cunhada, logo agendou consulta com um neurologista no Centro de Especialidades Médicas para um dos gêmeos que, se apresentava "molinho" de acordo com a mãe. O diagnóstico logo foi feito, de "paralisia cerebral" e a mãe iniciou também a reabilitação no Centro Municipal de Reabilitação. Quando R. já tinha uns “dois anos e pouco” é que a mãe começou a perceber que havia algum problema com ele. Relata que R. não falava nada, já com dois anos, não falava nem mamãe nem papai, que só gritava e apontava. Ela o chamava e ele não olhava, "(...) achava até que era pirraça". Então, a mãe decidiu levá-lo a uma fonoaudióloga no Centro Municipal de Reabilitação, local que seu outro filho (irmão gêmeo de R.) realizava fisioterapia. Porém, de acordo com a mãe: "toda fono que levava elas questionavam o porquê que ela estava levando o filho, que precisavam de um laudo". Caminhando com “N” e “R”, fomos tomando dimensões da estrutura local, com centros de especialidades (des)conectados, a invisibilidade da atenção básica (AB), a baixa resolutividade do sistema de regulação, e da organização de fluxos a partir dos dispositivos normativos para o acesso. Para “N” e “R”, que buscam por uma “rede temática de atenção à saúde”, a rede que dê resolutividade à pessoa com deficiência, a AB não é o local procurado para nortear o caminho a ser percorrido, e concomitantemente a incipiência dos fluxos e conexões entre a AB e a rede de atenção à pessoa com deficiência ganha evidência na dimensão de barreira aos caminhos de “R” no sistema de saúde. No Centro de Especialidades o neurologista e o otorrino solicitaram o exame BERA para uma nova rota no caminho de “R”, a regulação municipal, buscada sem sucesso para o agendamento do exame, conseguido por “N” a partir de contatos na rede pessoal que foi construindo e no centro municipal de reabilitação. Após o exame, foram encaminhados para a AMADA, que a partir da fonoaudióloga e do serviço social deslanchou o encaminhamento para o implante coclear. Através da AMADA, “R” teve a inscrição realizada em três serviços: Hospital Universitário da UFRJ, Hospital das Clínicas de São Paulo - HC e Hospital de São José do Rio Preto. Ainda na AMADA, uma estação de cuidado que se formaliza em seu caminho, conseguiu subsidio para a viagem e hospedagem para o implante no HC. Neste percurso, a mídia local contribuiu na aquisição de recursos ao expor as necessidades financeiras para o tratamento de “R”. Nesse caminho, realizou o BERA, a aquisição de aparelhos auditivos, a preparação para implante coclear, culminando com o implante aos três anos. No caminho com “R”, seguimos pela rede de atenção à saúde e os pontos de barreira e acesso, como pelos espaços de formulação de um sistema de saúde na construção do cuidado. Destacamos a AB e a descontinuidade da formação de rede, incluindo o espaço da atenção especializada, como também da regulação, uma possibilidade de olhar para os arranjos micropolíticos do cotidiano (4), nos quais, apesar da existência de uma rede estabelecida: com Teste Auditivo Neonatal no principal Hospital Público e no Centro Municipal de Reabilitação; com regulação para realização de exames complementares e tratamento fora domicílio; com equipamento BERA disponível no Centro Municipal de Reabilitação; com parceira com a AMADA para reabilitação, é possível notar que o fato de existir oferta de serviços não é suficiente para a produção do cuidado quando a articulação não se efetiva como rede de atenção. Considerações Finais: A ideia de rede viva buscando outros espaços para além dos serviços de saúde, buscar alternativas para além dos protocolos a partir de conexões/encontros e produções não pertencentes a nenhum lugar específico da rede de serviços, possibilitando dar mais visibilidade aos caminhos que o usuário percorre. Se por um lado, podemos observar uma necessidade ou sofrimento vivido pelo usuário, por outro os encontros, desencontros, barreiras e acessos, arranjos, negociações e “jeitinhos”, com o que podemos chamar de rede viva, pode ser constituída nos atos de inter-relacionamento com todo o aparato destinado a prover para si o seu cuidado (4). O caráter provisório que a rede viva nos remete, a busca de possibilidades de aprofundamento das características e movimentos micropolíticos, dados nos encontros de existências.

Palavras-chave


Política Pública; Deficiência Auditiva; cuidado em saúde

Referências


2. DELEUZE G; GUATTARI F. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. vol. 3. 1ª edição; 4ª reimpressão. São Paulo: Editora 34, 2008.

1. EPS EM MOVIMENTO. Usuário guia. 2014. Disponível em: <http://eps.otics.org/material/entrada-experimentacoes/usuario-guia>. Acesso em: 20 de abril de 2015.

3. ROLNIK S. Cartografia sentimental: transformações contemporâneas do desejo. Porto Alegre: Sulina; Editora da UFRGS, 2007.

4. Merhy EE; Gomes MPC; Silva E, Santos MFL; Cruz KT; Franco TB. Redes Vivas: multiplicidades girando as existências, sinais da rua. implicações para a produção do cuidado e a produção do conhecimento em saúde. Divulgação em Saúde para Debate. RIO DE JANEIRO, N. 52, P. 153-164, OuT 2014.