Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Percursos e obstáculos de um transexual: Uma história de vida
Karen Weingaertner del mauro, Ana Paula Gossmann Bortoletti

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: O transexual ismo possui vários significados de acordo com a necessidade de aplicação, seja ela biomédica através de um CID, seja jurista em artigos de leis, porém para este trabalho as que mais se adéquam são as definições dadas por Luiz Alberto David Araújo1 e Letícia Lanz2. Luiz Alberto David expõe que não há dúvida de que o transexualismo é uma alteração da psique. Essa alteração, se examinada em cotejo com o padrão de regularidade (identificação do sexo psicológico com o sexo biológico), dificulta a integração social, que deve ser vista sob o prisma do transexual (como sujeito de direitos e obrigações como todos nós) e não sob o prisma da maioria, que, num primeiro momento, segrega, rejeita e impede essa integração." Para Letícia Lanz: “Pessoa “trans” é aquela que está em permanente “trans-formação”, disposta a “trans-por” todos os obstáculos. É aquela pessoa que “trans-gride” regras e padrões de conduta, “trans-mitindo” à sociedade, de forma absolutamente “trans-parente”, novas ou inexploradas possibilidades de realização. Pessoa “trans” é aquela que “trans-cende” a si mesma, tentando expressar ao mundo a pessoa que ela realmente é, em vez da pessoa que o mundo acha que ela deveria ser.” . O direito à saúde no Brasil é fruto da luta do Movimento da Reforma Sanitária e está garantido na Constituição de 1988, que em suas diretrizes estabelece o acesso a saúde como sendo universal e igualitário. Quando consideradas estas diretrizes em muito nos deparamos com o seguinte questionamento: Universal e igualitária para quem? Nos fizemos esta pergunta porque, estes termos haveriam de ser livre de preceitos e preconceitos em sua prática, porém sua aplicação dá-se por pessoas com histórias, costumes e certezas. Sob esta perspectiva o Ministério da Saúde lançou em 2013 a Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais (LGBT), que tem como marca o reconhecimento dos efeitos da discriminação e da exclusão no processo de saúde-doença da população LGBT. Suas diretrizes e seus objetivos estão, portanto, voltados para mudanças na determinação social da saúde, com vistas à redução das desigualdades relacionadas à saúde destes grupos sociais3. Objetivo: Este texto tem como objetivo compartilhar a breve história de vida de uma transexual até sua decisão de realizar a cirurgia de redesignação de sexo. Descrição da experiência: Este trabalho provém de um estudo acadêmico realizado em um hospital universitário no Sul do Brasil. Para a realização deste estudo de caso, foi selecionada uma paciente que submeteu previamente a uma cirurgia de redesignação de sexo. Foram respeitados os aspectos éticos e a identidade da paciente permaneceu em sigilo. Resultados: M.E.L. (nome fictício) nasceu em dezembro de 1980 na cidade de Porto Alegre. Relatou que desde muito cedo já notava que era diferente das outras crianças, pois não se identificava como um menino. Entre seus 6/7 anos de idade já tinha certeza que havia alguma coisa errada, pois não se via como homem, sempre teve medo de expor o que sentia. Aos 12 anos enquanto brincava com as primas, sentiu vontade de vestir as roupas das tias também, foi quando seu pai entrou no quarto e o tirou de lá com força gritando que filho dele não era marica e que assim que atingisse a maioridade o levaria em um “puteiro”. Foi relatado que por toda sua adolescência sempre foi amigo das meninas, pois sempre se identificou mais com elas. Com isso sempre foi alvo de piadas entre os garotos. Sua mãe descobriu que um amigo que ele tinha era “boiola” (gay) e o proibiu de andar com ele. Neste momento a M.E.L. relatou que enfrentou a mãe e disse que continuaria sendo amigo dele, pois era “boiola” também. A partir disso sua mãe não opinou, nem questionou mais suas amizades, mas nunca teve coragem de adentrar o assunto. Aos 14 anos seu pai, com 47 anos, faleceu após um AVC.  Comenta que por mais que tenha sentido a perda, diz que Deus foi bom levando seu pai mais cedo, pois não saberia agir se seu pai ainda fosse vivo. Aos 19 anos tomou coragem e contou como se sentia para a madrinha, sempre teve um afeto maior por ela. Relatou que não esperava a resposta que obteve, pois, sua madrinha lhe disse que sempre notara algo diferente nele, porém nunca quis questionar, pois aguardou uma atitude do afilhado. Após um ano relatou tudo para sua mãe, a qual não aceitou e negou o que estava ouvindo; M.E.L. disse que se ela não a aceitasse iria embora viver sua vida como sempre desejou. Com isso, sua mãe aceitou o caso, pois não queria que seu filho a deixasse morando sozinha. Relatou que com 23 anos começou a fazer programas em busca de prazer, nunca precisou contar com o dinheiro que recebia para sobreviver. Aos 25 anos iniciou tratamento hormonal por conta própria, fez a escolha do hormônio por pesquisa “boca de urna” com suas amigas. Aos 33 anos iniciou tratamento para o HIV. Soube através de amigas sobre a cirurgia de redesignação de sexo e foi até a UBS solicitar o encaminhamento para participar do programa, evidenciou que buscou o atendimento com um único propósito: o encaminhamento para o grupo, pois não gostava do atendimento recebido na UBS, por parte de alguns funcionários. Apesar de ter um nome feminino, o médico da unidade desrespeitava sua identidade de gênero chamando-a sempre por seu nome masculino. Após dois anos em participação assídua no grupo e realizada todas as consultas, foi encaminhada para o urologista onde foi agendada a data em que seria realizado o procedimento. Internou no hospital em maio de 2015, a cirurgia foi realizada no dia 8 de maio. Considerações Finais: Por meio deste estudo de caso, pôde-se observar as dificuldades enfrentadas por membros do grupo LGBT, tanto no que tange o círculo familiar e social, quanto no acesso aos serviços. Observou-se o preconceito no acesso a atenção básica, ao modo que era preferível pagar por uma consulta particular, ou mesmo, permanecer doente, do que procurar atendimento e ser exposta ao preconceito. Trazendo à tona o questionamento: Universal e igualitário para quem? Considera-se, a importância de debates acerca do tema com as equipes de saúde, principalmente na atenção básica considerada a porta de entrada da população. É de suma importância que esta porta permaneça aberta para que todo e qualquer usuário dos serviços de saúde, incluindo a população LGBT sejam acolhidos e atendidos com dignidade e livre de preconceitos.

Palavras-chave


Transexualismo; Políticas Públicas; Sexismo

Referências


  1. Júnior E C C.O apud Luiz Alberto David Araújo. Transexual e a cirurgia de redesignação de sexo. 2003.
  2. Nery J W apud Lanz L. Viagem Solitária - Memórias De Um Transexual 30 Anos Depois. 2011.
  3. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão Estratégica e Participativa. Departamento de Apoio à Gestão Participativa. Política Nacional de Saúde Integral de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. Ministério da Saúde; Brasília (DF): 1. ed., 1., 2013.