Anais do 12º Congresso Internacional da Rede Unida
Suplemento Revista Saúde em Redes ISSN 2446-4813 v.2 n.1, Suplemento, 2016
Mudanças no Processo de Trabalho de Egressos de um Curso de Especialização em Saúde da Família
Leika Aparecida Ishiyama Geniole, Alessandro Diogo De-Carli
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
APRESENTAÇÃO: A Estratégia Saúde da Família é o modelo de atenção à saúde adotado pelo Sistema Único de Saúde (SUS); os princípios que a caracterizam estão em consonância às diretrizes da atenção primária à saúde. (GIL, 2006). Para que estas diretrizes sejam contempladas, os profissionais de saúde precisam ter competências que fogem ao seu núcleo de formação, demandando estratégias que possibilitem a adequação destas para contemplar as necessidades do SUS. Assim, espera-se que os recursos humanos inseridos na ESF sejam capazes de atuar de forma interdisciplinar e integralmente, na manutenção da saúde de seus usuários (SAUPE et al, 2005; CARVALHO et al, 2006). Em se tratando de competências para a atuação na área da saúde, a Educação Permanente em Saúde (EPS) tem se limitado a apoiar e fortalecer competências já existentes (ANDRÉ et al, 2013). Para que os profissionais atuassem segundo os pressupostos apresentados, foi preciso adotar medidas para ampliar as competências, principalmente daqueles já inseridos no SUS. O Ministério da Saúde, através da Universidade Aberta do SUS (UnA-SUS), vem promovendo cursos de especialização para qualificação desses profissionais, através de cursos a distância, permitindo desta forma o alcance dos profissionais dos mais diversos pontos do país (BRASIL, 2010). Assim, a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), em parceria com a UNA-SUS, Fiocruz – Mato Grosso do Sul e com as Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, vêm promovendo o Curso de Especialização em Atenção Básica em Saúde da Família (CEABSF), desde agosto de 2010, a distância. Qualificaram-se, até o momento, cerca de 1.000 profissionais na especialidade de Saúde da Família de todo o estado. Tendo finalizado o curso de duas turmas dessa especialização, faz-se necessário verificar se os objetivos foram ou não alcançados, se o ensino foi promotor de ações transformadoras da realidade, considerando-se o planejamento e a superação de fragilidades desse processo para a formação das turmas futuras. A necessidade de se avaliar o processo de ensino-aprendizagem se justifica porque os cursos em questão são realizados com recursos públicos, os quais devem ser empregados de forma a possibilitar impactos positivos, especialmente na área da saúde, setor crítico para o avanço do desenvolvimento da sociedade. O objetivo desse estudo foi verificar a ocorrência de mudanças no processo de trabalho de profissionais egressos do CEABSF, tendo como eixo norteador a aplicação dos atributos da APS (ANDRÉ et al, 2013) e das diretrizes apontadas na Portaria 2488 de outubro de 2011 (BRASIL, 2011). OBJETIVO: verificar a ocorrência de mudanças no processo de trabalho dos profissionais egressos de um Curso de Especialização em Saúde da Família. MÉTODOS: Trata-se de um estudo quantitativo, de corte seccional, baseado em dados primários, realizado no período de fevereiro a abril de 2014, no município de Campo Grande (MS). Os sujeitos do estudo foram os egressos das turmas 1 e 2 do Curso de Especialização em Atenção Básica em Saúde da Família (CEABSF), residentes no município de Campo Grande, MS. Utilizou-se como critério de inclusão o fato de que, para participarem do estudo, os voluntários deveriam estar atuando na mesma equipe de ESF desde o início do curso até um ano após seu término. O universo da pesquisa foi de 101 profissionais. Destes, 14 profissionais foram excluídos por não aderirem ao critério de inclusão, ficando a amostra composta por 87 indivíduos, dentre os quais 36 eram cirurgiões-dentistas, 48 enfermeiros (as) e 3 médicos (as). Os participantes responderam ao Questionário 01 e 02, que foram elaborados com o auxílio de especialistas da área de saúde coletiva/metodologia científica, tendo seu conteúdo norteado pela realidade local. As informações foram coletadas nos locais de trabalho, através de agendamento prévio. O Questionário 1 foi elaborado em escala Likert (5 níveis), um tipo de escala de resposta psicométrica, utilizada para verificar o nível de concordância relativo a uma afirmação. Essa escala tem sensibilidade a manifestações de qualidade, capta a oposição entre contrários (níveis de concordância e discordância), gradientes e situações intermediárias (PEREIRA, 2001). Os entrevistados foram orientados a escolher entre diversas opções, assinalando a que mais se aproximava da sua atitude ou opinião. Este instrumento abordou as seguintes dimensões relacionadas aos atributos da APS: o entendimento desta como a porta de entrada do sistema de saúde, a atenção centrada no sujeito, a longitudinal idade das ações e o processo de trabalho (ESCOREL et al, 2007). As questões constituintes do instrumento de pesquisa versaram sobre o agir em saúde que está sob a governabilidade dos participantes da pesquisa, enquanto trabalhadores em saúde. Não foram questionadas mudanças que envolvam ações de terceiros (recursos materiais/humanos), apesar de não ser possível dissociar completamente estes componentes. Em seguida, os voluntários responderam a quatro questões objetivas compostas por assertivas de “a” a “e” (Questionário 02), as quais admitiam apenas uma resposta e confirmavam ou não as respostas do Questionário 01. Os dados foram tabulados e submetidos à estatística analítica (Software Stata v.13), considerando-se a significância de 95% (p< 0,05). A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob o protocolo nº 1947 (CAAE 0033.0.049.000-11). RESULTADOS: A soma dos escores do questionário não apresentou aderência à distribuição da curva normal (teste Kolmogorov-Smirnov, p< 0,05), o que indicou a execução de testes estatísticos não-paramétricos. Foi realizado o Teste de Mann-Whitney (para comparação entre o mesmo grupo, considerando dois momentos diferentes) para todas as questões em escala Likert. Todos os questionamentos tiveram diferenças estatisticamente significativas, comparando-se antes e depois da realização do CEABSF (p< 0,05). Observamos melhora na adequação do microprocesso de trabalho na ESF. Ao se considerar a soma dos escores das respostas frequentemente e sempre referentes aos principais atributos da APS, a diferença entre antes e depois do curso foi relevante. Em relação ao acolhimento, este era realizado por 33,32% dos profissionais antes do curso e após o curso por 82,75% dos profissionais. A utilização das ferramentas de abordagem familiar era realizada por 12,63% e, após o curso, 40,22% passaram a utilizá-las. Os egressos passaram a utilizar os dados de vigilância em saúde para planejar as ações de promoção à saúde mudando de 20,68% (antes) para 71,26% após o curso. Já os Determinantes Sociais de Saúde (DSS) passaram a ser considerados em suas ações de intervenção por 71,25% dos profissionais, contrastando com antes do curso, quando 29,88% trabalhavam com os mesmos. A EPS passou a ser uma ação presente dentro das equipes de saúde, de 35,62% previamente ao curso, para 71,25% após o curso. Estes achados são corroborados pelos resultados do somatório dos escores da escala Likert. Antes do curso, a média dos escores foi de 23 pontos (±6,85), com coeficiente de variação de 28,65%; valor mínimo de 10 e máximo de 46, mediana de 22 pontos. Após o curso, a média dos escores foi de 39,94% (±6,10), coeficiente de variação de 15,27%; valor mínimo de 26 e máximo de 57 pontos; mediana de 41 pontos. A análise de confiabilidade do Questionário 01, com uso do teste Alpha de Cronbach, resultou em α1=0, 6949 e α2= 0, 689, para as respostas referentes a antes e depois do curso, respectivamente. CONCLUSÃO: o curso desencadeou mudanças significativas nos processos de trabalho. No entanto, somente a adequação de competências profissionais não é suficiente para responder às demandas apresentadas pela população.
Palavras-chave
Avaliação; Estratégia Saúde da Família; Educação de Pós-Graduação.
Referências
ANDRÉ, A. M.; TRENCH, M. H.; SANTELLE, O. Tendências de gerenciamento de unidades de saúde de pessoas. Rev Saúde Pública 2013;47(1):158-63.
BRASIL. Decreto 7385 dezembro 2010. Brasília, 2010. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2010/Decreto/D7385.htm> Acesso em 24 de setembro de 2014.
BRASIL. Ministério da Saúde - DAB. Portaria nº 2488, de 2011. Aprova a Política Nacional de Atenção Básica, estabelecendo a revisão de diretrizes e normas para a organização da atenção básica. Brasília, DF. 2011. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2011/prt2488_21_10_2011.html> Acesso em: 17 jul. 2013.
CARVALHO, Y. M.; CECCIM, R. B. Formação e educação em saúde: aprendizados com a saúde coletiva. In: CAMPOS, G. W. S.; MINAYO, M. C. S.; AKERMAN, M.; DRUMOND JÚNIOR, M.; CARVALHO, Y. M. Tratado de Saúde Coletiva. Hucitec, 2006; 1-35.
ESCOREL, S.; GIOVANELLA, L.; MENDONÇA, M. H. M.; SENNA, M. C. M. O Programa de Saúde da Família e a construção de um novo modelo para a atenção básica no Brasil. Rev. Panan Salud Publica 2007;21(2): 164-75.
FRANCO, T. B.; BUENO, W. S.; MERHY, E. E. O acolhimento e os processos de trabalho em saúde: o caso de Betim, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 1999;15(2):345-53.
GIL, C. R. R. Atenção Primária, atenção básica e saúde da família: sinergias e singularidades no contexto brasileiro. Cad. Saúde Pública 2006;6(22): 1171-81.
PEREIRA, J. C. R. Análise de Dados Qualitativos: estratégias metodológicas para as ciências da saúde, humanas e sociais. 3 ed. São Paulo: Edusp, 2001.
SAUPE, R.; CUTOLO, L. R. A.; WENDHAUSEN, A. L. P.; BENITO, G. A. V. Competência dos profissionais da saúde para o trabalho interdisciplinar. Interface- Comunicação, Saúde, Educação 2005;9(18):521-36.