Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
Abordagens metodológicas diferenciadas para a territorialização: experiência da Estratégia Saúde da Família – Manguinhos/RJ
Isabella Koster, Giselle Pereira Marques, Douglas da Silva Souto, Erika Encarnação Arent, Luciana dos Santos Ribeiro, Patrícia Evangelista da Silva, Nelithon da Silva Rangel, Daniela Rocha Pinto de Jesus

Última alteração: 2016-03-06

Resumo


A (re) divisão das áreas de adscrição das equipes é uma necessidade constante na Estratégia Saúde da Família (ESF) devido ao caráter vivo e dinâmico dos territórios e implementações das políticas públicas de saúde e urbanização no Brasil. Tradicionalmente, a territorialização na ESF é realizada com base em informações dos censos demográficos e o mapeamento organizado em setores censitários, porém tem levado à algumas distorções após a implantação das equipes. Segundo Goldstein et al (2013), usualmente os dados dos censos demográficos são superiores aos obtidos nos cadastros do Sistema de Informação da Atenção Básica. Apesar de estes instrumentos serem potentes para o planejamento, reduzem a análise do território pelo consagrado fim administrativo, limitando o seu potencial e as possibilidades na identificação de questões de saúde e iniciativa de intervenções concreta na realidade cotidiana das coletividades humanas (Santos e Rigotto, 2010). Com o desenvolvimento do trabalho nos territórios, a identificação das distorções passam a ser reconhecidas, conduzindo aos ajustes necessários, em especial pensando em maior igualdade dos usuários no acesso. Manguinhos representa esse caráter e essa tradição, geradores de iniquidades e fragmentações na territorialização, inclusive ocasionando descontinuidades territoriais, sendo sempre realizado sob o domínio das urgências gerenciais. Atualmente, a cobertura das 20 comunidades deste bairro é realizada por 13 equipes, em duas unidades básicas, com diferenças significativas entre elas na proporção de pessoas/famílias. Observa-se essa iniquidade também intraequipe, pelas microáreas. Em 2013, este território recebeu mais cinco novas comunidades, por consequência do redesenho territorial do Município do RJ, frente a expansão da ESF, impulsionando a gestão local para o desafio de redivisão do território, em busca inclusão destas comunidades, e na equação do problema da iniquidade e ajustes cartográficos. Assim, objetiva-se neste relato de experiência demonstrar a aplicabilidade de abordagens metodológicas diferenciadas na territorialização na ESF, participativas e mediadoras dos desequilíbrios produzidos pelo caráter vivo do território e da organização do trabalho. A (re) territorialização de Manguinhos foi estruturada em três etapas inter-relacionais e em simultaneidade: mobilização e elaboração do plano, operacionalização participativa da redivisão e monitoramento. Inicialmente, realizou-se uma oficina com integrantes da gestão, do Núcleo de Apoio ao Saúde da Família e representações dos Agentes Comunitários das equipes para elaboração das diretrizes e mobilização, formando um grupo de trabalho ampliado com os gestores e ACS representantes. Este grupo projetou e coordenou o plano de trabalho contendo os seguintes componentes: qualificação da informação das fichas de cadastro por meio do fortalecimento do processo de trabalho dos ACS; mapeamento e geoprocessamento com o desenvolvimento de instrumentos de georeferenciamento das informações e qualificação dos mapas virtuais; análise do risco e vulnerabilidade por meio da Escala de Risco Familiar de Coelho e Savassi (2004) adaptada e aplicada ao banco de dados informatizado do SIAB, utilizada intensamente como fator mediador entre o número de famílias, pessoas e recortes geográficos, representado a essência da metodologia desta (re) territorialização; o monitoramento das ações, por meio de constantes relatórios obtidos tanto das bases informatizadas e reuniões periódicas entre o GT e todos os trabalhadores, tendo como o espaço principal a Educação Permanente; e por fim, a gestão participativa que envolveu o desenvolvimento de estratégias permanentes de inclusão dos trabalhadores e da população na tomada de decisões, dando destaque ao processo de renomeação das equipes, visto que há tempos a correlação dos nomes a comunidade de cobertura já não representava mais a realidade e era fator de confundimento para as equipes que cobriam mais do que uma comunidade. O modo de operação da redivisão partiu da aplicação da análise do risco familiar, número de famílias e pessoas sobre o território observado em quatro quadrantes. Envolveu a aferição de risco em 13.923 famílias cadastradas com 43.384 indivíduos, em composição com o cálculo das projeções populacionais dos novos territórios para o estudo das médias entre as equipes. Destas, 4.108 encontravam-se em risco, estratificados em 2.209 em Risco 1, 1.114 em Risco 2 e 757 em Risco 3, sem considerar a população das novas comunidades, ainda não cadastradas. A análise destacou a inequidade entre equipes e/ou microáreas, onde as mais populosas possuíam um maior quantitativo de famílias em risco. Por exemplo, enquanto numa equipe se observou o cadastro de 698 famílias, sendo 291 em situação de risco, com 2193 pessoas, noutra haviam 1087 famílias, sendo 561 em situação risco, com 3679 indivíduos. A partir destas análises, a redivisão das áreas de cada equipe foi pensada inicialmente pelo grupo de trabalho por quadrantes e dialogada com todos os trabalhadores passo a passo. Em seguida, a redivisão das microáreas, foi realizada com a participação das equipes, em especial dos ACS. A migração dos bancos de cadastro familiar foi realizada conjuntamente com a equipe de apoio à informação e monitorada constantemente pelos relatório emitidos pelo sistema de informação, a cada (re) divisão de equipe. Esse processo se iniciou em maio de 2014 e finalizou em agosto de 2015, considerando inclusive a migração do banco de cadastros, ajustes territoriais específicos e processo de mudança participativa dos nomes das equipes. Os principais desafios envolveram considerar a perda de informações pelo lapso natural entre a atualização dos dados do sistema e a vida real, assim como a mediação e negociação dos conflitos inerentes a ruptura dos vínculos da população com as equipes e unidades e dos trabalhadores vista as perdas e ganhos que aparentemente sobrecarregam ou amenizam a carga de trabalho. Percebeu-se que o mesmo desafio acima foi catalizador de uma renovação de vínculos com a população, ou seja, a apropriação do novo desenho territorial levou a uma necessidade de reconhecimento da microárea pelo ACS e por consequência um aumento de cadastros familiares que não estavam ainda vinculadas. Em tempo, pretende-se ainda realizar uma nova análise do risco familiar, primeiro pela observação do grau de qualificação da informação em decorrência da breve atualização dos dados cadastrais gerados pela apropriação dos ACS de seus novos territórios e segundo para a constatação se os objetivos foram alcançados. Mas de um modo em geral, observa-se que a distribuição entre as equipes estão próximas ao planejado em termos de famílias e pessoas, considerando o risco familiar e a melhoria dos desenhos cartográficos das áreas adscritas. Vale considerar que a produção de equidade na proporção de pessoas/famílias nas equipes é favorecer a melhoria do acesso ao Sistema Único de Saúde.

Palavras-chave


Territorialização, Risco Familiar, Estratégia Saúde da Família, Equidade.

Referências


Coelho FLG, Savassi LCM. Aplicação de escala de risco familiar como instrumento de organização das visitas domiciliares. RBMFC, vol. 1, número 2 (2004), p.19- 26.

Goldstein, R.A. et al. A experiência de mapeamento participativo para a construção de uma alternativa cartográfica para a ESF. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v.18, n.1, Jan.2013.

SANTOS, Alexandre Lima; RIGOTTO, Raquel Maria. Território e territorialização: incorporando as relações produção, trabalho, ambiente e saúde na atenção básica à saúde. Trab. educ. saúde (Online), Rio de Janeiro, v. 8, n. 3, p. 387-406, Nov.  2010.