Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Encaminhamentos escolares para a atenção primária em saúde: motivos, desafios e paradigmas para formação de uma rede intersetorial
Maria Luiza Marques Cardoso, Djalma Vieira Cristo Neto

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


APRESENTAÇÃO: Este trabalho pretende apresentar pesquisa em desenvolvimento no município de Betim/MG, cujo objetivo é entender o fluxo de encaminhamentos escolares para a atenção primária em saúde e os desafios na formação de uma rede intersetorial entre a educação e a saúde. Nos últimos anos, o número de crianças encaminhadas pelas escolas aos serviços de saúde na cidade de Betim/MG, com destaque para a atenção primária em saúde, tem aumentado de forma significativa. Estudos relacionados à psicologia escolar revelam que 60% dos encaminhamentos de discentes aos serviços de saúde têm como principal alegação dificuldades de aprendizagem ou problemas associados ao comportamento em sala de aula e/ou fora dela. A grande maioria das instituições de ensino parece responsabilizar e culpabilizar apenas os alunos e suas famílias pelo fracasso no desenvolvimento escolar (PATTO, 1981 e SILVA, 2002). Estudos investigativos com profissionais de saúde que atendem esta demanda indicam que a sua compreensão dos problemas escolares também reside nos alunos (âmbito emocional e cognitivo) ou no meio sociocultural das famílias, reforçando a característica de o problema não residir, em qualquer medida, nos processos pedagógicos, de ensino ou na própria estrutura escolar (CABRAL; SAWAYA, 2001). Nesse contexto, a condução dos casos de encaminhamentos escolares à atenção primária em saúde é feita de modo basicamente individualizado, abrangendo, quando muito, a família da criança ou adolescente encaminhado, a partir de uma perspectiva biomédica curativa que ignora a importância das implicações pedagógicas, institucionais, culturais e comunitárias nas questões de ensino-aprendizagem escolar. Por outro lado, as diretrizes do Sistema Único de Saúde brasileiro ressaltam a importância da intersetorialidade na agenda pública. A intersetorialidade está associada predominantemente à articulação dos setores da saúde com outros setores governamentais para planejamento e desenvolvimento de ações conjuntas, dentre eles, a educação. A formação de uma rede intersetorial de trabalho entre a educação e a saúde pode estabelecer formas de encaminhamentos e atendimentos de problemas escolares de modos mais condizentes com os princípios e propostas do SUS. Contudo, a construção de redes intersetoriais de trabalho entre a educação e a saúde para atender os encaminhamentos escolares envolve vários desafios. É sobre estes que a pesquisa aqui apresentada se debruça, enfocando a realidade de uma Unidade de Atenção Primária à Saúde (UAPS) de Betim/MG, onde a pesquisa está sendo desenvolvida. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: O presente estudo está sendo realizado como trabalho de conclusão do curso de Residência Multiprofissional em Saúde da Família, realizado em Betim/MG através da parceria entre a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e a prefeitura do município. Desenvolvido por um enfermeiro residente e orientado por uma psicóloga, professora da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, a pesquisa visa dar um olhar interdisciplinar para a questão. Seu percurso metodológico, de caráter qualitativo, está sendo desenvolvido através de pesquisa de campo que se baseia no mapeamento articulado da realidade da unidade de saúde e das escolas de sua área de abrangência. Três estratégias metodológicas foram definidas. A primeira envolve entrevista individual, com roteiro semiestruturado, de três coordenadores pedagógicos de três escolas (educação infantil, ensino fundamental e ensino médio) da área de abrangência da unidade de saúde, bem como do assistente social e da psicóloga da equipe de saúde mental dessa unidade, que foram escolhidos por serem os membros da equipe que mais recebem encaminhamentos escolares. Essas entrevistas visam identificar a motivação dos encaminhamentos escolares, identificarem experiências, desafios e possibilidades da intersetorialidade, entre a escola e o serviço de saúde. A segunda estratégia é a observação participante nas reuniões de matriciamento entre as Equipes de Saúde da Família (ESF) e o Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF). A terceira estratégia refere-se à análise de prontuários para entendimento dos motivos dos encaminhamentos escolares que chegaram à UPAS nos últimos dois anos. Para o desenvolvimento do trabalho, embasamo-nos nas seguintes hipóteses sobre a ausência de uma rede intersetorial de trabalho entre a UAPS escolhida e as escolas de sua área de abrangência: - Subutilização do Programa Saúde na Escola (PSE) como apoiador na atenção aos encaminhamentos escolares; - Falta de comunicação adequada entre os entes envolvidos: Educação, Família e Saúde; - Desconhecimento de manejo clínico das situações que envolvem os encaminhamentos escolares na UAPS; - Permanência de uma cultura institucional que foca suas atividades em especialidades, com a divisão dos problemas em unidades funcionais, sem um pensamento sistêmico, com foco em uma rede de trabalho. ANÁLISE E CONSIDERAÇÕES SOBRE A PESQUISA: A pesquisa em desenvolvimento terá o mapeamento de campo finalizado até dezembro de 2015, quando a análise dos dados coletados e elaboração do relatório serão realizadas. Por ora, destacamos que, no levantamento já feito, constatou-se que, em 2014, foram recebidos 29 casos de encaminhamentos de queixas escolares na UAPS, dado observado em atendimentos de acolhimentos, bioestatística e encaminhamentos específicos à unidade de saúde dentro do rol de atenção em saúde mental. Este fato despertou atenção, pois, se comparado com o ano de 2013 quando foram recebidos três casos, houve um aumento registrado de 900% no recebimento de queixas escolares. Em 2015, observou-se a manutenção do crescimento no número de encaminhamentos escolares. Até o mês de julho deste ano, a unidade havia recebido 40 encaminhamentos desse tipo. Constatou-se ainda que os encaminhamentos escolares feitos não possuam qualquer contato prévio e uma referência por parte da escola. Como consequência, a contrarreferência por parte da saúde torna-se também inexistente. Observa-se uma situação calcada no paradigma higienista e biomédico, com o mero deslocamento do problema, sem a discussão e a construção para uma atenção integral à criança ou ao adolescente encaminhado. No entanto, dentro das propostas do ESF e do PSE, espera-se a prestação de uma assistência que vá além do corpo biológico e que seja capaz de alcançar os seres humanos em sua complexidade e integralidade (FINKELMAN, 2002). Outro aspecto relevante observado até o momento indica que as práticas escolares também estão alicerçadas em um modelo de concepções higienistas e compensatórias, com o devido confinamento social. Esse modelo solidifica a concepção de que toda atenção à saúde é executada pelos serviços desta área, sem o devido planejamento e operacionalização integrados aos outros serviços de assistência do Estado (MARANHÃO, 2000). Não se compreende a saúde como um fenômeno complexo e de grande magnitude, construído no modo como vivemos e organizamos o nosso cotidiano, interagindo com o ambiente físico, psicológico e social. Como desconstruir as lógicas observadas? Como propor a organização e a operacionalização de uma rede efetivamente intersetorial entre a saúde e a educação, cujo principal objeto seja uma atenção dos profissionais envolvidos em ambos os campos que não se resume apenas a alguns procedimentos específicos dos chamados riscos biológicos, físicos e químicos? Quais os desafios a serem assumidos e trabalhados para que a rede intersetorial seja implementada no município de Betim/MG? A proposta da pesquisa aqui apresentada é contribuir para a elucidação dessas questões, para construção de uma rede saúde-educação que compreenda e atue diante dos problemas dos alunos nas escolas através dos múltiplos aspectos – sociais, culturais, institucionais, pedagógicos, familiares, cognitivos, emocionais, biológicos – que os perpassam.

Palavras-chave


Rede intersetorial saúde e educação; Queixas escolares; Atenção primária à saúde

Referências


CABRAL, E.; SAWAYA, S. Concepções e atuação profissional diante das queixas escolares: os psicólogos nos serviços de saúde. Estudos de Psicologia (Natal), 6, 143-155, 2001.

FINKELMAN, J. Evolução das políticas e do sistema de saúde no Brasil. In: FINKELMAN, J. Caminhos da saúde pública no Brasil. Rio de Janeiro: Fio Cruz, 2002, p.237-95.

MARANHÃO, D.G. O cuidado como elo entre a saúde e educação. Cadernos de Pesquisa, nº 111, p. 115-133, dezembro/2000.

PATTO, M.H.S. Introdução à Psicologia Escolar. São Paulo: T. A. Queiroz, 1981.

SILVA, S.M.C. A constituição do desenho da criança. São Paulo: Mercado das letras, 2002.