Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
A formação multiprofissional em saúde: uma experiência de trabalho interdisciplinar através da metodologia da Oficina
Maria Luiza Marques Cardoso, Mônica Hallak Costa

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA DA INTERVENÇÃO: A presente comunicação objetiva apresentar o relato de uma intervenção promovida pela equipe de profissionais residentes do curso de pós-graduação Residência Multiprofissionais em Saúde da Família, realizado em Betim/MG através da parceria entre a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e a prefeitura do município. As Residências Multiprofissionais em Saúde (RMS) se constituem como uma alternativa proposta pelo Ministério da Saúde, em parceria com o Ministério da Educação, para o fortalecimento de práticas interdisciplinares em saúde e para a formação de profissionais que sejam capazes de construir uma leitura crítica das dinâmicas de trabalho encontradas no contexto da saúde pública. Além disso, espera-se que esses profissionais, após os dois anos de formação, possam atuar em consonância com os princípios e diretrizes do SUS (BRASIL, 2006). Em Betim, a Residência Multiprofissional em Saúde da Família (RMSF) foi instituída em 2014 e aglutina profissionais de cinco áreas: enfermagem, fisioterapia, odontologia, psicologia e serviço social, distribuídos em duas Unidades de Atenção Primária a Saúde (UAPS). Quando inseridos nesses campos de prática, os residentes têm o apoio de um preceptor de campo da sua categoria profissional e recebem orientação teórica e metodológica realizada por professores tutores da Pontifícia Universidade Católica da Minas Gerais. A experiência aqui relatada envolveu todos os profissionais da Residência no desenvolvimento de uma proposta de intervenção voltada para os agentes comunitários de saúde e lideranças comunitárias da região. O projeto da intervenção foi elaborado sob a supervisão das autoras deste trabalho, a partir de um diagnóstico realizado nas duas unidades de saúde onde os residentes atuam. No diagnóstico foram detectadas dificuldades dos agentes comunitários de saúde e lideranças comunitárias compreenderem o fluxo para os encaminhamentos em casos que envolviam violências em suas diversas formas, abuso e violação de direitos ou mesmo condições patológicas agudas ou crônicas em saúde. Reconhecendo a importância do processo permanente de qualificação das ACS’s e seu papel multiplicador junto à comunidade, a intervenção propôs a realização de encontros periódicos para tratar de temas relevantes para o Programa Saúde da Família, promovendo um espaço de interlocução entre os residentes, profissionais de saúde, lideranças comunitárias e representantes sociais. A intervenção visou sensibilizar as ACS’s, lideranças comunitárias e representantes de instituições sociais acerca de temáticas que envolvem a saúde da mulher, do homem, saúde mental, saúde da criança/adolescente, saúde do idoso e questões ligadas às diversas formas de violência e violação de direitos que atravessam essas temáticas. Nesse contexto, objetivou-se permitir a compreensão da complexidade das demandas relacionadas à Saúde da Família, bem como os fluxos das redes de assistência disponíveis no município de Betim e região metropolitana de Belo Horizonte/MG. Assim, pretenderam-se capacitar os participantes dos encontros para se tornarem multiplicadores dos conhecimentos, vivências e experiências compartilhadas. A escolha da metodologia da Oficina: desenvolvimento do trabalho para a condução dos encontros, os residentes, orientados por nós, elegeram a metodologia da Oficina. Como ressalta Afonso (2006), a Oficina é direcionada para o trabalho com grupos, com número variável de encontros que têm foco em uma ou algumas questões centrais que o coletivo se dispõe a trabalhar. É útil nas áreas da saúde, educação e ações comunitárias. A Oficina propõe um trabalho que utiliza a difusão de informações e conhecimentos sobre o tema foco do encontro. Contudo, o trabalho envolve ainda, de forma fundamental, o processo de elaboração dos significados afetivos e vivências relacionadas ao tema pelos participantes. Por isso, a Oficina não é uma proposta apenas pedagógica-educativa. Por outro lado, não é um grupo de terapia, pois possui um tema-foco e é sobre ele (e não sobre questões pessoais) que os participantes devem trabalhar suas emoções e experiências. Essa proposta se baseia na articulação de contribuições de teorias sobre os pequenos grupos: a Teoria de Campo de Kurt Lewin, a Psicodinâmica Grupal em Freud, Bion e Foulkes, o Grupo Operativo de PichonRivière. Considera ainda as contribuições de Paulo Freire e sua Pedagogia da Autonomia, bem como a importância da análise das instituições para a construção da proposta de uma oficina em contextos institucionais (AFONSO, 2006). Os desafios do trabalho interdisciplinar com as oficinas: resultados e considerações para o desenvolvimento da intervenção, os residentes se dividiram em dois grupos, atuando cada um em uma das UAPS envolvidas na RMSF. Cada grupo elaborou seu projeto de intervenção com o cronograma dos encontros com as ACS’s, lideranças comunitárias e representantes de instituições sociais, detalhando as etapas a serem realizadas durante cada encontro. Os cronogramas montados nos indicaram a dificuldade dos residentes compreenderem a orientação teórica e a condução metodológica das oficinas. Os cronogramas haviam sido organizados com poucos espaços para a promoção do debate e do compartilhamento das experiências entre as próprias ACS’s, lideranças e representantes institucionais. O foco mostrou-se basicamente informativo, ou seja, os participantes deveriam receber uma série de informações acerca dos temas, mas não havia uma previsão consistente no cronograma de momentos para trocas e vivências compartilhadas. Como pano de fundo desta constatação e aproveitando as reflexões propostas por Dimenstein (2001) e L’Abbate (2003) sobre a implicação dos profissionais no contexto da saúde coletiva, analisamos algumas questões que deveriam ser consideradas por nós na orientação dos residentes para o desenvolvimento do projeto. Entre elas, destacamos três: 1)  A formação dos profissionais da saúde para trabalhos prioritariamente individualizados. O trabalho com um grupo, como na proposta da intervenção, era entendido como trabalho com um aglomerado de indivíduos isolados que circunstancialmente eram colocados juntos, desconsiderando-se as relações e o potencial grupal para a construção coletiva de estratégias de ação e de produção de conhecimento. 2) A reprodução pelos residentes de um modelo histórico de aprendizagem que se baseia na transmissão de informações, em que o professor ou aquele que detém o saber deve transmitir o seu conhecimento a ser aceito, compreendido e repetido pelo aluno ou, neste caso, pelo participante das oficinas. Modelo este que ainda é dominante na formação acadêmica e que estava sendo ali reproduzido. 3) A dificuldade de um diálogo efetivamente interdisciplinar. A demarcação por especialismos, presentes em comentários como “esta questão não é da minha área” promovia um distanciamento que fazia com que o próprio grupo de residentes tivesse muita dificuldade de funcionar efetivamente como grupo. Nesse contexto, decidimos trabalhar, durante as reuniões com os residentes para monitoramento do trabalho, utilizando-nos da própria proposta da Oficina: criar, nas orientações, um espaço para a difusão de informações, mas também e especialmente, para o compartilhamento dos desafios gerados pelo distanciamento entre a formação tradicional em saúde, calcada no modelo biomédico curativo individual, e as orientações não só da Oficina, mas também das próprias diretrizes do SUS. O resultado foi um grande engajamento de todos residentes, com abertura para escutar a percepções dos colegas de outras formações, para articular saberes e para apostar nas oficinas como metodologia rica de trabalho grupal. Ao final das oficinas, observamos que, de fato, foram criados espaços para que a compreensão e a mudança de visão sobre as realidades vividas pelos participantes fossem construídas pela importante articulação entre conhecimentos, experiências vividas e os significados afetivos que essas experiências evocam.

Palavras-chave


Metodologia para o trabalho em saúde; Oficina em diâmica de grupo; Trabalho interdisciplinar; Residência Multiprofissional em Saúde

Referências


AFONSO, Maria Lúcia M. (org.). Oficinas em Dinâmica de Grupo: um método de intervenção psicossocial. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2006.

BRASIL. Ministério da Saúde. Residência multiprofissional em saúde: experiências, avanços e desafios. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: http://www.saude.gov.br/bvs. Acesso: nov.2014.

DIMENSTEIN, Magda. O psicólogo e o compromisso social no contexto da saúde coletiva. Psicol. estud. [online]. 2001, vol.6, n.2, pp. 57-63. ISSN 1807-0329.

L'ABBATE, Solange. A análise institucional e a saúde coletiva. Ciênc. saúde coletiva [online]. 2003, vol.8, n.1, pp. 265-274. ISSN 1678-4561.