Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
Revisão do currículo do Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde da EPSJV/Fiocruz e o universo cultural dos alunos
Cristina Maria Toledo Massadar Morel, Camila Furlanetti Borges, Marcia Cavalcanti Raposo Lopes, Mariana Lima Nogueira

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


Neste trabalho apresenta-se o processo coletivo de atualização do currículo do Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde (CTACS) da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), por meio da realização de oficinas de trabalho. Dentre os vários aspectos abordados nesta oficina, destaca-se, o que é relativo à importância de na elaboração curricular, pensar estratégias pedagógicas que levem em conta as condições de vida, os valores e os interesses dos alunos. A EPSJV oferece, desde 2008, cursos destinados à formação do Agente Comunitário de Saúde, com seus três módulos, conforme a orientação do Referencial Curricular (BRASIL, 2004). O objetivo do curso é profissionalizar ACS da estratégia saúde da família, com o intuito de qualificar sua atuação profissional, fortalecendo-os enquanto categoria profissional e valorizando o seu papel no processo de transformação do modelo de atenção à saúde.  Os três módulos que estruturam o curso, organizados em Eixos curriculares, abordam a constituição histórica do trabalho do ACS, a partir de temas referentes às políticas públicas, território e educação em saúde; a organização da Atenção Básica e a atuação do ACS, enfocando os princípios que embasam o trabalho de promoção e cuidado em saúde; e as relações entre o trabalho do ACS e a participação política (EPSJV, 2014). O currículo do CTACS é também composto por duas estratégias pedagógicas integradoras: as Práticas profissionais e a Oficina de textos. As Práticas profissionais são momentos em que, acompanhados de um preceptor com experiência no trabalho de Educação Popular em Saúde, os estudantes realizam a articulação dos conteúdos teóricos com ações práticas, a partir de momentos de investigação, que envolvem desde a ida ao território onde atua até visitas aos museus. A Oficina de textos tem por objetivos aprimorar processos de leitura e de escrita, apoiando o desenvolvimento dos conceitos abordados nas etapas formativas e a elaboração do Trabalho de Conclusão do Curso. Desta maneira, visa também fortalecer a capacidade de problematização, de argumentação e de formulação de ideias dos ACS junto a sua equipe de trabalho. (EPSJV, 2014). Partimos do princípio que o currículo não é um simples veículo de transmissão de saberes organizados. Não é um artefato ingênuo, pois toda construção de currículo pressupõe escolhas sobre que conteúdos priorizarem, como organizá-los e quanto tempo dedicar a eles. Estas escolhas estão pautadas em determinada compreensão do que seja conhecimento, como é produzido, de que pessoas estão sendo formadas e para qual sociedade. Assim, todo currículo é baseado em um referencial epistemológico e ético-político (MOREIRA; SILVA, 1995) Neste sentido, a organização curricular do CTACS não se limita a abordar os conhecimentos requeridos para a atuação prática dos ACS, a partir de uma concepção de formação centrada no indivíduo e voltada exclusivamente para o trabalho. A formação está direcionada principalmente para o desenvolvimento de uma postura crítica e reflexiva. Também leva em conta a especificidade deste adulto trabalhador que, de um modo geral, teve uma formação geral precária. Compreendemos ainda que o currículo não consista apenas em uma proposta formalizada, mas é definido pela própria dinâmica com que ele vai sendo reconstruído na prática. Assim, no momento de atualização do currículo, além da discussão dos conteúdos que compõem o mesmo, estão em jogo às práticas profissionais, as relações pedagógicas e os fazeres pedagógicos que vão sendo construídos (AMADO, No prelo). É a partir desta compreensão que realizamos o processo de revisão curricular, baseado na experiência docente de cada um dos participantes e no acompanhamento realizado pela coordenação do curso, da qual fazemos parte. Esta oficina, realizada entre os meses de março a junho de 2015, constou de cinco encontros, e teve por objetivo discutir as potencialidades, desafios e dificuldades do currículo vigente. O ponto de partida para a Oficina foram às avaliações do curso feitas pelos alunos, as questões destacadas pela Coordenação para o aprimoramento do mesmo, e as respostas dos professores a um questionário, que abordava tanto os conteúdos, quanto questões relacionadas à aprendizagem dos alunos. No decorrer das discussões realizadas na Oficina, evidenciou-se que vários aspectos relacionados ao ensino-aprendizagem dos ACS, dizem respeito a seu pertencimento cultural e social. Muitos desafios se apresentam neste sentido. Os problemas da população com os quais os ACS precisam lidar são, muitas vezes, os seus próprios problemas: convívio com a violência, precarização no trabalho, por exemplo. Neste sentido, a questão das condições de vida de quem cuida e de seu sofrimento, bem como a forma como os alunos pensam estas condições, devem ser levados em conta nos processos educativos. Os valores assumidos pelos ACS em relação a temas como religião, gênero, e tantos outros, também afetam sua maneira de se constituir como profissionais. Destaque-se o papel que a mídia exerce, por meio da veiculação de informações incompletas ou distorcidas, reforçando, muitas vezes, determinadas formas de pensar. Assim, as questões relacionadas à proposta curricular e às estratégias de ensino-aprendizagem no CTACS estão atravessadas, dentre outros aspectos, pelas condições de vida, valores, interesses dos ACS. A partir desta constatação, foram pensadas estratégias de aprimoramento do currículo, revisitando os componentes curriculares integradores (Práticas Profissionais e Oficina de Textos), procurando lidar com os desafios apresentados. A componente curricular Prática profissional desempenha papel fundamental no curso, ao apoiar os alunos a integrarem os diferentes conteúdos abordados, com suas experiências de vida e sua atuação profissional. Consequentemente reforçou-se na Oficina a importância do papel dos preceptores no curso, que têm seu trabalho baseado nos princípios da Educação Popular em Saúde. Esta abordagem pedagógica valoriza as formas próprias de pensar e agir dos alunos, e das pessoas com quem estes atuam, a partir de uma perspectiva crítica que busca a superação das relações de opressão próprias da nossa sociedade. Também foi proposto um novo componente curricular, que deverá articular-se com a Oficina de Textos: a Oficina de Cultura. Esta terá por objetivo possibilitar que os ACS, a partir do contato com diferentes expressões culturais, possam problematizar sua condição de vida, seus valores e seus interesses. A Oficina será organizada de modo a tornar possível aos alunos o contato com tipos de textos (jornalísticos, literários) e linguagens artísticas variadas, bem como o acesso a equipamentos urbanos como museus, parques e outros espaços culturais. Abordará também as expressões culturais próprias ao universo dos alunos. A possibilidade de contato com diferentes manifestações culturais, o conhecimento de variadas formas de pensar o mundo, pode ser uma oportunidade de mobilizar nos ACS novas aprendizagens. O mundo social e cultural ao ser visto como variado e inacabado é um mundo passível de transformação. Ao lançarmos mão de estratégias pedagógicas que valorizam a ideia de que o mundo não se apresenta como dado, pode-se potencializar na atuação profissional do ACS, enquanto trabalhador da saúde, posturas que favoreçam o questionamento das práticas no interior da Estratégia de Saúde da Família. Da mesma forma que, o currículo, abordado neste trabalho como artefato inacabado, esteve sujeito a novas formulações.

Palavras-chave


Agente Comunitário de Saúde Currículo Cultura

Referências


AMADO, L. A. S. Organização Curricular e a avaliação da aprendizagem como dispositivos pedagógicos: uma experiência em EJA. No prelo.

 

BRASIL. Ministério da Saúde/Ministério da Educação. Referencial curricular para curso técnico de agente comunitário de saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.

 

EPSJV/Fiocruz. Curso Técnico de Agente Comunitário de Saúde da EPSJV/Fiocruz - Plano de Curso, 2014.

 

MOREIRA, A. F. e SILVA, T. T. Sociologia e Teoria Crítica do Currículo: uma introdução. In: Moreira, Antonio Flávio e Silva, Tomaz Tadeu (Orgs.) Currículo, cultura e sociedade (orgs.) São Paulo: Cortez, 1995.