Anais do 12º Congresso Internacional da Rede Unida
Suplemento Revista Saúde em Redes ISSN 2446-4813 v.2 n.1, Suplemento, 2016
CIF-CJ e repercussão dos fatores contextuais nas alterações de linguagem de crianças/adolescentes na percepção de familiares
Daniele Theodoro Ostroschi, Maria de Lurdes Zanolli, Regina Yu Shon Chun
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
APRESENTAÇÃO: A emergência de novos discursos em relação à saúde em uma perspectiva de atenção integral e promoção da saúde, como uma estratégia de articulação que visa o favorecimento da qualidade de vida do sujeito e da coletividade, produz ações voltadas a melhorar as condições ambientais, sociais, culturais, econômicas e políticas, de modo a criar mecanismos que reduzam as situações de vulnerabilidade (Brasil, 2010). Nesse sentido, considerar o sujeito em sua singularidade, pressupõe valorizar suas condições de saúde (habilidades e dificuldades), ambiente e socialização. Além disso, estimar/considerar a participação dos familiares nas práticas do cuidado de crianças e adolescentes com alteração de linguagem, um vez que na família que se estabelecem relações diversas sob diferentes pontos de vista (Sarti, 2004), em que a promoção de saúde assume grande importância. A atenção à família constitui fundamento essencial no cuidado da criança e do adolescente, entendendo-a como parte do atendimento em consonância com as políticas de promoção de saúde (Serapione, 2005). As alterações de linguagem, campo de atuação de vários profissionais de saúde, dentre os quais o fonoaudiólogo, são, tradicionalmente, abordadas com base no modelo biomédico. Nessa perspectiva, os objetivos e metas terapêuticas são traçados a partir do déficit, isto é, do orgânico ou do patológico. Interessa aqui uma abordagem em que se valorize as demandas de vida e as habilidades necessárias para alcançá-las, entendendo as alterações de linguagem como parte da vida dessas crianças e adolescentes e não como um problemática ou uma questão patológica como considerada por esferas sociais não inclusivas (McLeod e Bleile, 2004). A Organização Mundial da Saúde (OMS) tem alertado sobre a insuficiência de programas de promoção de saúde das pessoas com alterações de desempenho e capacidade e destaca a necessidade de se compreender esse problema como questão de responsabilidade social, devido aos impactos nas mais diversas áreas da vida, trazendo como proposta a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. (CIF). A CIF visa operacionalizar o enfoque biopsicossocial na saúde, adotando um modelo multidimensional de funcionalidade e incapacidade, modificando o paradigma do modelo biomédico ao integrar tais aspectos, considerando que a incapacidade tem atributos internos e externos (social) em sua composição (CCOMS, 2003). Utiliza-se aqui a Classificação Internacional da Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, versão para crianças e adolescentes (CIF-CJ) como uma possibilidade de estudo em uma perspectiva positiva da saúde no contexto das Políticas Mundiais de Saúde, contemplando a diversidade de mudanças que ocorrem no período entre o nascimento e a adolescência.(CCOMS,2011) Observar o sujeito em sua integralidade requer do profissional analisar seu funcionamento em família, num ciclo social, além do contexto terapêutico, ou seja, nos espaços sociais em que ele se constitui como indivíduo e que repercutem em seu modo de funcionar. Portanto, a atenção à família assume grande relevância no cuidado de crianças e adolescentes com alterações de linguagem. Interessa aqui uma perspectiva de atenção integral à criança e adolescente, tendo a família como co-autora do processo de cuidar norteada pela promoção da saúde, compreender as repercussões dessas alterações nas diferentes demandas de vida das crianças/adolescentes em acompanhamento. Apresenta-se aqui parte da pesquisa de doutorado (em andamento) de uma das autoras com objetivo de investigar a percepção de familiares acerca das repercussões dos fatores contextuais nas alterações de linguagem de crianças/adolescentes utilizando a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e saúde versão para crianças e jovens (CIF-CJ) Desenvolvimento do trabalho Trata-se de estudo de abordagem qualitativa transversal com delineamento analítico descritivo aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa sob CAAE nº 09980012.1.0000.5404. Participaram da investigação 24 familiares de crianças e adolescentes com alterações de linguagem em acompanhamento fonoaudiológico em uma clínica-escola do interior de São Paulo, Brasil. Para a coleta de dados foi realizado levantamento dos prontuários das crianças e adolescentes para caracterização do perfil sociodemográfico e entrevistas semiestruturadas com os familiares, transcritas para análise, da qual, a partir dos núcleos de sentido que emergiram do conteúdo, foram selecionados os domínios classificados pela CIF-CJ. Para análise descritiva foi utilizado o SPSS e análise de conteúdo temático das entrevistas. As entrevistas versavam sobre a maneira que os familiares viam as crianças/adolescentes em seus momentos de rotina, sua fala/linguagem e qual o impacto das alterações de linguagem em suas relações cotidianas. A classificação dos domínios seguiu as instruções apresentadas na CIF-CJ. Os qualificadores variam seguindo os critérios: nível 0 (zero) correspondente a nenhum problema ou dificuldade, nível 1 (dificuldade leve), nível 2 (dificuldade moderada), nível 3 (dificuldade grave), até ao nível 4 que elenca um problema ou dificuldade total ou completa. O nível 8 corresponde ao grau de incapacidade que não esteja especificado, e o nível 9, para o domínio que não seja aplicável. Em relação aos fatores ambientais (e) estes podem ser considerados como facilitadores (utilizando-se um símbolo “+” a seguir ao código numérico) ou barreiras (utilizando-se um ponto a seguir ao código numérico). RESULTADOS E/OU IMPACTOS Observa-se que os participantes, na sua maioria (n=15) mães, são familiares de crianças/adolescentes em segmento fonoaudiológico com tempo de frequência aos atendimentos variado e em sua maioria meninos (n=14). Gênero que apresenta também na literatura mais problemas de linguagem. Todos os componentes da CIF-CJ, que emergiram dos núcleos de sentido das entrevistas, tiveram representatividade de respostas. Nos fatores contextuais, foram encontrados maiores qualificadores como facilitadores, especialmente nos domínios de serviços e sistemas de saúde (n=11) e atitudes da família imediata (n=14) e como barreiras, os qualificadores indicaram atitudes sociais (n=9). Os domínios que emergiram como facilitadores foram referidos pelos participantes pela qualidade dos atendimentos oferecidos e pela forma como eles lidam com as alterações de linguagem das crianças/adolescentes como exemplificado: “O meu objetivo é ele alcançar ser independente. Mas eu já vou preparando uma retaguarda, se isso não acontecer, já tá preparado”. Já as barreiras podem ser exemplificadas, no domínio de atitudes sociais pelo exemplo: “Infelizmente a gente vive numa sociedade muito discriminativa, que discrimina muito né, até pela própria educação não ter a convivência, a pessoa discrimina de olhar, ver ela babar. Quando era aquele nenezinho, tudo bem, todo mundo aceitava, quando tá grande a outra criança olha de outro jeito e rejeita.” CONSIDERAÇÕES FINAIS: Os resultados mostram que as alterações de linguagem repercutem em diferentes aspectos da vida das crianças e adolescentes, conforme demonstra a análise utilizando-se a CIF-CJ. Na percepção dos familiares, os fatores contextuais influenciam em diferentes âmbitos do viver das crianças e adolescentes, favorecendo ou dificultando suas demandas no caminhar da vida. Os achados reafirmam a importância de uma análise voltada ao cuidado do sujeito em sua integralidade, de modo a compreender e contemplar suas dificuldades, potencialidades e habilidades na atenção clínica terapêuticas.
Palavras-chave
Atenção à saúde; saúde da criança; saúde do adolescente; fonoaudiologia, relações profissional-família.
Referências
Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Política nacional de promoção da saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. – Brasília: Ministério da Saúde; 2010
CCOMS. Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para a Família das Classificações Internacionais (org.). CIF: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde. Coordenação da tradução Cássia Maria Buchalla. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2003.
CCOMS. Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para a Família das Classificações Internacionais (org.). CIF CJ: Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde versão crianças e adolescentes. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 2011
McLeod S, Bleile, K. The ICF: a framework for setting goals for children with speech impairment. Child and Language Teaching and Therapy. 2004; 20(3):199-219
Sarti,CA A família como ordem simbólica Psicologia USP, 2004, 15(3), 11-28
Serapioni M. O papel da família e das redes primárias na reestruturação das políticas sociais. Ciênc. Saúde coletiva 2005; 10 (sup): 243-253.