Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Educação Permanente em Saúde no interior do Estado do Amazonas – Estudo de caso na Região de Saúde Rio Madeira/AM
Fabiana Mânica Martins, Júlio César Schweickardt

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


O objetivo da dissertação foi propor um debate referente às experiências de Educação Permanente em Saúde (EPS) dos profissionais de saúde no interior do Estado do Amazonas e identificar o processo micropolítico da EPS com esses profissionais, tomando como um caso a Região de Saúde Rio Madeira/AM. Compartilhamos o pensamento de Michel Foucault quanto à produção do discurso, em que os principais atores foram os profissionais de saúde do SUS da Região. Estabelecemos diálogos sobre o processo de trabalho deles e, partindo dos enunciados (gravados e redigidos) formamos categorias com referência ao desenho do Quadrilátero da Formação – assistência, ensino, gestão e participação. Foi um ensaio para desenvolvermos nossa capacidade da prática discursiva no sentido de agenciarmos a positividade do discurso e do saber, ou seja, valorizarmos a produção enquanto processo. Vivenciamos a dinâmica de aprender a aprender no convívio com as realidades aonde visualizamos a Educação Permanente em Saúde no mundo do trabalho, inclusive do nosso, e que se tornou significativa por interrogar as questões que pertencem à relação entre o trabalho e o trabalhador no cotidiano. Contagiar-se dessa produção de mundo, superou as nossas categorias e se tornou uma mágica Mandala Amazônica que possibilitou reflexões e a concretização de um trabalho alegre e gratificante. Tivemos a oportunidade de relatar e nos implicar com a experiência, vividas em ato – elas vêm encharcadas no seu conteúdo e na modelagem dos saberes desenvolvidos no cotidiano da pesquisa e do trabalho no SUS –, com destaque nas dimensões micropolíticas das potências territoriais. Portanto, a introdução da EPS nessa modelagem pode ser uma estratégia fundamental para um novo cenário de consolidação do SUS. Para seguir adiante, sem a pretensão de concluir esse estudo, queremos pontuar ainda algumas implicações de nossos aprendizados nos territórios das matas, dos pequenos municípios, das estradas nas águas e no ar, dos igapós, dos banzeiros, da rua, das praças, dos movimentos no cotidiano do trabalho em saúde no interior do Amazonas. Foi esse movimento da mandala, do banzeiro da Educação Permanente em Saúde que nos encharcou e a cada ida e vinda dos territórios (no vai e vem do banzeiro que toca e transforma as barrancas dos rios, na Mandala Amazônica) íamos refletindo, dialogando, construindo conexões, com os moradores dos locais, com os trabalhadores e até mesmo com as crianças na praça aonde foram produzidos muitos ‘encontros’. Reaprendemos que a nossa EPS também estava acontecendo naquele encontro e que é viva em ato, sendo de fato, aprendizagem no cotidiano, especialmente, tem potência no enunciado de cada trabalhador do SUS. A imagem do caboclo no rio nos reporta a esse processo, de conduzir a canoa, respeitando as curvas do rio (respeitando os processos de ensino-aprendizagem), os banzeiros provocados pela passagem de outros barcos (maiores), ou seja, a condução da EPS no cotidiano é como a rabeta, pois desvendar essa condição de aprendizes no dia a dia e jogá-la para os telhados (tornar conhecido) é ainda um desafio. Nesse sentido, tornar visível a dimensão micropolítica do trabalho em saúde foi uma experiência singular, tendo em vista as diferentes naturezas tecnológicas que compõem as ofertas dos serviços para o cuidado (Merhy, 2013). Nelas incluídas interseccionadas a participação, o ensino formal e cotidiano, a gestão – todas desenvolvidas nas unidades de cuidado em ato –, que dão visibilidade ao movimento produzido nestes caminhos (muitas vezes das águas), que não se colocam em linha reta e não são finitos, mas se apresentam em movimento como o vai e vem do banzeiro. Esse movimento mágico que inundou e inunda nossas vidas faz-nos relembrar o Apuizeiro, com suas raízes persistentes buscando a seiva, os novos caminhos para não se ‘enquadrar’ na condição que lhe foi colocado. Como o Apuí, fruto que alimenta grande parte da população das aves da mata amazônica, queremos também contribuir com a produção do conhecimento nestes cenários vivos de produção da saúde. Foucault afirma que é necessário tomar a palavra e sermos envolvidos por ela, para que sejamos conduzidos além dos discursos. Contagiar-se dessa produção de mundo é como a nossa mágica mandala que possibilitou reflexões e a concretização de um trabalho mais alegre e gratificante, apesar dos conflitos, dificuldades. Tivemos a oportunidade de relatar e nos implicar com a experiência, vividas em ato – elas vêm encharcadas no seu conteúdo e modelagem dos saberes desenvolvidos no cotidiano da pesquisa e do trabalho no SUS –, com destaque nas dimensões micropolíticas das potências territoriais. Não se trata de uma verdade absoluta, muito menos de uma nova verdade sobre a formação na saúde, mas é sim, para nós um emaranhado de conexões, de verdades locais, talvez até provisórias, mas que apostam nas potências de seus atores. Trazendo para a cena um feixe de luz da experiência com seu Pedro (pescador e morador local), acreditamos que a introdução a EPS nessa modelagem pode ser uma estratégia fundamental para um novo cenário de consolidação do SUS. A produção do conhecimento com a integração ensino-serviço através dos internatos rurais, do Projeto VER-SUS (Vivências e Estágios nas Realidades do Sistema Único de Saúde), da EPS em Movimento, da Formação de Docentes em EPS, pode possibilitar/ativar as vivências significativas para a melhoria do cuidado à saúde e a identificação das potências dos municípios. Aliado a esses processos, entendemos que a EPS acontece todos os momentos que as equipes de saúde e gestores estejam problematizando a sua prática de trabalho. A EPS se revela naquilo que não vemos, porque queremos traduzi-la em cursos e capacitações. A EPS está numa simples roda de conversa e nos encontros pedagógicos. Nesse sentido, apontamos a relevância da CIES (Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço) no seu potencial para fomentar e estimular as práticas de formação e desenvolvimento na saúde bem como de mobilizar os gestores do SUS e as instituições formadoras para a construção de propostas colaborativas. As Políticas de Saúde a serem implementadas nos municípios, suas portarias emitidas, viabilizam movimentos de reformulação e criam demandas por formação dos profissionais (conteúdo a ser discutido e aprofundado futuramente). Esse processo produz a necessidade de aprendizado que extrapola a modalidade de treinamentos tradicionais. São processos que gritam por outras fontes de informação, como por exemplo, estruturar rodas de conversa e de estabelecer redes de torças com instituições, com consultores ou parceiros. Prova disso, as experiências positivas de muitos discursos trazidos até aqui, ou seja, está em nós a construção do cotidiano através da pedagogia da roda e das redes de interação. Assim, podemos partir ‘da e para’ a realidade dos cenários do campo (também do cotidiano dos trabalhadores) com as lentes de um caleidoscópio, com o olhar vibrátil capaz de reconhecer o trabalho como princípio educativo, valorizando os espaços de debate e problematização, aceitando ativamente os processos de mudança.

Referências


FOUCAULT, M. (1926-1984). A ordem do discurso – Aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 02 de setembro de 1970/Michel Foucault; tradução Laura Fraga de Almeida Sampaio. -5ed. – São Paulo: Edições Loyola, 1996.

FERLA, A.A. et.al. Redes vivas de Educação e Saúde e a Integração Universidade e Sistema Local de Saúde: saberes locais e múltiplas saúdes como capacidade profissional e como atributo das Redes de Atenção. In: Redes vivas de educação e saúde: relatos e vivências da integração universidade e sistema de saúde. (Org.) Alcindo Antônio Ferla et.al. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2015.

CECCIM, R.B; FERLA, A.A. Linha de Cuidado: a imagem da mandala na gestão em rede de práticas cuidadoras para uma outra educação dos profissionais de saúde. In: Gestão em redes: práticas de avaliação, formação e participação na saúde. (Orgs) Roseni Pinheiro; Ruben Araujo de Mattos. Rio de Janeiro: CEPESC, 2006.

CECCIM, R.B; FEUERWERKER, L.C.M. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 41-65, 2004.

MERHY E.E. O desafio que a educação permanente tem em si: a pedagogia da implicação. Interface: Comunicação, Saúde, Educação. 9(16):172-4; 2005.

 

__________. Desafios de desaprendizagens no trabalho em saúde: em busca de anômalos. In: Caderno Saúde Mental / Ana Marta Lobosque (Organizadora) Seminário Saúde Mental: Os Desafios da Formação v. 3, Belo Horizonte: ESP-MG, 2010