Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER NO RIO DE JANEIRO DE 2006 A 2014, A PARTIR DE DOIS SISTEMAS DE NOTIFICAÇÃO
Bárbara Bulhões, Daniel Noro, Hélia Kawa, Henrique Sater, Irene Lopes, Josy Pinho, Maria Inês Couto de Oliveira

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


APRESENTAÇÃO: A violência contra a mulher se apresenta como um grande desafio para a Saúde Coletiva, por representar um fenômeno social com profundos impactos à saúde da população feminina. Ainda que envolvidos por controvérsias e ocultados nas ‘causas externas’ dos dados epidemiológicos, a violência contra a mulher tem suas origens na histórica desigualdade de gênero, forjada pela assimetria de poder econômico e político entre homens e mulheres na sociedade. Segundo a OMS (2002), estudos internacionais mostraram que a violência contra as mulheres é muito mais grave e generalizada do que se suspeitava anteriormente. No Brasil, a luta histórica dos movimentos de mulheres e segmentos diversos da sociedade civil repercutiu para a consolidação de instrumentos jurídicos e sociais de proteção à mulher em situação de violência. Foi criada a Secretaria de Políticas para as Mulheres (SPM); a Lei de Notificação Compulsória no caso de violência contra mulheres, crianças, adolescentes e pessoas idosas atendidas em serviços de saúde públicas ou privadas (Lei nº 10.778/2003, art. 13 da Lei nº 8.069/1990, art. 19 da Lei  nº  10.741/2003);  e a  Lei  Maria  da  Penha  (Lei  nº  11.340/2006),  que estabelece mecanismos  para  coibir  e  prevenir  a  violência  doméstica  e  familiar  contra  a  mulher (BRASIL 2012). Para a consolidação de tais instrumentos, é necessária a realização de estudos epidemiológicos para investigar o perfil da população violentada. O presente estudo apresenta o perfil epidemiológico de violência contra a mulher no Rio de Janeiro de 2006 a 2014, a partir de dois sistemas de notificação como bases de dados: o SINAN, vinculado ao SUS, e o Dossiê Mulher, vinculado ao Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro. DESENVOLVIMENTO: Trata-se de um estudo quantitativo retrospectivo, analisando dois bancos de dados distintos referentes às notificações de atos de violência contra a mulher. O primeiro é o SINAN (Sistema de Informação de Agravos de Notificação), que notifica via Ficha de Notificação para Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências (Secretaria de Vigilância à Saúde, Ministério da Saúde). Fornece informações para a análise do perfil da morbidade e viabiliza um panorama das condições de saúde, nos níveis municipal, estadual e federal. O sistema é alimentado pela notificação e investigação de casos de doenças e agravos que constam da lista nacional de notificação compulsória. O conceito de Violência para o SINAN está de  acordo  com  as referências  da OMS e Ministério da Saúde (OMS, 2012; BRASIL 2012). A segunda fonte é o Dossiê Mulher, organizado desde 2005 pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de Janeiro (ISPRJ), e tem como base os registros de ocorrências, realizados nas delegacias policiais fluminenses, de homicídio doloso, tentativa de homicídio, lesão corporal dolosa, estupro e ameaça contra mulheres, abarcando, assim, parte da violência física, sexual e psicológica. Para o ISPRJ as definições de violência são estabelecidas de acordo com a Lei Maria da Penha. Em 2013 o mesmo, com o amadurecimento das discussões acerca do tema e maior conhecimento sobre a base de  dado utilizado ampliou a análise com oito novos títulos: “Tentativa de Estupro”, “Dano”, “Violação de Domicílio”,  “Supressão  de  Documento”,  “Constrangimento  Ilegal”,  “Calúnia”, “Difamação”  e  “Injúria”.  Isto ampliou o panorama da violência contra a mulher, observada em suas cinco formas: física, sexual, patrimonial, moral e psicológica. RESULTADOS: O município do Rio de Janeiro foi responsável por 91% das notificações de violência contra a mulher registradas pelos sistemas de saúde públicos e privados do Estado do Rio de Janeiro no SINAN no período de 2006 a 2014. Apenas 4% destas fichas de notificação do estado não tiveram o campo 37 (município de ocorrência) preenchido. As mulheres pretas e pardas representaram mais da metade das notificações anuais em ambos os sistema: no SINAN, 54% e nas delegacias, 52%. Foi encontrada uma discrepância importante entre as duas fontes de informação quanto à faixa etária das mulheres que sofreram violência. Segundo o Instituto de Segurança Pública, a faixa etária entre 25 e 34 anos é a que apresenta mais notificações, e apenas 8% dos registros são de mulheres até 17 anos. Já o SINAN registra mais da metade (56%) das notificações entre crianças e adolescentes (0 a 17anos). As mulheres vítimas de violência apresentaram baixa escolaridade: 72% das fichas preenchidas com dados referentes à escolaridade no SINAN eram de mulheres sem ensino médio completo. Porém, houve um percentual importante de negligência no preenchimento deste dado: 49% das fichas. Pelo Instituto de Segurança Pública do Rio de janeiro, 56% das mulheres vítimas de violência no estado do Rio de Janeiro são solteiras, enquanto pelo SINAN 33% são solteiras e 33% são casadas ou possuem união estável; Não se evidenciou relação direta entre a Lei Maria da Penha (2006) e o aumento das notificações, contudo a partir de 2011 as notificações nos sistemas aumentaram significativamente. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Podemos afirmar, a partir do perfil analisado no período, que as mulheres pretas e pardas sofreram mais violência do que mulheres brancas e amarelas, em ambos os sistemas de notificação. Parece haver uma dificuldade imensa das famílias em levar suas crianças e registrar ocorrências  de situações  em  sua  maioria  intradomiciliares em delegacias. Já no caso dos serviços de saúde, isso é possível graças à ficha sigilosa e pró-atividade dos profissionais em investigar situações suspeitas e notificá-las, conforme os instrumentos do SUS. Apesar do preenchimento falho, aparentemente a maior parte das mulheres violentadas não possuía ensino médio completo. Não se evidenciou relação direta entre o ano de promulgação da Lei Maria da Penha (2006) e o aumento das notificações. Porém, a existência de políticas para a notificação tem avançado. Durante o levantamento de dados foram verificadas três limitações nas fontes de dados analisadas no presente estudo: 1. dados subestimados, pois muitos casos não são notificados; 2. quantidade significativa de campos das  fichas  de  notificação/  ocorrência  não  preenchidos;  e  3. possibilidade  do  não preenchimento correto de algumas variáveis por falta de treinamento e supervisão qualificada na coleta. Pode-se afirmar que no Estado do Rio de Janeiro há deficiência no preenchimento dos sistemas de notificação referentes à violência contra a mulher e que, apesar das garantias por lei, ainda está em desenvolvimento lento uma cultura de registro desse tipo de violência. Recomendamos a qualificação do preenchimento das fichas de notificação de violência, sobretudo pelo sistema de saúde, além da divulgação dos direitos das mulheres, para que as mesmas se sintam seguras em realizar a notificação no serviço de saúde ou o registro de ocorrência nas delegacias.

Palavras-chave


Notificação de Violência; Violência contra a mulher; SINAN; ISPRJ

Referências


BRASIL, República Federativa do. Lei 11.340, de 7 de agosto de 2006. Brasília.Disponível   em:   http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acessado em. 25 de jun 2015

BRASIL,  República  Federativa  do.  Lei 10.778,  de   24   de   novembro  de2003.Brasília.Disponívelem:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2003/L10.778.htmAcessado em:. 25 de jun 2015

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas  EstratégicasPrevenção  e  tratamento  dos  agravos  resultantes  da violência sexual contra mulheres e adolescentes : norma técnica / Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. – 3. ed. atual. e ampl., 1. reimpr. – Brasília :Ministério da Saúde, 2012.

OMS. Krug EG et al., eds. Relatório Mundial sobre violência e saúde, Organização Mundial da Saúde, Genebra, Suíça, 2002

OMS. Organização Mundial da Saúde.Prevenção da violência sexual e da violência pelo parceiro íntimo contra a mulher: ação e produção de evidência. Genebra, Suíça, 2012.

ISP. Dossiê Mulher 2006-2014 / Instituto de  Segurança  Pública;  Organizadores: Paulo Augusto Souza Teixeira e Andréia Soares Pinto. – Rio de Janeiro: Rio segurança, 2006-2014. Disponível em <www.isp.rj.gov.br>. Acesso em 14 jun 2015.