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O despertar do apoio matricial em saúde mental: relato de experiências das profissionais matriciadoras do Distrito de Saúde Sul da Secretaria Municipal de Saúde de Manaus/AM
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
APRESENTAÇÃO: Manaus é uma cidade atípica em diversas áreas, sua biodiversidade, sua cultura, sua economia, sua geografia e tantos outros segmentos que fazem dela o que é. Já o seu modo como encara a loucura, talvez seja bem parecido como em outros Municípios, mas de uma coisa sabemos que a loucura ronda a cidade, muitas vezes a procura de espaços, de lugares de pertencimento e não os encontra. Possuímos poucos dispositivos substitutivos ao hospício, que ainda funciona como emergência, a única do Estado. A rede de atenção psicossocial não se apresenta coesa, nem tampouco presente nas ações do cuidado comunitário está pautados na Reforma Psiquiátrica italiana, que numa visão macro, concebe como alternativas outros serviços sem ser o hospício, ao invés da reforma francesa que trabalha a nível micro, o que poderia representar uma forma mais eficaz, haja vista que trabalham os sujeitos e suas representações sociais da loucura, campo propício a acolhida do sujeito em sofrimento, onde quer que ele vá. Atualmente, contamos com três Centros de Atenção Psicossocial-CAPS no Município, com modalidades distintas, um (01) infantil, e dois (02) adultos, sendo um (01) na modalidade II e um (01) na modalidade III, para uma população de aproximadamente dois milhões e oitocentos mil, contamos também com outros serviços de saúde mental, que se configuram em serviços de policlínicas, a nível ambulatorial. A cidade está dividida por cinco distritos (sul, norte, leste, oeste e rural), o que remete a ideia de uma grande área descoberta por serviços que contemplem a realidade na saúde mental, pois ainda não atingimos a rede de atenção primária, incorporando-a na rede psicossocial. Desta forma, iniciamos o que denominamos matriciamento em saúde mental, por possuímos um CAPS no distrito sul da cidade, vimos como campo promissor agregar outros serviços, a princípio os de saúde, na atenção primária, com a intenção de que os usuários do serviço de saúde mental pudessem ter um cuidado no próprio território, este espaço vivo de trocas e relações. Parece que estamos inventado a roda, mas é fato que não, isso já acontece em outros Estados, porém para nós é um acontecimento recente, fruto de conquistas na luta contra um atendimento segregador. Considerando a definição de matriciamento, segundo Chiaverini et al (2011) como sendo um novo modo de produzir saúde em que duas ou mais equipes, num processo de construção compartilhada, criam uma proposta de intervenção pedagógico-terapêutica. Assim este relato baseia-se na experiência das profissionais matriciadoras do distrito de saúde sul, atividade desenvolvida pela técnica responsável pelas ações da rede de atenção psicossocial do distrito sul juntamente com a psicóloga do CAPS Sul, a fim de conhecer o território onde os sujeitos estão inseridos, ampliando e garantindo o atendimento da rede, através da identificação de parcerias nas estratégias saúde da família, especificamente estabelecer contatos com os atores envolvidos no cuidado em comunidade e firmar pactos para construção de projetos terapêuticos singulares, que favoreçam o protagonismo social. DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: Iniciamos nossa trajetória em julho de 2015, quando na ocasião realizamos encontros com as Unidades Básicas de Saúde com o objetivo de nos apresentar e divulgar o apoio matricial de saúde mental, que começaria suas atividades no mês seguinte, antes disso já realizávamos visitas domiciliares advindas de demandas da gestão, da secretaria e de outros profissionais, assim buscamos esclarecer a proposta com base no fortalecimento da nossa rede psicossocial. Estes encontros tiveram como público alvo: profissionais de quinze Unidades Básicas de Saúde, duas Policlínicas Municipais e cinquenta e uma unidades Estratégias Saúde da Família, totalizando 68 profissionais participantes dos encontros. Desenvolveu-se atividades de visitas às unidades conforme demandas, e em conjunto com a equipe realizamos visita domiciliares aos usuários, na tentativa de construir uma rede de cuidado. RESULTADOS E/OU IMPACTOS: Nossas ações nos conduzem às reflexões cotidianas do praticar o matriciamento, inquietações e questionamentos do que nos propomos a executar, questões, como: Estamos no caminho certo? Isso é matriciamento? Quando que conseguiremos uma rede unida e fortalecida? Será que o que estou tentando transmitir está sendo compreendido dentro da lógica do cuidado no território? E tantas outras questões que são suscitadas. O resultado que queremos apresentar são estas inquietações que nos conduzem a fazer o melhor, o exequível, com compromisso e responsabilidade. E nesse percurso já encontramos parceiros, como também encontramos resistência dos que ainda estão tradicionalmente acostumados a promover a saúde no viés de sua ausência. De acordo com Chiaverini et al (2011) o matriciamento vem justamente desconstruir esse conceito tradicional por constituir-se numa ferramenta de transformação, não só do processo de saúde e doença, mas de toda a realidade dessas equipes e comunidades. Esse pode ser o impacto desejável, o de arquitetar novo cenário nos serviços e na comunidade e formular novas formas de viver e de coexistir, para além dos muros invisíveis dos preconceitos e estigmas. Ressaltamos a contribuição direcionada ao profissional, enquanto matriciador, no que diz respeito ao impacto sobre sua prática, constantemente revista para um fazer despido de julgamentos, numa visão inovadora, pelo menos aqui em Manaus. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Romper com o estigma da loucura não é tarefa fácil, “tratar” essa loucura dentro de um recinto sempre foi mais confortável, o desafiador é colocá-la para fora, nas residências, nas ruas, nas comunidades e onde ela quiser ir. Reconhecer o que é próprio do sujeito, mesmo que isso cause estranheza, aos olhos de quem vê, pois tudo depende do ponto que visualizamos e existem vários ângulos que ainda não testamos. Adentramos outra dimensão do cuidado, estamos na atenção primária e levar saúde mental para este local é tarefa primordial para vislumbrar a vida fora das instituições, porque tirar o sujeito do hospício foi relativamente rápido, mas tirar o hospício do sujeito pode levar mais tempo do que imaginemos. O que apresentamos até este momento, podemos denominar de fase embrionária do apoio matricial? Não sei. Talvez seja o meio possível de realizarmos esse encontro da saúde mental com a atenção primária, sem estar centrado no aspecto biológico, porém em nuances da vida cotidiana das pessoas. Fundamental é desaprendermos tudo que pensávamos saber sobre a loucura para aprendermos a viver com ela, e por que não? Reside neste tópico à relevância desta experiência, como elemento de aprendizagem constante tanto profissionalmente como pessoalmente, reconhecendo as diferenças dos sujeitos e aprendendo a conviver com elas, numa dialogicidade entre os protagonistas desta história.
Palavras-chave
Apoio matricial; rede psicossocial; cuidado; território
Referências
CHIAVERINI, Dulce Helena. (org.) et al. Guia prático de matriciamento em saúde mental. Brasília, DF: Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva. 2011.