Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Cidadania Sexual, Justiça de Gênero e Democracia Íntima na Adolescência
Helena Maria Campos, Maria do Carmo Fonseca, Cláudia Gersen Alvarenga Paiva, Isabella Campos de Araújo, Yago Freire Ferreira, Marianna Campos Assis

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


APRESENTAÇÃO: A Adolescência é uma fase da vida marcada pela passagem da infância para a idade adulta, com transformações físicas, psicológicas e sociais, vivenciada de formas diferenciadas em cada sociedade, num determinado tempo histórico. A sexualidade é uma dimensão fundamental da vida, principalmente nessa fase da vida, pois envolve práticas e desejos relacionados à afetividade, prazer, amor e à saúde (Brasil, MS, 2007). Gênero é um papel social que se constrói por aproximação ou oposição a grupos de referência, tomando como base o binômio homem/mulher, reproduzido a partir de normas e expectativas sociais. A conquista da cidadania sexual, compreendida como “o reconhecimento e usufruto de um conjunto de direitos relacionados com a sexualidade” (Santos, 2005, p.57) promove saúde sexual e relações amorosas democráticas. Garantir equidade de gênero e direitos sexuais propicia o exercício do direito à saúde e da cidadania sexual, defendidas como direitos humanos. No presente estudo, propõe-se a ideia de justiça de gênero, ainda não existente na literatura [1], questionando-se o regime de gênero e as relações de poder, desconstruindo papéis sociais impostos e hegemônicos, buscando a equidade e a democracia íntima. O objetivo geral é compreender as vivências afetivas e sexuais, as relações de gênero, o conhecimento sobre direitos sexuais entre adolescentes para subsidiar estratégias educativas emancipatórias que promovam cidadania sexual, justiça de gênero e saúde sexual. METODOLOGIA: Esta pesquisa se caracteriza como qualitativa, busca-se compreender e desvendar os significados e sentidos que os sujeitos atribuem aos fenômenos, as relações que estabelecem, correlacionando-os ao contexto sócio histórico em que se inserem e às teorias que fundamentaram as interpretações, utilizando uma ótica multidisciplinar, articulando os saberes da sociologia, da filosofia e da psicologia sobre adolescência, sexualidade e relações amorosas na contemporaneidade (Flick, 2004; Turato, 2005; Minayo, 2008; Deslandes, 2002, 2007; Silverman, 2007; Bauer, Gaskell, 2007). A população de estudo configura-se com adolescentes, de 14 a 19 anos, alunos de escola pública em Belo Horizonte. Definiu-se por esse público por se acreditar que a adolescência é uma fase crucial do desenvolvimento humano, momento de reedição da identidade, além de influenciar futuros laços afetivos. O número de participantes é definido pelo critério de saturação (Fontanella, Ricas, Turato, 2008) tendo por base a sustentação das informações. A primeira etapa do percurso metodológico se constitui de estudos e revisão da literatura. A segunda etapa designa-se pela pesquisa de campo, com coleta de dados através entrevistas individuais, utilizando um roteiro semiestruturado, com questões que buscam compreender e desvendar os significados e sentidos que atribuem aos fenômenos, tais como relações afetivo-sexuais, equidade de gênero, direitos sexuais, correlacionando ao contexto sócio histórico em que se inserem. As entrevistas são gravadas com consentimento dos participantes, posteriormente transcritas, preservando a identidade dos estudantes. Para a interpretação das informações optou-se pela análise de conteúdo através do estabelecimento e descrição de categorias analíticas (Bardin, 1977; Bauer, 2007). Esta pesquisa foi submetida e aprovada pelo Comitê de Ética do Centro de Pesquisas René Rachou/FIOCRUZ sob o parecer Nº 986.929. RESULTADOS PRELIMINARES: Esta investigação ainda está sendo desenvolvida, por isso apresentar-se-á os resultados focando-se na discussão teórica. O campo da sexualidade e dos direitos sexuais é bastante fecundo, encerra tensões e múltiplas perspectivas, envolve conceitos bastante discutidos como liberdade, gênero, respeito às diferenças, relações, dignidade humana e direitos humanos (Heilborn, 2006; Minayo, 2011). A sexualidade é um campo fecundo de possibilidades e ao mesmo tempo polêmico, porque emerge da experiência social, na forma de práticas e saberes, possibilitando, a construção do lugar do eu e do outro. Neste sentido, a sexualidade seria uma invenção social ao se constituir historicamente a partir dos discursos que normalizam, regulam e constituem saberes e verdades sobre o que é o sexo, o feminino, o masculino e toda a imensa rede que os envolvem (Foucault, 1985; Louro, 2001). Em uma sociedade capitalista, caracterizada por uma lógica de mercado, a desigualdade e iniquidades nas relações de gênero, as relações de poder e a ameaça frequente de violência e coerção dificultam ou muitas vezes impossibilitam a negociação de práticas sexuais mais seguras e a garantia da equidade e dos direitos sexuais, consequentemente os direitos humanos dos adolescentes. Apesar de alguns avanços, os direitos sexuais assim como a equidade de gênero não atingiram os níveis preconizados, indicando a necessidade de maior atenção por parte dos governos e da sociedade em geral (Dixon-Muller, 1984; Ventura, 1999, 2004; Armas, 2008; Rios, 2008). Há ausência de espaços de diálogos abertos e reflexivos sobre sexualidade, sobre as relações afetivo-sexuais e sobre os direitos sexuais com os adolescentes, como também falta serem considerados como sujeitos de direitos, protagonistas do processo e autores da própria vida (Campos, 2011; Leite, 2012). Há fortes indícios de que muitos sofrimentos relatados pelos adolescentes estejam relacionados às iniquidades de gênero e injustiças cognitivas e sociais, decorrentes do mundo capitalista, onde as trocas, inclusive as afetivas, ficaram cada vez mais mercantilizadas. Destaca-se a crítica à razão indolente presente na nossa sociedade ocidental, que se baseia na simetria dicotômica, que esconde sempre uma hierarquia, por exemplo: homem/mulher; norte/sul; cultura/natureza, branco/negro e outros binômios que contraem o presente, porque desconsideram algumas realidades e experiências e não valorizam a diversidade (Boaventura Santos, 2007). Nessa pesquisa se priorizou a ampliação do conhecimento sobre as relações entre homens e mulheres, introduzindo “uma corrente quente” na racionalidade, para construir uma “teoria da união e não da separação” que abranja relações compreensivas e amorosas. Geralmente as críticas recaem sobre a pretensa universalidade de direitos e a existência de desigualdades entre homens e mulheres no que diz respeito aos direitos de cidadania. Consideramos necessário ir além, garantir o direito de ser igual quando um estiver em situação de inferioridade, mas também o direito do reconhecimento da diferença quando a igualdade descaracterizar. É preciso descolonizar as relações e reinventar a emancipação, substituir as relações de poder por relações democráticas, com autoridade compartilhada, o que estamos denominando de justiça de gênero. Face à histórica desigualdade da mulher e também à discriminação sofrida pelos adolescentes a luta por justiça de gênero para esses grupos deve ser mais intensa. Aposta-se na ecologia de saberes e em estratégias educativas emancipatórias compartilhadas com os adolescentes, que promovam diálogos criativos entre os saberes científicos e os saberes não-científicos, que ampliem a compreensão dos fenômenos e potenciem ações coletivas de luta por cidadania sexual e justiça de gênero. CONSIDERAÇÕES FINAIS: Conhecer o mundo adolescente e criar estratégias educativas que propiciem a cidadania sexual e a justiça de gênero pode favorecer o potencial de resiliência, promover a saúde sexual e garantir direitos humanos. Ressaltam-se a necessidade de realizar uma tradução recíproca com os participantes da pesquisa, buscando inteligilibilidade dentro do contexto onde vivem, levando-se em conta suas singularidades e potencialidades para conquistarem direitos humanos, particularmente os direitos sexuais, superando o enfoque biomédico e os padrões heteronormativos da sexualidade, numa perspectiva contra-hegemônica, para conquistar cidadania sexual e justiça de gênero. Nesse sentido, considera-se relevante a discussão sobre o sistema relacional entre homens e mulheres, onde persistem as relações de poder patriarcais e a construção de uma abordagem que considere a relação entre democracia, cidadania, direitos humanos e direitos sexuais, bases para um modelo de compreensão dos direitos sexuais denominado de direito democrático da sexualidade. 1 Na literatura encontra-se os termos Justiça social, Justiça cognitiva (Boaventura Santos, 2007; Nunes, 2008); Justiça Sanitária (Nunes, 2009); Justiça ambiental (Porto, 2009; 2011).

Palavras-chave


ADOLESCÊNCIA; EQUIDADE DE GÊNERO, DEMOCRACIA ÍNTIMA; SAÚDE SEXUAL

Referências


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