Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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A proposta do Centro Regional de Referência para formação permanente de profissionais dos municípios da região metropolitana II do estado do Rio de Janeiro que atuam nas redes de atenção aos usuários de drogas
Ândrea Cardoso de Souza, Lorenna Figueiredo Souza, Elisângela de Souza Onofre, Ana Lúcia Abrahão, Francisco Leonel Fernandes, Maria Alice Bastos, Júlio Cesar Nicodemos, Sâmara Silva Moura

Última alteração: 2015-10-27

Resumo


O uso de álcool e outras drogas tem sido problematizado em várias esferas da sociedade brasileira. As consequências do abuso destas substâncias são múltiplas e percebidas em vários setores. Por afetar tanto a saúde individual quanto à coletiva, este fenômeno exige uma abordagem que agregue prevenção, tratamento, organização de práticas e serviços assistenciais e formulação de políticas públicas específicas. A crítica ao modelo de atenção focado na doença ocupa lugar fundamental no debate sobre a formação em saúde, convocando pesquisadores e profissionais à construção de estratégias que ampliem este entendimento, deslocando as práticas pedagógicas da doença e centrando-as no sujeito. Construir espaços pedagógicos no e a partir do trabalho constitui o desafio da formação que ganha densidade quando o usuário faz uso de álcool e drogas de forma abusiva. Isso aponta a necessidade de construir uma nova maneira de se produzir saúde, em uma ampla rede de serviços públicos. Este trabalho consiste em apresentar uma proposta de formação cujo objetivo consiste em qualificar profissionais para o cuidado aos usuários de drogas e favorecer a qualificação das redes de cuidados aos usuários de drogas. O CRR para Formação em Crack, Álcool e outras Drogas da Universidade Federal Fluminense - UFF foi um dos 49 Centros Regionais de Referência aprovados pelo edital nº 002/2010/GSIPR/SENAD do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, instituído pelo decreto 7.179 de 20 de maio de 2010. Os CRR são centros vinculados a instituições de ensino, destinados à formação permanente dos profissionais que atuam nas redes de saúde, assistência social e segurança pública, bem como daqueles que atuam no Ministério Público, Poder Judiciário e entidades que prestam apoio a adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas. Essa iniciativa favoreceu a interlocução com a formação de profissionais de saúde, protagonistas do cuidado em todos os níveis de atenção, para o cuidado de usuários de crack e outras drogas. O CCR-UFF entende que para avançar na assistência de usuários de álcool e outras drogas é preciso investimento maciço na formação permanente dos diversos profissionais nela envolvidos, para além de ações pontuais de discussão. Além disso, é necessário familiarizá-los com os diversos aspectos envolvidos na atenção, desmistificando, dessa maneira, a visão tão arraigada de que o cuidado dessa população deve ser feito por especialistas. Em função da prevalência atual do uso de drogas e, em especial, pelos comprometimentos decorrentes do uso do crack, essa concepção do trabalho é insustentável. Os profissionais das diversas áreas - saúde, assistência social, segurança, educação precisam estar comprometidos com o enfrentamento desta problemática. As capacitações precisam objetivar, além de trabalhar o conteúdo proposto, a produção de interesse pelo desenvolvimento de um cuidado diferenciado, pautado em práticas integrais, no estabelecimento de vínculos, no acolhimento e na corresponsabilização da atenção aos usuários. O CRR-UFF se alinhou com Merhy, Schiffler (2010), quando este diz que as redes de serviços são fontes inesgotáveis de produção sistemática de novos conhecimentos e práticas – e a universidade como cenário onde essa produção pode alçar um estatuto científico próprio enquanto pesquisa com a potência de excitar o debate e o processo social em curso nas práticas dos serviços, e o que é decisivo, colaborando para que estes rompam o isolamento em que uma prática cega, não afetada pela crítica, corre o risco de encarcerá-los condenando-os à uma dinâmica institucional iatrogênica. Destarte, se o exposto acima soa bem e já se aplica em alguns campos da saúde, temos de ressaltar aqui a novidade de tudo isso no que concerne ao campo das drogas. É verdadeiramente impressionante o tabu que até hoje cerca as possibilidades de estudar e intervir nesse campo de uma maneira aberta – o que só agrava o problema. A atitude mais favorável de um enquadramento correto já é há muito conhecida, mas sua aplicação prática é recentíssima. A articulação da universidade com os serviços de saúde na concepção de um centro de referência para formação é fundamental para agregar o saber universitário com a experiência clínica da assistência, tornando esse saber mais vivo e próximo da realidade dos profissionais. Além disso, faz-se necessário ter a universidade como protagonista na produção de conhecimento sobre novas práticas no cuidado com usuário de álcool e outras drogas. Até a promulgação da política do Ministério da Saúde para atenção integral ao usuário de crack, álcool e outras drogas, a ótica predominante no campo da saúde era predominantemente médica e/ou psiquiátrica. A política do Ministério da Saúde tem a vantagem de trazer para dentro desse campo a reflexão sobre a multifatorialidade envolvida no problema do uso / abuso de crack, álcool e outras drogas, apontando a complexidade da questão, evitando assim uma abordagem reducionista do problema. Novas práticas em saúde com essa população devem, portanto, levar em conta essa complexidade. A universidade pode contribuir na construção e avaliação dessas novas práticas e no diálogo com outros campos de conhecimento envolvidos com a questão. Contribuir para a qualificação de profissionais para desenvolverem uma atenção integral aos usuários de crack, álcool e outras drogas, proporcionando aos alunos o contato com a realidade vivida por pessoas em sofrimento psíquico, introduzindo-os na clínica da atenção psicossocial e ao cuidado de usuários de álcool e outras drogas dentro da perspectiva da Política do Ministério da Saúde para atenção integral para usuários de álcool e outras drogas. Desde sua implantação, o CRR já qualificou 653 profissionais da região metropolitana II do estado do Rio de Janeiro. A proposta pedagógica do CRR-UFF foi embasada nos princípios que orientam a educação permanente em saúde. Enfrentar a questão da droga, tomando-a como principal elemento, dispensando o sujeito do processo, compromete uma assistência baseada nas tecnologias leves, que têm um compromisso permanente com a tarefa de acolher, responsabilizar, resolver e dar autonomia. Para favorecer a construção do cuidado em saúde mais afeito às tecnologias leves, o CRR-UFF prioriza a formação para o trabalho dentro da perspectiva da redução de danos, preconizada pela política de atenção integral a usuários de drogas do Ministério da Saúde. Trabalhar dentro da perspectiva de redução de danos, que resgata o usuário em seu papel autoregulador, sem a demanda imediata da abstinência, exige o atravessamento do problema do estigma relativo ao uso de drogas, já que é necessário reconhecer os recursos de cada um e dar suporte para que o sujeito formule suas estratégias possíveis de cuidado. Desta forma, os cursos oferecidos pelo CRR-UFF abarcam os conteúdos específicos adequados ao público alvo visado, mas tem a desconstrução dos estigmas relativos a usuários de álcool e drogas como tema transversal trabalhado nas aulas, através de aulas expositivas e oficinas de trabalho.    

Palavras-chave


Educação Permanente; Álcool e drogas; Atenção à saúde

Referências


MERHY, E.E.; SCHIFFLER, Â.C.R. Quando a Atenção Domiciliar vaza do (no) modelo tecnoassistencial de saúde: o caso de Sobral/CE. Universidade Federal do Rio de Janeiro - Micropolítica do Trabalho e o Cuidado em Saúde., 2010.