Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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DIVERSIDADE CULTURAL NA EDUCAÇÃO EM SAÚDE: CONTRIBUIÇÕES DAS COMUNIDADES RELIGIOSAS DE CULTURA AFRO-BRASILEIRA
Sandra Ceschin Fioravanti

Última alteração: 2015-10-22

Resumo


Introdução: Os conceitos de saúde, doença e cuidado são resultados da construção histórica social de diferentes realidades, compõem uma ampla rede de valores, crenças, saberes e práticas de cuidado que são herdados culturalmente. A cultura é percebida como um sistema simbólico, ao qual o homem percebe e interpreta o mundo condicionando os seus diferentes comportamentos em relação à vida. O conceito de cultura tem sido evocado no ensino e no trabalho em saúde, porém explorado de forma superficial. O modelo de saúde hegemônico tem mostrado-se incapaz de atender de forma integral o ser humano diante de sua complexidade, demostrando a necessidade da criação de novos paradigmas na atenção em saúde. Para a construção de um modelo diferencial que seja capaz de responder melhor as necessidades de saúde de toda uma população, se faz necessário considerar a diversidade cultural presente em toda sociedade. Deste modo se torna relevante reconhecer que o modelo biomédico não é o único sistema de saúde que oferta possibilidades de interpretação do processo de saúde/doença, sendo múltiplos os caminhos em busca de um itinerário terapêutico que traga maior sentido ao adoecimento para a população. As comunidades religiosas de cultura afro-brasileira apresentam-se como importantes espaços de promoção do cuidado e um campo fértil na produção do conhecimento, destacando-se por sua relação com as práticas de cuidado com o corpo e a saúde à partir de suas concepções mágico-religiosas. Possibilitam através do seu sistema de crença múltiplas escolhas para uma abordagem em saúde mais integrativa. Possuem um modelo de atenção estruturado em valores tradicionais que contribuem de forma relevante para a compreensão da cultura relacionado ao processo de saúde/doença. As práticas de cuidado oferecidas nessas comunidades se dão por uma variedade de recursos naturais, como a fitoterapia e o toque sensível, revelando-se como mais um recurso entre as diversas opções dentro do pluralismo terapêutico brasileiro. Ofertam trocas de saberes compartilhadas, estimulam o protagonismo e a autonomia do cuidado, aproximando-se melhor da política de humanização proposta pelo Sistema Único de saúde/SUS. As práticas de ofertadas nas comunidades religiosas de cultura afro-brasileira assumem um papel complementar do cuidado, atuando de forma simultânea e não excludente da assistência baseada no modelo biomédico. Favorecem a ampliação de espaços saudáveis de promoção de saúde e prevenção de agravos em classes sociais em estado de vulnerabilidade. Estimulam a participação popular coletiva e a inclusão social, valorizando o sujeito como produtor da sua própria história de vida. Objetivo(s): o presente estudo busca contribuir na visibilidade da cultura popular religiosa afro-brasileira, como apoio terapêutico para os problemas relacionados ao processo de saúde e doença. Pretende gerar uma reflexão no campo da educação sobre a potencialidade da abordagem cultural pela perspectiva da saúde. Esforça-se em demonstrar a necessidade de aprofundamento no conceito de cultura pela perspectiva antropológica sobre a relação saúde, cultura e sociedade como um desafio no trabalho e na formação em saúde. Pretende construir possibilidades de escuta e acolhimento dos discursos da população de cultura religiosa afro-brasileira e suas particularidades baseadas na tradição mágico-religiosa pela sua relação com o processo saúde/doença. Incentivar diálogos entre o conhecimento científico e a cultura popular para o desenvolvimento do processo educacional e das práticas de atenção com maior grau de adesão, satisfação e efetividade. Metodologia: O estudo é fruto de recortes e adaptação do artigo científico apresentado no curso de Enfermagem da Faculdade de Ciências Biológicas e da Saúde, para obtenção de título de bacharel no ano de 2014.  Realizou-se um levantamento bibliográfico de conclusão parcial, com metodologia de pesquisa exploratória, por meio das fontes de informações disponíveis na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), com um recorte transdisciplinar apoiada nas leituras de produções relacionadas com o tema Religião, Saúde e Cultura Afro-brasileira, apoiando-se em politicas públicas de promoção, atenção integral e educação em saúde. Observou-se a escassez de publicações que abordam o tema em específico, ou seja, a correlação da religião afro-brasileira com a promoção do cuidado e a abordagem da diversidade cultural na educação em saúde. Resultados: os resultados demonstram a necessidade de aprofundar as discussões de elementos que permitam a transferência dos conhecimentos da cultura popular afro-brasileira, no sentido de compreensão do fenômeno religioso, como parte integrante das experiências vividas e na valorização da subjetividade do ser humano. Tal como reconhecer a atuação dessas comunidades como complementar as políticas públicas de promoção propostas pelo SUS. Aponta-se a fragilidade com que o conceito cultural é abordado nos centros de educação em saúde, sendo que a identidade da sociedade brasileira é constituída pela diversidade cultural. Considerando a importância dos limites e das possibilidades de práticas educativas, a partir de uma abordagem cultural no sentido de permitir possíveis interpretações para o processo saúde/doença, propõe-se contribuir na abertura para a construção de novos caminhos com maior interação entre o ensino/comunidade/trabalho pela perspectiva da saúde, aproximando-se de uma atenção culturalmente sensível, ausente de preconceitos. O olhar revela o fortalecimento do vínculo através da dinâmica curador e doente como importante elemento de adesão as práticas de cuidado, expressando a satisfação na escolha do itinerário terapêutico que ocorre de forma mútua e compartilhada. Conclusão: O baixo investimento ao conceito cultural sob a perspectiva antropológica evidencia a necessidade de mudança nos parâmetros educacionais dos centros de ensino em saúde. Tal compreensão se torna fundamental para a formação e a atuação no trabalho em saúde coletiva, para uma abordagem mais integrativa e humanizada. É possível afirmar que à frente da diversidade cultural, é relevante que o profissional de saúde reconheça a cultura afro-brasileira como integrante da atenção em saúde. Estas comunidades, à partir de suas regras e visão de mundo aos quais extrapolam os valores do modelo biomédico, possibilitam uma construção coletiva de promoção em saúde, formando uma rede de apoio social fortemente baseada nas relações interpessoais, estimulando redes de solidariedade e o fortalecimento da singularidade dos sujeitos. A necessidade do cuidado cultural reorienta os modelos de educação em saúde, ampliando as ofertas de atuação diante da diversidade cultural brasileira. Desta forma estes espaços comunitários se revelam como um ambiente de produção do cuidado e um espaço rico pra a produção do conhecimento, transformando a atenção em saúde em uma ato de cidadania e de inclusão social.

Palavras-chave


Saúde; Doença; Cultura; Religião; Afrobrasileira; Educação

Referências


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