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Concepções e práticas de comunicação: um estudo com trabalhadores de saúde e usuários na Estratégia Saúde da Família
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
Apresentação: O presente estudo consistiu em uma Tese de Doutorado do Programa de Pós- Graduação em Saúde da Criança e do Adolescente da Universidade Federal de Pernambuco. O objeto de estudo foi a comunicação produzida entre trabalhadores de saúde e usuários no cuidado à criança menor de dois anos, acompanhadas na Estratégia Saúde da Família. Comunicação pode ser definida como a relação estabelecida entre trabalhador de saúde e usuários em momentos e espaços no qual ocorre o cuidado em saúde. Durante a vivência do cuidado à criança, os trabalhadores de saúde utilizam seus conhecimentos técnicos, bem como a dimensão relacional para abordar as várias questões que envolvem a atenção à criança. No nosso estudo, compreende-se todo e qualquer encontro que se efetiva entre os trabalhadores de saúde da Estratégia Saúde da família e usuários do Sistema Único de Saúde (cuidadores/mães/crianças) como momento em que se efetiva a comunicação. Optou-se pelo estudo da concepção que estes atores sociais possuem quanto à comunicação, priorizando o grupo etário de crianças de zero a dois anos, por ser um grupo de maior vulnerabilidade no âmbito da morbimortalidade infantil, além de ser o período de maior velocidade de crescimento e desenvolvimento (Brasil, 2004). Os objetivos do estudo foram conhecer as concepções e práticas de trabalhadores de saúde e usuários no que se refere à comunicação no cuidado à criança e investigar como se processavam as práticas de comunicação nas ações de educação em saúde entre trabalhadores de saúde e usuários no cuidado à criança menor de dois anos no contexto da Estratégia Saúde da Família. As perguntas condutoras que fundamentaram o estudo foram: “Qual a concepção que trabalhadores de saúde e usuários possuem sobre a comunicação? e “De que forma ocorrem as práticas de comunicação, entre trabalhadores de saúde e usuários, no cuidado à criança menor de dois anos?” A resposta a esses questionamentos relacionados tanto às subjetividades de trabalhadores de saúde quanto de usuários, além da observação in loco de como se organizava e se efetiva a comunicação e interação entre estes atores sociais e os usuários do Sistema Único de Saúde visa fornecer elementos para estudos posteriores, que possam enfocar intervenções, que instrumentalizem os trabalhadores de saúde da família e cuidadores a desenvolverem conjuntamente práticas comunicativas problematizadoras e dialógicas, que agreguem o conhecimento técnico-científico aos saberes populares no cuidado à criança menor de dois anos no contexto da Estratégia Saúde da Família, permitindo a construção de processos de ajuda e compartilhamento de informações, experiências e saberes entre estes sujeitos. Desenvolvimento do trabalho: Estudo qualitativo, desenvolvido em uma Unidade de Saúde da Família no município de Jaboatão dos Guararapes-Pernambuco, com trabalhadores de saúde e mães/cuidadoras de crianças menores de dois anos. Os instrumentos para coleta foram entrevistas semiestruturadas e observação participante. As entrevistas foram realizadas na Unidade e nos domicílios e a observação ocorreu em consultas de enfermagem em puericultura, atendimentos da dentista e grupo de educação em saúde. Os dados foram gravados e transcritos para análise, por meio da Análise de Conteúdo de Bardin e analisados sob o referencial teórico da Teoria da Ação Comunicativa de Habermas. A Teoria da Ação Comunicativa de Jürgen Habermas tem subsidiado investigações no campo da inter-relação entre trabalho, saúde e comunicação (CRACO, 2006), mostrando-se apropriada para o entendimento da comunicação como subsídio para o entendimento entre os sujeitos envolvidos (racionalidade comunicativa) e superando a visão instrumental da comunicação voltada ao êxito (racionalidade instrumental) (HABERMAS, 2003; HABERMAS, 2012). Esta teoria está relacionada aos estudos da Hermenêutica, a qual se ocupa em estudar as interações linguísticas entre seres humanos, de forma a elucidar a tríplice relação de um proferimento: 1) como expressão da intenção de um falante a um ouvinte; b) como expressão para o estabelecimento de uma relação interpessoal entre falante e ouvinte e c) como expressão sobre algo no mundo (HABERMAS, 2003). O projeto foi enviado para o Comitê de Ética e Pesquisa do Complexo Hospitalar Oswaldo Cruz/Procape, obtendo parecer favorável, sob o número CAAE 0058.0.106.000-11. Resultados: Participaram 11 trabalhadores de saúde e 33 cuidadoras/mães de crianças de zero a dois anos, das quais 19 participaram da entrevista semiestruturada e 14 da observação não participante. Quanto à concepção de comunicação por trabalhadores de saúde e usuários identificaram-se duas concepções distintas, uma denominada instrumental, pelas características de domínio e repasse de informações na direção do trabalhador de saúde para o usuário e outra, denominada compartilhada, por ser entendida como comunhão de saberes entre o trabalhador de saúde e usuário, contendo aproximações aos pressupostos da Teoria da Ação Comunicativa. Na observação das práticas de educação em saúde, foram observadas 10 consultas de enfermagem em puericultura, quatro atendimentos da dentista e um grupo de educação em saúde voltado para gestantes. Nesses momentos, identificou-se que a comunicação seguia uma lógica unilinear e instrumental, baseada na normatização sobre a vida dos usuários, sem a presença do intercâmbio de saberes. Acredita-se que a busca por uma prática comunicativa que promova maior diálogo entre o saber científico e outros saberes, como o popular, oriundo da cultura e tradições deve ter início durante a graduação dos profissionais de saúde, com a abordagem da comunicação não como instrumento de trabalho meio-fim para a obtenção de informações do usuário e normatização do profissional de saúde, mas como prática que promove o intercâmbio de saberes e resulta em práticas de promoção da saúde significativas tanto para o profissional como para os usuários. Esse processo deve ser estendido por meio da Educação Permanente em Saúde a todos os trabalhadores integrantes da equipe. Considerações finais: A comunicação nas práticas em saúde precisa superar o aspecto unilinear, para a busca de um modelo dialógico, que esteja concatenado com os princípios filosóficos da Estratégia Saúde da Família. Os trabalhadores de saúde devem ser sensibilizados para práticas comunicativas dialógicas, tanto durante a graduação como nos processos de educação permanente em saúde, de modo a contribuir para um diálogo que permita o intercâmbio entre o saber técnico-científico e o saber popular, visando à elaboração de planos de ação com quadro de referência comum e compartilhado.
Palavras-chave
Comunicação; Educação em Saúde; Saúde da Família
Referências
- Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Agenda de compromissos para a saúde integral da criança e redução da mortalidade infantil. Brasília: Ministério da Saúde, 2004.
- CRACO, P.F. Ação comunicativa no cuidado à saúde da família: encontros e desencontros entre profissionais de saúde e usuários. 2006. 308f. Tese. Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo. Departamento de Enfermagem Materno-Infantil e Saúde Pública, 2006.
- Habermas J. Consciência moral e agir comunicativo. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 2003.
- ______. Teoria do agir comunicativo: racionalidade da ação e racionalização social; tradução SOETHE, P. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2012. Vol.1.