Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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CIF-CJ e repercussão de alterações de linguagem na percepção de crianças e adolescentes
Amanda Brait Zerbeto, Daniele Theodoro Ostroschi, Regina Yu Shon Chun, Maria de Lurdes Zanolli

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


Apresentação: Pessoas com alterações de linguagem podem sofrer vulnerabilidade em diversos domínios, sendo um deles a restrição em atividades e participação (Markham, Dean, 2006; McComark et al., 2010; McLeod et al., 2014). Dessa forma, é importante que os profissionais que lidam com crianças e adolescentes com tais dificuldades se preocupem também com as repercussões na vida social das pessoas com alterações de linguagem. Nas últimas décadas houve uma mudança na área da saúde, o objetivo da atuação de profissionais da saúde passou a abranger mais aspectos além do curar uma doença ou cuidar da vida, tornando-se importante também reduzir a vulnerabilidade ao adoecer e as chances desta produzir incapacidade nas crianças e adolescentes. As classificações que contemplam o ser humano nessa perspectiva são poucas, e uma que cumpre esse propósito é a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde e, neste caso, a versão para crianças e jovens (CIF-CJ, OMS, 2007). A CIF-CJ introduz uma mudança de paradigma da saúde, do modelo biomédico para um modelo biopsicossocial, integrando a funcionalidade e a incapacidade humana (OMS, 2007; Sampaio, Luz, 2009; Di Nubila, Buchalla, 2008). O uso de uma classificação que aborde a funcionalidade do sujeito e identifique as repercussões sociais das dificuldades de linguagem é de grande relevância. Portanto o objetivo do presente estudo é investigar aspectos de funcionalidade de crianças e adolescentes com alterações de linguagem utilizando a CIF-CJ. Desenvolvimento do trabalho Trata-se de pesquisa com delineamento descritivo-analítico de abordagem qualitativa, aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade em que se realizou o estudo sob CAAE 14110313.9.0000.5404. Apresenta-se aqui parte de estudo de doutorado em desenvolvimento. Participaram da pesquisa 30 crianças e adolescentes com queixas de linguagem e em acompanhamento fonoaudiológico na clínica-escola com idades entre 4 e 16 anos, que tivessem condições de compreender e responder às questões norteadoras da pesquisa e que não apresentassem perda auditiva ou problemas neurológicos. As dificuldades de linguagem dos participantes envolviam gagueira e alterações de oralidade. Para a coleta de dados realizou-se entrevistas semiestruturadas, diário de campo e estudo dos prontuários. As entrevistas foram gravadas em vídeo. Os responsáveis legais preencheram um questionário sobre informações da criança, da família e do contexto em que vivem. Para a análise de dados as entrevistas foram transcritas, e a partir dos dados obtidos foram definidos os itens da CIF-CJ por uma das autoras com validação externa pela orientadora e coorientadora da pesquisa. Para a classificação dos qualificadores da CIF-CJ foram consideradas as respostas dos participantes, as informações contidas nos questionários respondidos pelos pais, dados dos prontuários e as observações realizadas pela pesquisadora no decorrer da entrevista. As entrevistas foram submetidas à análise de conteúdo temático. Os participantes foram identificados pela letra “P”e um número de identificação do mesmo (exemplo: P3, P5). Para a classificação dos itens da CIF-CJ foram seguidas as instruções recomendadas. Os componentes da CIF-CJ são representados por letras: Funções do Corpo (b), Estruturas do Corpo (s), Atividades e participação (d), Fatores ambientais (e). Os qualificadores variam do nível 0 (zero) correspondente a nenhum problema ou dificuldade, nível 1 (dificuldade leve), nível 2 (dificuldade moderada), nível 3 (dificuldade grave), até ao nível 4 que elenca um problema ou dificuldade total ou completa. Também existem o nível 8, grau de incapacidade que não esteja especificado, e o nível 9, para o domínio que não seja aplicável. Em relação aos fatores ambientais (e) estes podem ser considerados como facilitadores (utilizando-se um símbolo “+” a seguir ao código numérico) ou barreiras (utilizando-se um ponto a seguir ao código numérico).   Resultados e/ou impactos: Observou-se que a maioria dos participantes (80%) era do sexo masculino. A maioria dos pais dos participantes vivem juntos, as mães tinham entre 10 a 12 anos de escolaridade e profissões maternas que geram renda para a família. A hipótese diagnóstica principal de gagueira foi de 50 % de casos e 50% de alterações de oralidade, com maior frequência de tempo de atendimento fonoaudiológico entre 0-6 meses e maior que um ano. A maioria dos participantes não tinha histórico de problemas de linguagem na família. No domínio da CIF-CJ relativo à articulação (b320) os participantes apresentaram dificuldades que variaram de leve à grave, com referência de que as pessoas apresentam dificuldade em entender o que falavam em ambiente como casa e escola. Nas questões de fluência (b330) seis participantes apresentaram dificuldade leve, oito dificuldade moderada e dois, dificuldade grave. As crianças mais novas referiram que outras pessoas falavam que tinha algo “errado” com sua fala, mas nem todas denominaram essa dificuldade como “gagueira”, quando era o caso. Os participantes que estavam em terapia há mais tempo, abordaram mais abertamente questões da fluência e suas repercussões, como por exemplo “minha fala é ruim porque eu gaguejo” (P11). As dificuldades nas funções de articulação e fluência tiveram repercussão no falar (d330) e conversação (d350). Os participantes, em sua maioria, relataram preferir conversar com familiares da família próxima e alargada ao invés de realizar essas atividades com amigos da escola e vizinhos. Os participantes também informaram não gostar de conversar com quem tem dificuldade de compreender a fala deles, com colegas que imitam seu jeito de falar, colocam apelidos ou fazem brincadeiras relacionadas à sua dificuldade de fala. Também apresentaram implicações nos relacionamentos dos participantes com seus diversos interlocutores; o pior qualificado foi o com estranhos (d730), e o melhor foram os sociais informais (d750). O relacionamento com amigos foi um dos domínios com menor dificuldade, porém ainda assim não foi classificado como “zero”, pois muitos colegas da escola e vizinhos apresentaram atitudes barreiras (e420, e425) que prejudicaram o relacionamento social informal. Quanto ao relacionamento com familiares (d760) alguns participantes classificaram a relação como “triste” em função das atitudes que os familiares apresentavam diante das dificuldades de linguagem (e410). Sobre as atitudes de membros da família próxima (e410), foram relatadas atitudes consideradas barreiras tais como pouca conversa entre pais e filhos, os pais e parentes próximos corrigirem as falas das crianças, e pedirem para que elas repitam até falarem do jeito correto. Nos casos de gagueira para “falar mais devagar”, “parar de falar, respirar e continuar”. Considerações finais: Os resultados mostram que na percepção das próprias crianças e adolescentes, as alterações de linguagem repercutiram na maioria dos domínios de “Atividades e participação”, resultando implicações em atividades como falar, conversar e dificuldades para relacionar-se com amigos, familiares, conhecidos e estranhos. Destaca-se que a utilização da CIF-CJ foi fundamental para o levantamento dessas repercussões. Ao utilizar uma abordagem biopsicossocial da funcionalidade e participação das crianças e adolescentes pela CIF-CJ foi possível correlacionar as alterações de linguagem com o contexto social e ambiental desse grupo populacional. Dessa maneira, essa abordagem possibilitou conhecer as dificuldades e potencialidades dessas crianças e adolescentes, traz contribuições para o planejamento de ações na atenção à saúde de crianças e adolescentes na perspectiva da integralidade do cuidado. 

Palavras-chave


CIF-CJ; Alterações de Linguagem; Promoção de Saúde

Referências


Markham C, Dean T. Parents’ and professionals’ perceptions of Quality of Life in children with speech and language difficulty. International Journal of Language and Communication Disorders 2006; 41: 189– 212.

McCormack J, McLeod S, Harrison LJ, McAllister L. The impact of speech impairment in early childhood: Investigating parents' and speech-language pathologists' perspectives using the ICF-CY. Journal of Communication Disorders 2010; 43(5), 378-96.

McLeod S, McAllister L, McCormack J, Harrison LJ. Applying the World Report on Disability to children's communication. Disabil Rehabil 2014; 36(18):1518-28.

World Health Organization. ICF-CY: International classification of functioning, disability and health—Children and youth version. Geneva:Author; 2007. 312 p.

Sampaio RF, Luz MT. Funcionalidade e incapacidade humana: explorando o escopo da classificação internacional da Organização Mundial de Saúde. Cad. Saúde Pública 2009; 25(3):475-83.

Di Nubila HBV,  Buchalla CM. O papel das Classificações da OMS - CID e CIF nas definições de deficiência e incapacidade. Rev. Bras. Epidemiol 2008; 11(2): 324-35.