Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
A epidemia do ebola e sua repercussão na Folha de São Paulo: uma análise de mídia
Gisele Domingues de Mattos, Liara Saldanha Brites, Rachel Cohen, Cristianne Maria Famer Rocha

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


Apresentação: Em 2014, a Epidemia do Ebola atingiu regiões situadas na África Ocidental. Tornou-se enigmático porque o surto causado pelo vírus localizou-se na África Ocidental, afinal, a região é distinta e longínqua daquela em que encontramos os primeiros indícios dessa Epidemia, bem como é distante do local que serve de habitat natural para os morcegos da fruta – principal reservatório da doença. A Epidemia teve início em março de 2014, na Guiné, e propagou-se para países vizinhos como Libéria, Serra Leoa e Nigéria. Esses três primeiros ocupam, respectivamente, a 179º, 175º e 183º posições no ranking de países e territórios com piores Índices de Desenvolvimento Humano (IDH), entre os 185 do Sistema das Nações Unidas, comparando aspectos como riqueza, educação, esperança de vida e natalidade (BAUSCH, SCHWARZ, 2014). Relacionado ao baixo IDH, esses países são caracterizados por sistemas de saúde insuficientes ou até inexistentes, o que torna a atual epidemia uma consequência do sistema de pobreza e da brutal exploração de recursos naturais da região. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), até o dia 31 de dezembro de 2014, houve 20.206 casos notificados de doença pelo vírus Ebola, com 7.905 mortes relatadas. Frente a isso, os meios de comunicação, que veiculam ou produzem notícias, representações e expectativas nos indivíduos com propagandas, informações e noticiários, expuseram tal problemática sem que seja realizado um paralelo de comparação adequado com a epidemiologia da enfermidade. Desenvolvimento: O presente trabalho objetivou identificar o conteúdo e os significados dos discursos publicados em um jornal brasileiro, visando compreender como tais reportagens contribuíram para a construção de “saberes” a respeito do Ebola. A metodologia priorizou todas as reportagens veiculadas no período de janeiro a dezembro de 2014, na Folha de São Paulo (FSP), em sua versão online, cujo tema central foi a Epidemia do Ebola. Para tanto, foi inserido a palavra “ebola” no campo de filtragem do site do Jornal e resultaram 153 reportagens, que foram analisadas a partir dos seguintes aspectos: o tema da manchete e do texto, o discurso enunciado/escrito, os personagens citados (grupos específicos), o local de onde se fala, o enfoque do artigo e a(s) fonte(s) de informação. Os discursos enunciados foram submetidos à análise de conteúdo (BARDIN, 2014). Resultados e/ou impactos: Dentre as 153 reportagens selecionadas, 25 reportagens (16,33%) foram publicadas no primeiro e 128 (83,6%) no segundo semestre de 2014. O aumento significativo pode estar relacionado à declaração da OMS, em 8 de agosto de 2014, que decretou a Epidemia do Ebola uma “Emergência de Saúde Pública de alcance mundial”. As principais fontes das reportagens publicadas na FSP foram a própria Folha de São Paulo e a Agência de Notícias. Dentre as publicações da FSP, a produção brasileira corresponde a 53,57% das fontes de informação das reportagens publicadas; os Estados Unidos da América (EUA) são responsáveis por 11,75%; a França por 18,28%;a Inglaterra por 8,49%; a Espanha por 3,92%; a Alemanha por 1,30%; e a China por 1,30%. Em relação aos personagens citados, 49,71% das reportagens se reportaram às populações de Serra Leoa, Guiné e Libéria, e aos profissionais de saúde e representantes de organizações envolvidas no combate à doença. O Governo dos EUA e as populações dos países europeus, dos EUA e do Brasil corresponderam a 27,10% dos personagens citados, sendo o seu conteúdo diretamente relacionado ao risco de propagação da Epidemia. Em relação aos locais onde se fala sobre o Ebola na mídia, 59,44% referiram os países africanos de Serra Leoa, Nigéria e Libéria; 14,68% referiram os EUA, 13,28% o Brasil e 11,88% os países europeus. Em relação ao conteúdo das reportagens, a análise do material pesquisado convergiu para obtenção das seguintes categorias: a) Enfoque das Reportagens. As manchetes continham aspectos amedrontadores, o número crescente de mortes e casos da doença, o risco de disseminação da Epidemia e o rompimento de fronteiras. Foi possível observar um enfoque alarmista em 32,02% das reportagens analisadas. Poucas foram as reportagens (3,92%) que visaram acalentar o medo da população e agir com cautela aliado à ciência. As repetidas publicações do número de mortes e casos da doença, indicando inclusive a morte de profissionais da saúde, podem ter influenciado para a construção de um caráter alarmista da Epidemia; b) Estigmas da população atingida. Na análise, foram evidenciadas várias barreiras morais, culturais e discriminatórias no controle e combate à Epidemia, as quais podem ter influenciado na disseminação da doença e no aumento significativo do número de casos e mortes; c) Epidemia do Ebola e sua relação com o mundo. A FSP noticiou o envolvimento significativo de toda a comunidade internacional na luta contra a Epidemia do Ebola. Relatou esforços na busca pelo controle da Epidemia, visando diminuir o risco de propagação da doença para fora do território africano. O apoio internacional no combate à Epidemia foi evidenciado com relatos de ações como a criação do primeiro centro para tratamento da doença na Libéria pela China e o apoio mútuo de países como os EUA, Coréia do Sul, Japão e Brasil na obtenção de insumos, equipamentos de saúde e recursos humanos no combate à doença e sua propagação. d) Epidemia do Ebola e Brasil. Foi possível observar que, em 91,6% das reportagens, o Brasil estava preparado e organizado para lidar com a Epidemia. A maioria das reportagens demonstraram segurança e controle pelas autoridades de saúde nas questões relacionadas à forma de combate e enfrentamento da doença, enquanto umas poucas (menos de 10% do total) diferiram das demais ao evidenciar aspectos críticos e de apreensão relacionados à Epidemia do Ebola no Brasil. Considerações finais: A FSP, em 2014, publicou informações a respeito da Epidemia do Ebola de um modo alarmista. A crescente divulgação do número de casos e mortes demonstrou um interesse midiático em expor aspectos amedrontadores da doença. As informações decorrentes dos discursos da população atingida pela Epidemia mostraram um saber frágil, inconsistente, baseado no senso comum, em que a doença em si e o modo de transmissão foram permeados por mitos. Ao mesmo tempo, a opinião de especialistas e autoridades sanitárias mundiais conferiu uma cientificidade para a informação, possibilitando confiabilidade às reportagens. À medida que a mídia atua como formadora de opinião, permite ao leitor a interpretação da informação divulgada através de diferentes enfoques. As significações do Ebola foram construídas no espaço midiático, quando a Epidemia foi decretada uma Emergência de Saúde Pública de alcance mundial, o que ocasionou a visibilidade necessária para se tornar uma ameaça internacional.

Palavras-chave


Atenção Primária à Saúde; Programas Nacionais de Saúde; Meios de Comunicação; Fator de Impacto de Revistas; Notícias.

Referências


BARDIN, L., Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 2014.