Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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Conceitos de saúde e doença na formação de graduandos em saúde coletiva: problematizações a partir das vivências em campos de práticas
César Augusto Paro, Roseni Pinheiro

Última alteração: 2015-10-28

Resumo


Apresentação: Os campos de práticas são componentes imprescindíveis da formação dos profissionais de saúde no geral e também dos sanitaristas. Estes estão previstos na própria proposta de Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) para os Cursos de Graduação em Saúde Coletiva (ABRASCO, 2015) e nos diversos Projetos Político-Pedagógico destes cursos. Silva, Ventura e Ferreira (2003) defendem que os campos de práticas na formação dos sanitaristas não devem ser observados como meros espaços para o desenvolvimento de habilidades técnicas – ênfase comum na formação de profissionais da saúde do modo geral –, mas sim como espaços para a apreensão da dimensão práxica do objeto de seu trabalho. Neste sentido, levando em conta a dimensão política da atuação do profissional expressa em sua capacidade reflexiva, interdisciplinar e crítica, fica patente a dificuldade em restringir esse campo prático ao terreno das habilidades, da técnica e da aplicação de uma teoria. A atividade do sanitarista apóia-se em um fazer que não se restringe à teoria ou aos seus desdobramentos tecnológicos, mas sobretudo em um sistema de valores éticos e políticos. Sendo o seu trabalho situado como prática social, a capacidade reflexiva e de tomada de decisões no curso do seu processo de trabalho são fundamentais. A formação profissional no campo de conhecimento da saúde coletiva deve desenvolver capacidades necessárias para o trabalho, incluindo a produção/invenção do próprio campo de trabalho do sanitarista e a capacidade de operar novas mediações interdisciplinares e intersetoriais para o trabalho em saúde. Estas capacidades profissionais devem ser desenvolvidas por meio do exercício do trabalho em situações concretas, buscando ser capaz de gerar novos conhecimentos sobre os objetos de atuação, sempre tomando o próprio trabalho como objeto de análise (FERLA; ROCHA, 2014). Desenvolvimento: Este relato busca compreender e refletir criticamente as perspectivas de saúde e doença que emergem das/nas práticas de ensino realizadas em cenários diversificados de práticas de graduandos em saúde coletiva. Toma como referência a vivência do autor como professor das disciplinas Atividades Integradas em Saúde Coletiva (AISC) no Curso de Graduação em Saúde Coletiva (CGSC) do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IESC/UFRJ). As AISC são atividades transversais ministradas do primeiro ao último período de formação, de cunho teórico-prático, que objetivam desenvolver e avaliar as competências necessárias ao exercício da profissão de sanitarista, tendo como suporte teórico os conteúdos das ciências biológicas, das ciências exatas, das ciências humanas e sociais, além dos conteúdos específicos do campo da Saúde Coletiva. Os cenários práticos são diversificados, abrangendo desde os diferentes níveis de complexidade dos serviços que compõem a rede de atenção à saúde, incluindo-se as instâncias de gestão e planejamento, até as organizações não governamentais e movimentos sociais. Resultados: Dentre as vivências discutidas neste estudo, observa-se que há certos paradigmas que predominam no processo formativo dos graduandos, como é o caso do conhecimento advindo da Epidemiologia. Isto mantém estrita relação com o próprio predomínio do paradigma clínico-epidemiológico no setor saúde. Deste modo, urge que a formação esteja mais porosa às contribuições das Ciências Sociais e Humanas em Saúde. A partir dos relatos relacionados à função social do sanitarista e como este interage com os diversos grupos populacionais, problematiza-se sobre quais são as vocalizações e protagonismos dos usuários nas experiências formativas dos graduandos em saúde coletiva em campos de práticas. Retomando as críticas de Camargo Jr. (2007), questiona-se sobre a necessidade destes estudantes conseguirem compreender que a concepção de projetos de felicidade é responsabilidade e direito dos sujeitos, e não alvo da ação normativa dos profissionais/gestores da saúde. Classicamente, tem se entendido em relação ao sanitarista que não constitui atribuição deste profissional práticas sob responsabilidade de outras corporações – notadamente, o diagnóstico e prescrição de terapêuticas voltadas a indivíduos –, ou seja, sua atuação é sob o corpo social e não corpos individuais, em sua dimensão biológica, que constitui o objeto da prática clínica (UFRJ, 2010). Identificou-se nas práticas em saúde coletiva que aqui foram alvo de reflexão os mesmos entraves que Canguilhem (2005) critica na razão médica nas sociedades contemporâneas, como a dissociação progressiva entre a doença e o doente, o tratamento dos doentes como objetos e não como sujeitos de sua doença e o desinteresse pelas tentativas de compreensão do papel e do sentido da doença na experiência humana. Diante disto, faz-se necessário ampliar espaços na formação dos graduandos em saúde coletiva para a discussão sobre a dimensão do cuidado. Deve-se sempre atentá-los que por detrás de estatísticas há indivíduos, detrás de processos de trabalho há interações humanas, detrás da organização de serviços/ações de saúde há relações de poder. Neste sentido, aposta-se aqui que os campos práticos possam viabilizar a inserção destes estudantes na construção de Projetos Terapêuticos Singulares junto a outros profissionais de saúde, entendendo que este trata-se de um dispositivo potente para garantir e incentivar a autonomia e o respeito aos usuários das ações e serviços de saúde, sendo um elemento muito importante na formação deste profissional (CARVALHO; CECCIM, 2013). Considerações finais: A graduação em Saúde Coletiva trata-se de uma novidade no cenário nacional, sobre a qual ainda carecem estudos que avaliem a matriz curricular, a formação prática, a inserção de egressos no mercado de trabalho, dentre outros. Figura-se um desafio a formação de profissionais críticos, que possam fortalecer a concretização do ideário do movimento da reforma sanitária brasileira. Apesar de haver uma grande aposta na formação em saúde coletiva para suprir esta demanda, foram identificados elementos que precisam ser repensados nesta formação visando atingir este ideal. No funcionamento dos serviços que acolhem os graduandos em saúde coletiva, são diversas as racionalidades relacionadas ao processo saúde-doença existentes. Deste modo, a formação do graduando deve ser generalista e integral para que este possa transitar nestes diferentes espaços com facilidade e destreza, compreendendo o porquê da adoção de determinado entendimento sobre saúde e doença, que, necessariamente, repercute num certo modo de fazer e conduzir as práticas cotidianas destes serviços. Para auxiliar a formação crítica e que possa construir esse conhecimento multidimensional conforme sugerido por Saippa-Oliveira et al. (2011), ressaltamos aqui o papel da instauração de um processo dialógico permanente nesta prática, num cíclico movimento de ação-reflexão-ação, ampliando os pontos de vista o confronto de enfoques nos diferentes aspectos do cuidado em saúde. Deste modo, a integralidade é entendida aqui como um conceito-chave para esta formação, dado que este princípio conclama o papel ético da universidade em formar profissionais de e para a saúde (CECCIM, 2010). Isto implica uma formação que busque compreender a dimensão ampliada da saúde, a articulação de saberes e práticas multiprofissionais e interdisciplinares e a alteridade com os usuários para a inovação das práticas em todos os cenários de atenção à saúde e da formação profissional, assim como a escuta aos fluxos de vida na experiência concreta dos adoecimentos ou demandas por atenção à saúde e o atendimento às necessidades de saúde das pessoas e das populações (CECCIM; FEUERWERKER, 2004a; CECCIM; FEUERWERKER, 2004b; SILVA; SENA, 2008).

Palavras-chave


Educação; Educação Profissional em Saúde Pública; Estágio; Prática de Saúde Pública; Integralidade.

Referências


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