Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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TEATRO DO OPRIMIDO E PROMOÇÃO DA SAÚDE: APROXIMAÇÕES POSSÍVEIS
César Augusto Paro, Neide Emy Kurokawa e Silva

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


Introdução: A área da saúde, principalmente a Promoção da Saúde (PS), tem tido um movimento de aproximação cada vez maior com as linguagens artísticas no seu cotidiano de trabalho. Este cruzamento tem ocorrido de diversas formas, envolvendo uma pluralidade de práticas e saberes. Dentre as linguagens artísticas, o Teatro do Oprimido (TO) parece surgir como uma opção oportuna para as ações de PS. O TO é uma técnica pedagógica, social, cultural, política e terapêutica criada por Augusto Boal (1931-2009), importante teatrólogo, diretor, dramaturgo e ensaísta carioca. Boal (2002) define o TO como um sistema de exercícios físicos, jogos estéticos, técnicas de imagem e improvisações especiais, que tem por objetivo resgatar, desenvolver e redimensionar essa vocação humana, tornando a atividade teatral um instrumento eficaz na compreensão e na busca de soluções para problemas sociais e interpessoais. A metodologia do TO ancora-se em dois princípios fundamentais: a) a transformação do espectador, ser passivo, recipiente, depositário, em “espect-ator”, ou seja, em protagonista da ação dramática, sujeito, criador, transformador; e b) não trata apenas de refletir sobre o passado, mas sim de preparar o futuro, isto é, deve-se transformar todas as situações vividas no espaço cênico em um ensaio para a transformação da realidade. Neste sentido, Boal (1979, p.18) criticava que “basta de um teatro que apenas interprete a realidade: é necessário transformá-la!”. Objetivo: Compreender as contribuições do TO para as ações de PS, descrevendo as produções presentes na literatura acadêmica nacional e internacional e identificando as possíveis apreensões que a saúde faz do TO. Métodos: Tratou-se de uma pesquisa bibliográfica do tipo exploratória, com abordagem qualitativa (TOBAR; YALOUR, 2001). A coleta de dados ocorreu nas bases de dados LILACS, SciELO e PubMed, incluindo estudos publicados entre 1973 e 2014 em português, inglês ou espanhol. A estratégia de busca utilizada foi “(‘Teatro do Oprimido’ OR ‘teatro’) AND (‘Promoção da Saúde’ OR ‘saúde’)” e as suas respectivas traduções em inglês e espanhol. Após coleta inicial, procedeu-se com a técnica de bola de neve por meio da análise da bibliografia referenciada nas publicações incluídas, para inclusão de estudos que pudessem ser relevantes para alcançar o objetivo da pesquisa. Para a análise das publicações, utilizou-se a Análise Temática (BARDIN, 2009). O processo de tratamento dos dados advindos das publicações iniciou-se com a pré-análise, fase em que se realizou a preparação do material e leituras flutuantes dos achados, a fim de propiciar o contato exaustivo com os textos e consequente impregnação pelo conteúdo. Posteriormente, fez-se a exploração do material por meio da operação de codificação, que propiciou eleger unidades de significados que foram descritas e interpretadas (GOMES, 2006; MINAYO, 2004). A discussão e interpretação dos dados foram desenvolvidas a partir dos referenciais teóricos da PS, Saúde Coletiva e do TO. Resultados: A partir do levantamento bibliográfico realizado que inclui 1.791 registros da busca com os descritores e a técnica de bola de neve, foram encontradas oito publicações que tocavam na interseção entre PS e TO. A despeito da escassez da produção científica em relação à PS, a literatura acadêmica que busca estudar o TO já se expandiu para diversas áreas do conhecimento, como Educação, Educação Social, Psicologia, Artes Cênicas, Filosofia, Direito, Ciências da Comunicação e até Economia (BARBOSA, 2011).  A escassez de estudos que abordam a temática do TO na PS demonstra a importância de um maior movimento da academia em investigar mais as possibilidades, potencialidades e limitações de interseção entre os dois campos. Isto também pode estar relacionado ao fato de ainda na prática dos serviços e ações de saúde as experiências de diálogo entre estes dois campos serem incipientes. Neste sentido, vale ressaltar a importância de maior difusão do TO na área da saúde, para que os profissionais possam perceber o potencial deste para a PS. Os estudos incluídos nesta pesquisa foram realizados em cinco países diferentes, abrangendo o continente africano e o americano (Brasil, Canadá, EUA, Mali, e Porto Rico), sendo sete destes com intervenções diretas com diferentes coletividades e somente um essencialmente teórico-conceitual. Os temas e respectivos subtemas que emergiram na análise das publicações foram: TO como recurso para mudanças no estilo e hábitos de vida (uso instrumental do TO; uso não ortodoxo do TO) e TO como elemento de emancipação social (empoderamento no TO; processo do TO efetiva maior participação social; TO propicia uma maior dialogicidade; TO auxilia numa maior compreensão de si e do mundo; transformações individuais e/ou coletivas advindas do TO). Observou-se incompatibilidade entre os alicerces éticos, estéticos e políticos que fundamentam o TO e a vertente da PS baseada nos pressupostos teóricos behaviorista, pois este teatro se afasta de qualquer tentativa de domesticação dos corpos e normatização de comportamentos para se atingir “padrões saudáveis”. Já com relação à perspectiva da Nova PS, observou-se maiores consonâncias dado que ambos logram o fortalecimento de práticas cidadãs questionadoras do status quo e mudanças sociais em prol de uma transformação libertária e crítica. Apesar das aproximações serem nítidas no plano conceitual, os estudos empíricos ainda apresentaram dificuldades em demonstrá-las. Mesmo com todo o potencial emancipatório ofertado pelo TO, na prática, tem se visualizado uma apreensão instrumental, como um mero conjunto de técnicas, reduzindo este potencial para o de uma metodologia interativa, dinâmica e, conforme denominada por alguns, “mais participativa”. Considerações finais: Uma apropriação meramente técnica do TO, despreocupada e desvencilhada de seus pressupostos políticos, é ineficaz como metodologia para a PS. Este uso, que pode ser mais considerado como um abuso, não representa uma possibilidade de mudança radical no modo atual de conceber e praticar saúde conforme idealizado pelo movimento da PS, pois não leva em conta os anseios dos indivíduos e coletividades, assim como atua, predominantemente, sob uma lógica da domesticação e do risco, culpabilizando os indivíduos ao adoecerem por não saberem cuidar de si. Conforme preconizado pela Declaração de Jacarta sobre PS no Século XXI, “a Promoção da Saúde efetua-se pelo e com o povo, e não sobre e para o povo” (OMS, 1997, p.6). Este mesmo princípio é compartilhado por Boal (2013, p.26) quando defende que fazer TO se configura como uma escolha ética, em que se toma o partido dos oprimidos: “é o teatro DOS oprimidos, PARA os oprimidos, SOBRE os oprimidos e PELOS oprimidos”. Múltiplas conexões podem ser criadas entre TO e PS, sendo que este diálogo deve ser potencializado numa perspectiva crítica de reinvenção, mudança e inovação, com o objetivo de que os indivíduos e coletividades possam atuar em melhorias de suas qualidades de vida e saúde.

Palavras-chave


Teatro do Oprimido; Promoção da Saúde; Pesquisa Qualitativa; Transformação Social.

Referências


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