Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

Tamanho da fonte: 
Dialogicidade para elaboração de um Guia Prático de Cuidado para familiares de pacientes com Transtorno Mental: orientações e esclarecimentos
SIMARA DE SOUSA ELIAS, Ednéia Albino Cerchiari, João Baptista de Almeida

Última alteração: 2016-01-06

Resumo


Apresentação: Em conformidade com o cenário da Reforma Psiquiátrica que impulsionou um processo de mudança da reformulação do modelo assistencial com a participação de profissionais, comunidade e familiares no cuidado em Saúde Mental, surge a necessidade de ações interventivas para uma melhor eficácia do papel da família no contexto do cuidado/tratamento, que agora também é realizado no domicílio, em consonância com os serviços substitutivos ao Hospital Psiquiátrico como os Centros de Atenção Psicossocial, Ambulatórios de Saúde Mental, Unidades Básicas de Saúde e leitos em Hospital Geral. Para tanto é preciso que profissionais de saúde escutem e dialoguem com a família do paciente com Transtorno Mental no que diz respeito às dificuldades enfrentadas por estas famílias no acolhimento do paciente pós-alta hospitalar, momento em que a família possa relatar como se sente diante da responsabilidade de zelar pelo corpo sensível do outro e, ainda, expor suas expectativas em relação ao cuidado em saúde mental. A Educação em Saúde proporciona tal aproximação por meio da promoção do diálogo para a construção da autonomia e emancipação das pessoas envolvidas. Ao trazermos essa estratégia como metodologia de relacionamento e de abordagem interpessoal para o cotidiano do cuidado, entendemos que contribuímos para a construção do Sistema Único de Saúde e para o êxito da Reforma Psiquiátrica. Nessa perspectiva, elaboramos um Guia Prático de Cuidados, que está sendo apresentado como resultado desse estudo, oriundo do significado da voz de membro da família e que serve de “modelo” para outras famílias que vivenciam a mesma experiência do cuidado diário em domicílio. Os objetivos propostos no estudo foram de conhecer a perspectiva da família em relação ao Transtorno Mental do ente familiar com internação no Hospital Universitário do interior do Mato Grosso do Sul, que subsidiou a elaboração de um Guia Prático de Cuidado para familiares de pacientes com transtorno mental: orientações e esclarecimentos; pensar a família como protagonista do cuidado em saúde mental; compreender a percepção da família em relação ao cuidado do paciente com Transtorno Mental e incentivar serviços de Saúde Mental a adotarem modelos e práticas que favoreçam a inclusão da família durante todas as fases do tratamento. Método do estudo: seguimos os três passos metodológicos do processo de Educação Popular: Investigação temática; Tematização e Problematização, no diálogo com as famílias dos pacientes portadores de Transtorno Mental. A investigação temática foi realizada por meio do diálogo, onde descobrimos em cada familiar o que já sabia em relação ao diagnóstico, tratamento e cuidado, partindo do que sabia, para conhecer melhor o que sabia e conhecer mais do que sabia. Na etapa da Tematização analisamos o diálogo, buscamos o significado das palavras e temas gerados, o qual nos mostrou que o homem só apreende o que é significativo para ele e na Problematização assumindo os problemas assinalados pelo grupo familiar, elaboramos o Guia Prático de Cuidados que de significado à voz de cada familiar e que sirva de “modelo” para outras famílias que vivenciam a mesmas experiências no cotidiano do cuidado, portanto, admitindo-se, metodologicamente, na perspectiva da Educação Popular freireana, a visão solidária e libertadora do conhecimento. Foram definidos, como sujeitos da pesquisa, as famílias que atenderam aos seguintes critérios de inclusão: ter familiar internado na enfermaria de psiquiatria do Hospital Universitário com diagnóstico de Transtorno Mental no período de agosto a outubro de 2014; residirem no município que a pesquisa foi realizada; ter idade igual ou maior que 18 anos e já terem vivenciado o processo de internação de seus entes. O cenário de estudo foi a enfermaria de psiquiatria do Hospital Universitário. Uma questão disparou o diálogo, sendo ela: Qual(s) a(s) dificuldade(s) enfrentada(s) pela família no acolhimento do paciente com transtorno mental após a alta hospitalar? Após a transcrição e análise das entrevistas, adotamos nove categorias com enfoque em aspectos do cotidiano familiar e do cuidado, que contribuíram para a elaboração do Guia Prático, sendo elas: uso e administração da medicação; inserção do paciente na dinâmica da família; inserção da família na dinâmica do paciente; identificação do cuidador; entretenimento; repouso; espiritualidade; nutrição e afetividade. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética com Seres Humanos da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e pela Comissão de Ética em Pesquisa, Ensino e Extensão do Hospital Universitário. Resultados: Os relatos apresentados neste estudo apontam desafios vivenciados, principalmente, pelas pessoas responsáveis pelo cuidado do paciente com transtorno mental no espaço doméstico, no que diz respeito à compreensão do significado de Transtorno Mental; entendimento de Esquizofrenia e Transtorno Afetivo Bipolar (definição, origem, sintomatologia e tratamento); aspectos procedimentais (uso da medicação, convívio familiar, entretenimento, autocuidado, como agir frente a conflitos e tensões na família, acolhimento do paciente no domicílio do cuidado, inserção da família na vida do ente adoecido, definição de cuidador e substituto, insônia, religiosidade, excesso ou falta de apetite, aquisição de Benefício Assistencial); falta de conhecimento sobre o tratamento (Centro de Atenção Psicossocial e sua relevância, situações em que a internação deve ocorrer, como internar, realização de visita pela família em ambiente hospitalar e Rede de Atenção Psicossocial em Dourados/MS). Considerações finais: Este estudo possibilitou conhecermos a perspectiva da família em relação ao Transtorno Mental do ente familiar hospitalizado. Pela fragilidade do entendimento sobre o diagnóstico, tratamento e prognóstico também evidenciados, vimos a necessidade dos serviços substitutivos ao Hospital Psiquiátrico cumprirem efetivamente seu papel, mediante a inclusão da família nesses espaços de cuidado oriundos da Reforma Psiquiátrica, dirigindo-lhes a atenção para escuta das suas dificuldades e dúvidas em relação ao acolhimento em domicílio do paciente com transtorno mental após o período de internação. Para esse fim, sugerimos a adoção da metodologia inspirada no paradigma da Educação Popular no campo dos cuidados em saúde como possibilidade de propiciar uma relação de troca de saberes entre os grupos familiares, na esfera popular, e os agentes de saúde, da comunidade científica, fato que ocorreu no presente estudo, subsidiando a elaboração do Guia Prático de Cuidado para familiares de pacientes com Transtorno Mental: orientações e esclarecimentos. Quando o transtorno mental é compreendido pela família e, consequentemente, a expectativa em relação ao paciente é reduzida, torna-se mais fácil, para os familiares, terem experiências exitosas em relação ao cuidado. Porém, não há como negar o impacto gerado na família em razão do adoecimento psíquico de um de seus membros; o estresse e o cansaço são perceptíveis. A partir do que foi discutido, acredita-se que, com a prática de Educação em Saúde, a família se sente preparada para receber seu familiar em casa e segura quanto à disponibilidade do serviço em oferecer escuta e auxílio na resolução de problemas que venham a ocorrer.

Palavras-chave


educação popular; famílias; transtorno mental

Referências


BESSA, J. B.; WAIDMAN, M. A. P. Família da pessoa com transtorno mental e suas necessidades na assistência psiquiátrica. Texto Contexto Enfermagem, v. 22, n. 1, 2013, p. 61-70.

BRASIL. Ministério da Saúde. Regimento da IV Conferência Nacional de Saúde Mental – Intersetorial. Brasília, 2010. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/regimento_interno_conferencia_02_03.pf.Acesso em: 23 jan/2015.

BORBA, L.0. et al. A família e o portador de transtorno mental: dinâmica e sua relação familiar.  Revista Escola de Enfermagem. USP, vol. 45, n.2, 2011, p. 442-449.  CARDOSO, L.; GALERA, S. A. F. Adesão ao tratamento psicofarmacológico. Acta Paulista Enfermagem, v. 19, n. 3, 2006, p. 343-8.

FREIRE, P. Pedagogia do oprimido. 50 ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

MINAYO, M. C. de S. O desafio do conhecimento - Pesquisa Qualitativa em Saúde. 12ª. ed. São Paulo: Hucitec, 2010.

NAVARINI, V.; HIRDES, A. A família do portador de transtorno mental: identificando recursos adaptativos. Texto & Contexto Enfermagem, v. 17, n. 4, 2008, p. 680-688.

SARTI, C. A. Família e individualidade: um problema moderno. In: DE CARVALHO, Maria do Carmo Brant et al. A família contemporânea em debate. 5ª ed. São Paulo: Cortez, 2003, p. 39-49.

SCHRANK, G.; OLSCHOWSKY, A. O centro de atenção psicossocial e as estratégias para inserção da família. Revista-Escola de Enfermagem Universidade de São Paulo, v. 42, n. 1, 2008, p. 127-134.

VASCONCELOS, E. M. Participação popular e educação nos primórdios da saúde pública brasileira. In: A saúde nas palavras e nos gestos: reflexões da Rede de Educação Popular nos Serviços de Saúde. São Paulo: Editora Hucitec, 2001, p. 73-100.

VASCONCELOS, E. M. Educação popular: de uma prática alternativa a uma estratégia de gestão participativa das políticas de saúde. Physis, v. 14, n. 1, 2004, p. 67-83.

VASCONCELOS, E. M. Educação popular e a atenção à saúde da família. 4ª Ed. São Paulo: Hucitec, 2008.