Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA: GARANTIA DA UNIVERSALIDADE OU AFIRMAÇÃO DA EXCLUSÃO?
Amanda Vargas Pereira, Rachel Aisengart Menezes

Última alteração: 2015-11-23

Resumo


Apresentação: Neste trabalho é desenvolvida análise da função de ordenamento da rede de Atenção Básica, que insere o atendimento das Pessoas em situação de rua (PSR) em variados espaços do SUS e de outras políticas públicas. Trata-se de efetuar uma reflexão em torno da existência de um serviço específico para esta população, partindo da premissa de que o SUS conta com o princípio da universalidade do acesso, em que a saúde é um direito de todos. Desenvolvimento do trabalho: À luz da Política Nacional de Atenção Básica (PNAB), as Estratégias de Saúde da Família (ESF) devem se responsabilizar pelo cuidado de todas as pessoas, em seu território de atuação definido (BRASIL, 2011). Contudo, a frequente ausência de residência formal e o comportamento migratório, inerentes à PSR, constituem especificidades nem sempre contempladas, no que tange aos princípios da Atenção Primária à Saúde (APS) para essas pessoas, por parte das ESF (REIS JUNIOR, 2011). Historicamente, as PSR não acessam o SUS e, em geral, nenhuma política pública (BRASIL, 2008). No entanto, uma das funções políticas do SUS na sociedade é trabalhar com as tensões advindas das diferentes formas de viver, pela via da saúde, expressa no território da rua. A especificidade da rua propicia dois desafios ao SUS: lidar com a complexidade das questões de saúde apresentadas  pelos sujeitos, e construir diferentes modos de organização das estratégias de território (LOPES, 2014). Em 2011, com a reformulação da PNAB, foi instituído um modelo de cuidado específico para esta população.  A responsabilidade pela atenção à saúde da PSR – como de qualquer cidadão – é de todos profissionais  do SUS,  com destaque para os inseridos na atenção básica. Em determinadas situações, com o objetivo de ampliar o acesso desses usuários à rede de atenção e oferecer  atenção integral à saúde, passou a ser possível lançar mão das equipes dos Consultórios na Rua (eCR), que são equipes da Atenção Básica (AB), compostas por profissionais de saúde com a responsabilidade exclusiva de articular e prestar atenção integral à saúde da PSR. As equipes devem realizar suas atividades de forma itinerante, desenvolvendo ações na rua, em instalações, na unidade móvel e, também, nas UBS do território em que atuam. A proposta dos consultórios na rua, além da saúde mental, engloba o atendimento à gestante de rua, tratamento de patologias pulmonares, de doenças sexualmente transmissíveis, de doenças de pele, problemas ortopédicos, diabetes, hipertensão, entre  outras condições sob a responsabilidade da ESF, na atual política de atenção básica. Desta forma, entendemos que a inserção das equipes de consultório na rua, no escopo das ações da atenção básica, representa uma ampliação no sentido de efetivar os direitos à saúde desta população (SANTANA, 2014). A Portaria nº 122, de 25 de janeiro de 2012, define as diretrizes de organização e funcionamento das eCR, tendo como parágrafo único sua inserção na AB da Rede de Atenção Psicossocial, de acordo com os fundamentos e diretrizes  da Política Nacional da Atenção Básica. Estabelece as características da equipe por modalidades I, II e III. A primeira modalidade contempla minimamente dois profissionais de nível superior e dois de nível médio, seguida pela II, com três de nível superior e três de nível médio. Por fim, a terceira modalidade conta  com o mesmo quantitativo da equipe II,  acrescido  por um profissional médico (BRASIL, 2012). As eCR  são equipes multiprofissionais que prestam atenção integral à saúde, tanto na rua como na UBS em que  estão lotadas. As atividades são realizadas de maneira itinerante, com ações compartilhadas e integradas às demais UBS locais. As eCR lidam com diferentes problemas e demandas  de saúde da PSR,  desenvolvendo também ações compartilhadas e integradas com as equipes dos Centros de Atenção Psicossocial, dos serviços de urgência e emergência, e de outros pontos de atenção, segundo a demanda do usuário. O conceito de equidade em saúde está relacionado aos parâmetros de justiça e distribuição igualitária, de maneira que o acesso à saúde seja viabilizado de acordo com as demandas e singularidades de cada sujeito. Cabe salientar que a construção de políticas públicas voltadas para a PSR no país é recente, merecendo destaque a elaboração do Decreto nº 7.053/2009, que institui a Política Nacional da População em Situação de Rua. No contexto das grandes cidades ocidentais, pessoas que vivem nas ruas geralmente não acessam o sistema de saúde (SAMPAIO, 2014). Este decreto regulamenta serviços especializados para a PSR e suas articulações em rede. Estes serviços são oferecidos  às pessoas que utilizam as ruas como espaço de moradia e/ou sobrevivência. Um de seus objetivos é garantir cuidado, atendimento e ações que propiciem a construção de um projeto de vida, na perspectiva do fortalecimento de vínculos interpessoais e, também, com a família, quando desejado. Além disso, trata-se de analisar as demandas dessa população para produzir um conjunto de possibilidades de cuidados, envolvendo serviços de diversas naturezas, para que se possa contribuir para uma construção da autonomia, inserção social e rede de proteção social (SAMPAIO, 2014). Se a PSR de rua conta com especificidades e se as eCR se propõem a atendê-las, elas não podem correr o risco de se tornar um serviço especializado em PSR.  Em outros termos, as eCR não surgem para constituir um subsistema de saúde, em que o morador de rua só teria atendimento no SUS nesse tipo de serviço. Desta forma, a especialização somente reproduziria a exclusão que os moradores de rua já sofrem na cidade, bem como a fragmentação das práticas.  Consequentemente, haveria uma perda e fragilização da perspectiva da integralidade (SAMPAIO, 2014). Resultados e/ou impactos: A criação das eCR consiste em  relevante passo  para a materialização da equidade no SUS. No entanto, sua  criação não é suficiente. É preciso que as equipes acionem e implementem, na prática, o princípio da equidade, por meio de estratégias e ações capazes de  criar condições para que seus usuários possam usufruir as ofertas de  serviço da AB. As eCR não devem  se transformar em um mecanismo de segregação dessa população,  retirando seu  direito de inserção no sistema de saúde. Considerações finais: Uma vez que o SUS tem como princípio a universalidade do acesso, faz-se necessário refletir sobre a existência de um serviço específico para a PSR. Tal especificidade no atendimento não deve passar a ser um serviço exclusivo. O Consultório na Rua, por exemplo, é um serviço itinerante, que atua para atenção integral à saúde da PSR, um componente da AB que garante o princípio da equidade. Em suma, postulamos aqui que não seja o único dispositivo de atendimento para esta população.   

Palavras-chave


População em Situação de Rua, Consultório na Rua, SUS

Referências


BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Política Nacional de Atenção Básica. Brasília, DF, 2011.

 

BRASIL. Portaria N° 122, de 25 de janeiro de 2012: define as diretrizes e funcionamento das equipes de Consultório de Rua. Brasília; 2012.

 

LOPES, L. E (Org). Caderno de atividades: curso atenção integral à saúde de pessoas em situação de rua com ênfase nas equipes de consultórios na rua./ organizado por Lucília Elias Lopes. Rio de Janeiro: EAD/ENSP, 2014.

 

Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua (BRASIL, 2008).

 

REIS JUNIOR, A.G. Estudo de caso da equipe de Saúde da Família para população em situação de rua de Belo Horizonte/MG. Rio de Janeiro: Escola Nacional de Saúde Pública/Fiocruz, 2011.

 

SAMPAIO, C. Caderno de atividades: curso atenção integral à saúde de pessoas em situação de rua com ênfase nas equipes de consultórios na rua./ organizado por Lucília Elias Lopes. Rio de Janeiro: EAD/ENSP, 2014.

 

SANTANA, C. Consultórios de rua ou na rua? Reflexões sobre políticas de abordagem à saúde da população de rua. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, 30(8):1798-1800, ago, 2014.