Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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HABITAR O TEKOHA ... A RESIDÊNCIA EM SAÚDE INDÍGENA NO TERRITÓRIO GUARANI E KAIOWA
Tanise de Oliveira Fernandes

Última alteração: 2015-10-22

Resumo


O Programa de Residência Multiprofissional em Saúde (RMS) com ênfase em Saúde Indígena do Hospital Universitário da Grande Dourados (HUGD) apresenta-se como uma estratégia para qualificar o atendimento a população indígena, considerando as necessidades e demandas locais. A cidade de Dourados/MS tem uma das maiores populações indígenas do Brasil, são quase 12 mil indígenas (CAVALCANTE, 2013), das etnias Guarani-Nhandeva, Guarani Kaiowa e Terena. Esta população encontra-se em diversos contextos, como em terras tradicionais indígenas, na Reserva Indígena de Dourados (RID), na cidade e também nos acampamentos. No percurso da RMS tive algumas experiências nas realidades Guarani e Kaiowa além dos campos de estágio previstos pelo programa. Neste trabalho pretendo apresentar e discutir vivências nos acampamentos indígenas. Experiências que me possibilitaram acessar a saúde destes povos em um prisma ampliado, considerando temáticas poucos presentes no contexto hospitalar e principalmente discutindo a saúde no território. Ao utilizar a cartografia (BARROS; KASTRUP, 2012), problematizo esta experiência ao habitar o território em questão, considerando este habitar como um processo que se dá na experiência, na ambientação e composição dos espaços de um pesquisador e seu campo pesquisado (ALVAREZ; PASSOS, 2012). Ao falarmos de acampamentos, estamos considerando a complexidade envolvida neste assunto. Para Mota (2011, p. 335) os acampamentos indígenas são “[...] territórios de resistências, envolvidos em uma multiplicidade de formas de re-existir, produzidos na multidimensionalidade de transitar e interagir entre múltiplos territórios”. Cada acampamento se apresentou para mim de forma singular, diante de suas características, estratégias de organização e de resistência muito particulares. Possuem realidades distintas da RID no que diz respeito à dificuldade de acesso a recursos sociais, precário acesso à saúde, ao ensino, moradia, segurança, dentre outros direitos. Ainda há o complicador da característica de terra em litígio, em que a violência e ameaças por parte de fazendeiros se fazem presente na realidade de alguns acampamentos. No período de três dias, acompanhei uma pesquisadora em suas conversas e entrevistas junto às lideranças indígenas e famílias que ocupam os territórios de acampamentos. Esta experiência possibilitou-me o contato com realidades indígenas que até então eu não havia conhecido com maior proximidade, escutando sobre suas histórias, suas terras tradicionais e os sentidos da luta por aquelas terras. Também me permitiu a compreensão do sentido e do valor afetivo do território indígena, do seu tekoha. Em conversas sobre este território tradicional, o sentimento que circula é de que a felicidade real, o bem viver indígena, está neste lugar tão desejado, espaço em que seus antepassados viveram. O envolvimento afetivo com o território e o desejo em retornar para ele é tão intenso que acabou me envolvendo também, no desejo em conhecer este lugar, que foi mostrado para nós por desenhos e filmagens realizadas pela família e é almejado intensamente. Nesse sentido, o território indígena assume importância em uma dimensão integral na vida destes povos como afirma Mota (2011, p. 118 e 119): [...] além dos Guarani e Kaiowa possuírem um território, estes se fazem humanamente a partir dele, podendo dizer que as relações destas sociedades com o território é um importante e imprescindível meio para a construção identitária destas sociedade, pois refere-se sempre a um modo de vida no território, no caso especifico, no Tekoha. Diante do meu maior esclarecimento acerca da relação que os Guarani e Kaiowa possuem com seu tekoha, me questionei quanto a influência do território nos processo de vida destes sujeitos e como as dinâmicas de saúde e doença são influenciadas pela presença ou distanciamento deste território. Os desafios dos cuidados na saúde indígena que se apresentam a rede de atenção de Dourados são diversos e de grande complexidade, como o uso abusivo de bebidas alcoólicas e outras drogas, as doenças de cunho emocional e/ou espiritual, o suicídio, a violência, dentre outras questões. Qual a relação destas problemáticas com da falta da terra? A vida em acampamentos se dá envolvida por dinâmicas complexas e também singulares de cada território, marcados pela recorrente instabilidade. Assim, um acampamento tem momentos de maior fragilidade da luta - seja por conflitos e quebra de alianças internas ou ameaças externas - e momentos de fortalecimento da resistência. A resistência no acampamento se dá principalmente pelo estabelecimento de alianças políticas para reivindicar o local. No entanto, os Guarani e Kaiowa estando presentes fisicamente ou não em seu território, sempre existirá uma relação afetiva com o local, guardando na memória o lugar que seus antepassados viviam. A assistência à saúde nos acampamentos é realizada pela SESAI (Secretaria Especial de Saúde Indígena). Em conversa com a liderança de um dos acampamentos, esta relatou que duas vezes na semana a equipe volante da SESAI faz atendimento à população local. Quando questionei o que ela achava do serviço, referiu que contemplava as necessidades do seu grupo. Entretanto, o serviço da SESAI enfrenta algumas problemáticas, como o receio dos trabalhadores da SESAI em atuar nos acampamentos indígenas, pela situação de conflito e riscos que estes locais podem oferecer, pela falta de recursos materiais para trabalhar, e pela característica de maior resistência aos serviços de saúde da SESAI por populações de acampamentos. Essas questões devem ser discutidas, investindo em possíveis soluções para os problemas apontados pelas equipes, e, principalmente no trabalho pela garantia do direito ao acesso aos serviços de saúde das populações indígenas, sejam desaldeadas e/ou em acampamentos. Considerações finais Aproximar-me dos acampamentos indígenas, escutar suas histórias e compreender um pouco sobre a relação e a importância do território para os Guarani e Kaiowa, me deslocaram para outro olhar sobre a complexidade da saúde mergulhada nesta relação afetiva que se estabelece com o Tekohá, destacando a influência da questão da terra nas condições de saúde. O acesso à terra é o acesso ao sentido da vida para os Guarani e Kaiowa. Ainda destaco a importância da inserção com mais intensidade da RMS do HUGD nas realidades de saúde, cultural, comunitária, como uma efetiva estratégia para qualificar o trabalho dos residentes desta ênfase, desmistificando compreensões preconceituosas envolvidas pelo desconhecimento sobre a questão indígena, e possibilitando uma olhar mais integral a estes usuários.   

Palavras-chave


residência em saúde; Guarani e Kaiowa; acampamentos

Referências


ALVAREZ, Johnny; PASSOS, Eduardo. Cartografar é habitar um território existencial. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana (Org.). Pistas do Método da Cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividades. Porto Alegre: Sulina, 2012. p.131-149.

BARROS, Laura Pozzana; KASTRUP, Virgínia. Cartografar é acompanhar processos. In: PASSOS, Eduardo; KASTRUP, Virgínia; ESCÓSSIA, Liliana (Org.). Pistas do Método da Cartografia: pesquisa-intervenção e produção de subjetividades. Porto Alegre: Sulina, 2012. p.52-75.

CAVALCANTE, Thiago Leandro Vieira. Colonialismo, Território, e Territorialidade: a luta pela terra dos Guarani e Kaiowa em Mato Grosso do Sul. 2013. 471 f. Tese (Doutorado em História) --Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Assis, 2013.

MOTA, Juliana Grasiéli Bueno. Territórios e Territorialidades Guarani e Kaiowa: da territorialização precária na reserva indígena de Dourados à multiterritorialidade. 2011. 406 f. Dissertação. (Mestrado em Geografia) – Programa de Pós-Graduação em Geografia da Faculdade de Ciências Humanas, Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Dourados, 2011.