Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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MANOEL DE BARROS, PAULO FREIRE E ADOLF SANCHEZ VAZQUEZ: UMA REFLEXÃO TEÓRICA SOBRE A EDUCAÇÃO PERMANENTE EM SAÚDE
ELUANA BORGES LEITÃO FIGUEIREDO, Mônica Villela Gouvêa, ANA LÚCIA ABRAHÃO, Carla Gouvêa

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


Apresentação: A Universidade Federal Fluminense (UFF) no estado do Rio de Janeiro criou em 2011, um Mestrado Profissional em Ensino na Saúde (MPES): Formação Docente Interdisciplinar para o Sistema Único de Saúde (SUS) cuja missão é formar trabalhadores/preceptores com visão crítica e ampliada da sociedade, qualificando-os para a construção de práticas de ensino coletivas, interdisciplinares e criativas, comprometidas com a transformação da realidade e dos serviços. Uma das linhas de pesquisa do MPES apresenta a Educação Permanente em Saúde (EPS) como proposta político-pedagógica baseada na aprendizagem significativa e na perspectiva de transformação das práticas profissionais. Com vistas à iniciativas que visam à transformação do cotidiano do serviço, as autoras têm se aprofundado no estudo da EPS, acreditando neste conhecimento como componente decisivo para efetivação de mudanças nos espaços produtores de saúde, em que educar para o trabalho deve deixar de ser a transferência de recursos cognitivos para tornar-se a formação de intelectuais do setor da saúde (CECCIM, 2008). O estudo tem por objetivo promover o diálogo entre os pressupostos da EPS e referenciais teóricos no sentido de dar visibilidade à importância do investimento na qualidade da formação dos sujeitos-trabalhadores da saúde. Método do estudo: Trata-se de uma reflexão teórica desenvolvida durante as atividades do MPES e parte da dissertação: Educação Permanente em Saúde: inventando desformações, defendida no ano de 2014. Para o estudo, procurou-se promover uma articulação reflexiva entre os princípios da Educação Permanente em Saúde por meio da Política Nacional de EPS e a obra de Manoel de Barros (Livro sobre nada), Paulo Freire (Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa) e Adolfo Sánchez Vázquez (Filosofia da Práxis). Tal articulação foi desenvolvida a partir de uma questão que norteou a imersão na obra dos três autores de referência: como a EPS pode romper com um ensino transmissor e tornar-se uma estratégia de transformação da formação em saúde? Tomou-se como desafio selecionar trechos das obras e articular os achados em um quadro criado para análise e correlação dos conceitos. Resultados: A partir da construção do quadro, foi possível correlacionar inicialmente a importância das obras e a relação com os cenários de formação em saúde. Manoel de Barros, por exemplo, revelou em sua obra o desejo de buscar a experiência do novo afastando-se dos imperativos técnicos e tradicionais das formas cristalizadas; Paulo Freire contrapôs-se à educação bancária, tecnicista e alienante, já Adolfo Sanchez Vazquez produziu uma interpretação humanista da filosofia de Marx articulada ao seu conceito de práxis. A partir da imersão nas obras dos três autores foi possível perceber a necessidade de uma formação que favoreça o transver de sujeitos e cenários, na direção da práxis transformadora e libertadora. A busca e a correlação entre as obras revelaram a EPS como estratégia político-educativa com contribuições individuais, sociais e institucionais que podem advir das diferentes formas de ver, perceber e exercer a formação em saúde, bem como, a educação continuada, transmissora e tradicional como uma formação que precisa ser ultrapassada por sua incapacidade de incorporar o novo, mantendo as mesmas expressões e linearidades descontextualizadas da vida real. Na obra de Freire foi possível observar a importância de uma formação com reflexão crítica sobre a prática, dada pelo autor como uma exigência da relação teoria/prática em que o educando deve assumir-se como sujeito que produz saber, contrapondo, assim, a lógica de transmissão de conhecimento. “É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática” (FREIRE, 1996, p.22). Tal formação é também considerada na Política de Educação Permanente, que considera a aprendizagem significativa e a reflexão coletiva como forma de romper com o ensino transmissor. Manoel de Barros, por sua vez, traz uma contribuição á formação profissional ao evocar o potencial libertário e transformador e ao estimular a capacidade de criar, de voar e de transver o mundo. Considerando que as poesias de Barros são marcadas pela inquietação e estranhamento da realidade, o poeta e sua obra ressaltam a importância do rompimento com as formas endurecidas do pensamento e com as práticas lógicas do “ensinar” e do “fazer” para instaurar o novo. O pensamento do autor é completamente conectado ao que prevê a EPS, uma vez que se apresenta como aprendizagem-trabalho, ou seja, ela acontece no cotidiano das pessoas e das organizações, tendo como ponto de partida o estranhamento da realidade. Neste sentido, Adolfo Sanchez Vasquez, dialoga com ambos os autores quando vê a práxis como uma verdadeira revolução, como um ato de atingir o problema pela raiz, de olhar a realidade com outros modos de ver, e como o poeta, de transver. Assim, com esse panorama teórico foi possível perceber a necessidade dos processos de formação socialmente comprometidos com as diversas realidades que lhes são apresentadas, e que transcendam dialeticamente do plano teórico ao prático, pautados não mais na técnica e no fazer, mas na reflexão e nos processos que produzam e gerem mudanças sociais. Fazendo analogia com os pressupostos da EPS, percebe-se que nela (EPS) existe possibilidade de incorporação do “novo” a partir da problematização do processo de trabalho. A política de EPS expressa a necessidade de ruptura com estruturas rígidas e hierarquizadas de ensino e de serviço e com suas formas retas e acostumadas do produzir saúde. Prevê também, por meio de um olhar renovado, a transformação das práticas, ou seja, o operar de uma práxis revolucionária. Assim, a efetivação da EPS como prática formativa do trabalho em saúde é um desafio na educação brasileira, uma vez que as práticas tradicionais, historicamente constituídas, promovem o distanciamento entre formação e trabalho. O resultado esperado pela EPS é justamente a democratização dos espaços de saber, do fazer, do ensinar e do aprender. Considerações Finais: A articulação teórica apresentou a proposta da Educação Permanente em Saúde como uma oportunidade de transcender os métodos tradicionais de ensino para operar a construção de conhecimentos fundamentados na liberdade individual e coletiva de forma que possam incidir em transformações sociais em quaisquer cenários, sejam os da educação ou os da saúde. O diálogo entre a EPS e os teóricos evidenciou que a EPS potencializa dispositivos pedagógicos capazes de propiciar o retorno à criação e aos novos modos de ver, rever e transver a educação. Espera-se com a reflexão contribuir para os movimentos de mudança na formação dos trabalhadores de saúde, assim como, ressignificar com a contribuição dos autores, produções científicas, na direção da aprendizagem ancorada no cotidiano do processo de trabalho e nas necessidades dos usuários.  

Palavras-chave


Educação Permanente em Saúde; Educação em Saúde; Políticas Públicas de Saúde.

Referências


Barros, M. Livro sobre nada. Rio de Janeiro: Record, 1996.

Ceccim, R.B. A emergência da educação e ensino da saúde: interseções e intersetorialidades. Revista Ciência & Saúde, Porto Alegre, v. 1, n. 1, p. 9-23, jan./jun. 2008.

Freire, P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1996

Ministério da Saúde (BR). Portaria GM/MS nº 1.996, 20 de agosto de 2007: dispõe sobre as diretrizes para a implantação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde [Online]. Brasília (DF); 2007 [citado 2013 dez 17]. Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2007/GM/GM-1996.htm.

Vázquez, A.S. Filosofia da Práxis. 4ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 1990.