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Cartografia de vida no trabalho educativo com jovens e adultos: conversas-em-ação
Última alteração: 2015-11-23
Resumo
Essa dissertação foi orientada pelo trabalho educativo em um Núcleo de Estadual de Educação de Jovens e Adultos (NEEJA), na modalidade não presencial, localizado na cidade de Porto alegre, no Estado do Rio Grande do Sul. Nesse Núcleo é oferecido à possibilidade de regularização da escolaridade formal, apoio pedagógico para prestação de exames e obtenção da certificação. Seus alunos experimentaram o abandono da escola regular ou jamais a frequentaram, estando aí razões do mundo do trabalho, relações de gênero, comportamento desviante dos padrões da escola, repetências, dificuldades de aprendizagem, transtornos mentais, drogadição, privação parcial de liberdade e sob medidas socioeducativas ou protetivas, entre outros, além daqueles pressionados pelas exigências de determinados postos de trabalho ou em busca da aceleração da escolaridade perdida em razão das várias motivações à evasão. A busca pela escola já registra uma busca “particular” daqueles que não sabem ler e escrever com fluência em uma sociedade letrada; daqueles que precisam manter ou obter emprego e renda diante da solicitação de um diploma escolar; daqueles para quem a escola desponta como parte do projeto “terapêutico-disciplinar” para o abandono das drogas; daqueles que, em situação de reclusão pela justiça, espera-se demonstração de identificação com valores da cidadania como escola, trabalho e renda por meios legítimos ou lícitos; daqueles que “retornaram”, uma vez tendo sido impedidos da frequência natural, linear e regular, à escola, seja porque ingressaram no mundo do trabalho, casaram ou tiveram filhos – precocemente, prioritariamente ou autoritariamente – podem, agora, recuperar a escola que não puderam ter; daqueles que foram evadidos da escola porque não aprendiam como os outros, não dispunham dos recursos regulares de aprender, não se comportavam, tinham dificuldades intelectuais superiores as de seu grupo; daqueles que não perderam ou recuperaram, apesar da idade ou rótulos, sonhos e planos de trabalho e lugar social; daqueles que, idosos, procuram acolhimento na vida social, motivo de circulação e vínculos inovadores, busca da sensação de produção de vida e direito às coisas da juventude; daqueles que, com tenacidade e objetividade, pretendem resgatar o tempo perdido com evasões, repetências e abandonos escolares. Tudo isso dentre variadas metas ou engenharias de tempo. Trata-se de uma escola para “adultos”, onde o que sentimos e vivemos pode perder intensidade e ganhar ajustamento em valores morais e em expectativas de gênero, geração, classe social, raça e passado. No encontro pedagógico, as histórias de vida vêm junto, as intensidades do vivido podem colaborar e, uma vez que não as racionalizemos, temos a chance de mobilizar fluxos, não as representações, pô-los em movimento e movimentarmo-nos com eles, desde que não os interpretemos. A pesquisa buscou dar visibilidade às margens que o trabalho educativo com jovens e adultos, na modalidade não presencial oferece, quando aberto às histórias que o demandam. Não a forma como se oferecem: apoio aos exames, regularização da vida escolar, certificação; mas os cenários de acolhimento que pode proporcionar. Recorreu à arte e filosofia na condição de “intercessores” (DELEUZE, 2008). Utilizou como proposta metodológica a cartografia para rastrear nas narrativas dos alunos minúcias e sutilezas, acompanhar processos, perscrutar percursos e mobilizar fluxos intensivos no encontro pedagógico, não as representações. A pesquisa encontrou-se com conversas-em-ação que acionam no encontro educativo intensivo, com a educação de jovens e adultos, processos de singularização (produção de si e de mundo); ressignificam o passado e o presente por reencontrarem a multiplicidade ou a possibilidade de novas conexões no ensinar e aprender; são convocadas pelo rompimento com o modelo piramidal comum as instituições públicas, pela abertura a alteridade, pelo encontro com a diversidade e pelo uso de instrumentos de trabalho mais pedagógicos e menos curriculares, mais intensivos e mais desacomodadores, dando visibilidade a uma escola promotora/produtora de saúde que se constrói em meio à vida e nas redes. Foram nominados pela pesquisa três instrumentos: o olhar-rizomático, a escuta-inscrição e o corpo-pendular. Tais instrumentos envolvem uma postura e disposição dos professores de uma escola não presencial, mas disponível à presença e colaboração; não disciplinar nas regras de frequência, assiduidade, comportamento, mas modelável por seus alunos; que escuta e acolhe as necessidades educativas e possibilita a passagem; que oferece um corpo-escola e um corpo-docência capaz de mover-se com os corpos de seus alunos em movimentos de criação do viver instigando a experimentação. A política cognitiva das conversas em ação rompe com a forma tradicional cartesiana de conhecer na qual uma consciência interna observa e reflete o mundo externo; substitui a consciência contemplativa por uma consciência encarnada, não passiva que instiga a experimentação; necessita de ferramentas relacionais que aparelhadas proporcionem um ver, ouvir, sentir háptico proporcionando passagem e manifestação aos signos das conversas em ação; volta-se não à apreensão da aprendizagem como busca de uma verdade que possa ser representada e reproduzida, mas como produtora de estranhamento ao “outro”, em que a potência da diversidade e a pluralidade produz fluxos de rede que dão visibilidade a outras dimensões de vida que podem ser prospectadas a partir dos signos que emitem; apresenta uma perspectiva da ação de mundo e não de um mundo dado, em que sujeito e objeto pré-existem a sua relação; permite pensar aprendizagens que colocam o problema como criacionismo de caminhos necessários em que todos possam percorrer seus próprios caminhos e assim criar condições para que a aprendizagem ocorra (em que o percurso convoque a parada). A pedagogia das conversas em ação proporciona um espaço que não secciona os saberes, não hierarquiza as relações nem exclui a diversidade; produz um tempo do acontecimento-aprender, sem a marca da extensão, em que se experimenta compassos próprios e acolhe-se ou dá borda aos devires em curso e a exposição à plurissignificação dos signos, inventando sempre nova conversa no aprender e no ensinar. Conversas em ação indicam um modo de trabalhar não linear nas práticas pedagógicas da educação de jovens e adultos; interrogam as práticas do ensinar e do aprender; fazem emergir enunciados e dão visibilidades que não se fecham em uma solução (movimento de atualização), em razão de um pensar problematizado no qual o conhecimento produzido é sempre coletivo (fruto de uma rede heterogênea); e fazem convite à relação e à plurissignificação buscando no corpo a corpo com o outro, novos sentidos de existência em ato, composição de acontecimentos-aprendizagem.
Palavras-chave
Subjetividade e Educação; Educação e Produção de Saúde; Educação de Jovens e Adultos.
Referências
DELEUZE, Gilles. Conversações. Trad. Peter Pál Pelbart. São Paulo: Ed.34. 2008.