Rede Unida, 12º Congresso Internacional da Rede Unida

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O FENÔMENO DO SUICÍDIO NA POPULAÇÃO INDÍGENA GUARANI E KAIOWÁ: UMA COMPREENSÃO PSICANALÍTICA ENRRIQUECIDA PELA EXPERIÊNCIA EM CAMPO
Josiane Emilia do Nascimento Wolfart, Regina Mara Jurgielewecz Gomes

Última alteração: 2015-10-19

Resumo


O presente trabalho objetivou expor a experiência teórica sobre o estudo dos fatores apontados na literatura como os principais desencadeantes do fenômeno do suicídio na população indígena Guarani e Kaiowá, do município de Dourados-MS. O estudo ganhou novos olhares sobre este fenômeno e seus fatores a partir da experiência de campo vivenciada pela autora. Contudo trata-se incialmente de uma pesquisa qualitativa, que oportuniza estratégias de interpretação, participação e compreensão dos dados levantados e documental por caracterizar-se pela reprodução parcial destes dados levantados em periódicos, proporcionando novas descobertas sobre o tema. Foi apresentado material referente à diversidade cultural, crenças, costumes, mitos e tradições inerentes à comunidade indígena, que auxiliou na compreensão do funcionamento do grupo. A partir do levantamento das causas para o suicídio, apontadas na literatura, procurou-se fazer uma compreensão do fenômeno por meio do instrumental teórico da Psicanálise. Propôs-se uma análise dos possíveis determinantes psíquicos que manejam o pensamento e a conduta deste grupo, assim, pretendeu-se por meio das hipóteses levantadas compreender o que conduziu esta população ao que a literatura nomeou como epidemia de suicídio. Os principais fatores apontados para o fenômeno do suicídio indígena incluem alguns determinantes sociais, que afetam não só a saúde desta população como também sua manutenção cultural: a marginalização cultural; a retirada do tekoha, saída dos indígenas de suas terras. Espaço vital onde são desenvolvidas as relações sociais do grupo. A exploração da erva-mate concomitante ao processo de colonização, o interesse pela mão de obra indígena e exploração de suas terras aliado à implantação das fazendas, acarretam no processo de maior impacto para a vida desta população; exploração do trabalho indígena; problema com o abuso de álcool e drogas; situação econômica precária, falta de saneamento básico, falta de água em pontos da reserva; desemprego, moradores da reserva reclamam que não conseguem emprego na cidade e por isso passam fome e caem em depressão; falta terra para os trabalhadores desenvolverem suas atividades agrícolas; conflitos e desajustes familiares, brigas de parentes, problemas conjugais entre os membros do grupo étnico; imposição de novas religiões como também imposição de culturas externas a cultura indígena, como novos valores e interesses do mundo capitalista. Alguns estudos apontam que estas causas são subprodutos do impacto das transformações sociais que ocorrem dentro das aldeias, influenciados pela infiltração da “sociedade nacional”, e também um resultado de conflitos internos vivenciados pelo grupo relacionados a sua organização social e política. As indagações recorrentes em relação aos fatores que desencadeiam o suicídio no grupo indígena Guarani e Kaiowá implicam na hipótese de um tipo de desordem psíquica ou a falta de estrutura emocional que garanta aos membros do grupo indígena condições para melhor enfrentamento dos problemas na reserva, sejam eles provocados por causas internas ou externas a ela. Afinal, problemas com o consumo de álcool, drogas, desemprego, desestruturação familiar, problemas afetivos entre outros, também estão presentes na sociedade não indígena. Percebe-se que a junção destes fatores provocam conflitos significativos no psiquismo dos sujeitos. O que intriga alguns pesquisadores do fenômeno, é que a população indígena usa o suicídio como meio para resolver seus problemas. Um morador da reserva Jaguapiru comentou que tem indígena que quando quer faz, não pensa duas vezes. Os estudos mostram que o resultado deste movimento foi desastroso. O produto final do choque cultural nas aldeias trouxe grandes prejuízos para a manutenção de sua vida e cultura. O suicídio não corresponde apenas ao fim de uma vida, representa também o grito agonizante pelo temor do fim de uma cultura. É o conteúdo místico-religioso que está enraizado no imaginário da cultura indígena o responsável por promover a manutenção do grupo, contudo, está ameaçado. Este conteúdo auxiliou na compreensão de parte do pensamento do grupo naquilo que entendem pelo suicídio em sua comunidade. Na sociedade de modo geral falar de suicídio é algo que gera grande desconforto, este é ainda um assunto tabu. De acordo com a teoria freudiana, o tabu está a serviço das relações sociais em comunidade primitivas, assim sendo a escolha pela morte violenta representa a quebra do tabu de preservação da vida. Qualquer pessoa que viole este tabu torna-se um transgressor. Ao tomar a morte em suas próprias mãos, suicidando-se o indígena fica à mercê da violação do tabu. Neste caso será seu espírito que receberá a punição de ficar vagando nas proximidades de sua última morada. A alma anguê, quando é do suicida, pode ser mais perigosa que outros fantasmas, assim o indígena acredita que ela, a alma do suicida, pode voltar e levar outros membros do grupo a se matarem, o espírito ou alma anghé voltará para se vigar daqueles que lhe fizeram mal. É possível compreender os determinantes que influenciam o ato suicida como, também, a reação dos familiares e demais membros da comunidade diante de uma morte violenta. Do ponto de vista psicanalítico supõe-se que existam no suicida indígena, impulsos inconscientes que nasceram do conflito entre as crenças, costumes e tradições de sua comunidade e seus desejos internos. Quando os membros da tribo se deparam com a escolha entre aquilo que é tradição versus aquilo que a ‘sociedade nacional’ impõe à sua cultura, algumas pessoas não conseguem renunciar ao desejo pelo novo e abandonam sua cultura. Um sofrimento surge deste conflito, o choque cultural. O caráter de violação está em renunciar sua cultura, seus valores, crenças, mitos, costumes e tentar se infiltrar em uma nova cultura, que corrompe e impõe novos modos de pensar e de viver, mas que não respeita a subjetividade do grupo. É preciso resgatar a identidade do grupo, compreender a natureza de suas frustações, sofrimentos e angústias. Diante das questões apresentadas, entendemos que o suicídio indígena possa ser compreendido como um grito primal desta população, um pedido de socorro. Na impossibilidade de resolverem estes conflitos internos lançam mão de um meio triste para resolução de seus problemas, o suicídio como um sinal de alerta para preservação da história e cultura do povo Guarani e Kaiowá.

Palavras-chave


suicídio, psicanálise, indígena.

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